segunda-feira, 1 de abril de 2024
As novas procuras não têm nada a ver com a crise de habitação, pois não?
A ladainha tem sido recorrente e visa aplacar tudo o que possa pôr em causa os negócios de especulação imobiliária e o seu contributo para a atual crise de habitação. Um a um, os vários segmentos enjeitam o efeito, destacando apenas o que têm de positivo. Ora é o Alojamento Local que «não é o culpado» pela falta de habitação, ora é o regime dos Residentes Não Habituais, cujo número «irrisório» de transações jamais poderia prejudicar o setor, ora são os Vistos Gold que «não têm nada a ver com o aumento dos preços das casas». Querem encontrar as causas da crise? Desvalorizem as novas procuras e digam apenas que há «falta de casas», mesmo que o total de alojamentos e famílias residentes quase não se tenha alterado na última década. Ou indaguem noutro lado, que aqui não se passa nada.
Felizmente há quem estude e demonstre o que a mais elementar intuição nos diz. João Pereira dos Santos, um dos autores de um artigo recente, concluiu que «os Vistos Gold foram um dos fatores que contribuíram para aumentar os preços das casas em Portugal», elevando em 60% os alojamentos transacionados por cerca de 500 mil euros (o montante associado a este regime), gerando não só «um aumento da procura por parte de estrangeiros de fora da União Europeia, que beneficiaram do visto», mas arrastando também, pelo valor de referência, «consumidores e vendedores portugueses». Com o passar do tempo, acrescenta, registou-se «um contágio para os valores mais baixos, exacerbado pelo facto de existir pouca construção e a que existe ser direcionada para uma gama mais alta».
Os Vistos Gold «não foram a única variável a contribuir para o aumento dos preços das casas», refere Pereira dos Santos, acrescentando o efeito idêntico gerado pelo Alojamento Local, a abertura de novos hotéis ou o regime de Residentes Não Habituais. E assinala, ainda, a necessidade de dados mais detalhados, que permitam saber, por exemplo, se os adquirentes se fixaram em Portugal, se as casas se encontram fechadas ou foram arrendadas e onde foram compradas. Ou seja, informação que permita evidenciar, com rigor, a incidência territorial cumulativa das novas procuras, sobretudo as que encaram a habitação como um ativo financeiro e não pela sua função residencial e social.
Compreende-se, claro, que os agentes do setor imobiliário especulativo reivindiquem, junto do novo Governo, o regresso dos Vistos Gold e do regime dos Residentes Não Habituais, ou o fim das restrições ao Alojamento Local. Trata-se, afinal de contas, do seu negócio. Apenas se dispensa, nas suas proclamações, a ideia de que estão preocupados com a crise e que querem ajudar a resolvê-la. Tal como no caso do Governo, cuja composição assegura a representação dos interesses imobiliários e que se prepara para retroceder nas políticas para o setor, revogando desde logo o Mais Habitação, em vez de o aprofundar em matéria de regulação. Poupem-nos, pelo menos, às lágrimas de crocodilo sobre a vontade de enfrentar a crise, melhorando as condições de acesso das famílias à habitação.
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