quinta-feira, 10 de junho de 2021

Foi há uns 35 anos...


... mas esperemos que não volte a acontecer. 

A revisitação do passado tem destas coisas. Como se sabe o que se passou entretanto, relativiza-se o argumentário liberal (ex-neoliberal) pela realidade monstruosa que foi criando em décadas. Ao ler hoje as palavras que se seguem, sente-se a mentira óbvia de que já estavam impregnadas e que - tal como no presente - passaram tão bem. 

Este "passado" passou-se a 31 de Janeiro de 1986. Era Cavaco Silva primeiro-ministro do governo minoritário do PSD e era seu ministro do Trabalho e Segurança Social - por esta ordem - Luís Mira Amaral. O ministro veio ao Parlamento apresentar, com urgência, um pedido de autorização "para rever o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e dos contratos de trabalho a prazo e para estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário".  

Em que sentido ia a proposta? Pois, o ministro nunca explicou. Mas Mira Amaral estendeu-se por argumentos que dão a entender em que sentido ia: atacar verbalmente a precariedade laboral, para conseguir impor a sua generalização através do despedimento fácil, tudo em nome dos desempregados e dos jovens. Aliás, algo que ecoa - com nuances - em qualquer projecto recente de revisão da legislação laboral - vidé o apresentado por Mário Centeno em 2015, em defesa do contrato único de trabalho, ou o pacote contra a precariedade de 2019, tão aplaudido pelas confederações patronais e aprovado a mata-cavalos pelo CDS e o PSD.

Dizia Mira Amaral: 

Cada dia que passa sem alteração da actual legislação laboral mais dificulta o processo de recuperação do nosso país e mais nos atrasa da Europa em que acabámos de entrar. Com efeito, não pode o Governo manter-se indiferente ou alheio às preocupações sociais e económicas vividas no meio laboral, sob pena de comprometer o rigor de uma política económica e social global e coerente, norteada pelo equilíbrio e ponderação de todos os legítimos interesses da sociedade portuguesa. Matéria tão importante como a que a presente proposta de lei contempla, pautada pela necessidade vital de superação de um bloqueio profundamente inibidor do correcto desenvolvimento sócio-económico não poderá deixar de ser discutida por esta Câmara com a prioridade que a própria natureza do normativo reclama. As preocupações do Governo nesta matéria vão não só no sentido de contribuir para a resolução dos problemas que afectam os trabalhadores empregados, mas também e muito especialmente no sentido de criar as condições que possibilitem a criação de empregos para os desempregados e para muitos milhares de jovens à procura do primeiro emprego.

Nestes 35 anos, muito mais longe se foi neste capítulo e sempre com os mesmos ou parecidos argumentos, aprovados pela direita ou com o PS. Mas os objectivos anunciados nunca foram conseguidos porque os verdadeiros objectivos não eram os anunciados. Nada do que se dizia querer aconteceu. Nem mesmo se criou uma burguesia nacional - uma elite empresarial através do processo de privatizações - como tanto defendia Cavaco Silva. Foi capturada material, financeira e ideologicamente pelos estrangeiros. Ficou apenas a precariedade e a exploração desenfreada. Dos jovens, dos desempregados e de todos os trabalhadores encharcados no fragmentado, desarticulado e inconsistente tecido produtivo nacional.

Esta revisitação tem uma certa patine. Mostram como eram - à luz de hoje - aparentemente ingénuos os discursos que consagraram, com o tempo, a precariedade e o pesadelo laboral dos portugueses. As palavras tinham peso. Ainda se ouvia como sérias as palavras de um Duarte Lima a tecer armas por esse ideário neoliberal. Parecia fazer sentido o que dizia Lopes Cardoso (PS) ao lembrar que o assunto do diploma deveria ser abordado pelos "parceiros sociais". Tinha o peso de uma primeira barricada ouvir um Jerónimo de Sousa a anunciar que "para nós, constitui o início das hostilidades contra os trabalhadores, por parte do governo de Cavaco Silva", ao mesmo tempo que a deputada Odete Santos (PCP) sintetizava  aquilo que o Governo não tinha coragem de assumir: "A urgência do Governo, neste aspecto, é de facto para liberalizar os despedimentos e para permitir que, por qualquer motivo, a entidade patronal despeça o trabalhador pelo facto da própria inaptidão - conceito extraordinariamente vago (...) e que é um conceito que, assim, permite às entidades patronais fazer tudo". Torres Couto (PS), ex-dirigente da UGT, estava do lado certo quando dizia que "todos nós, que não andamos nisto há dois dias, que conhecemos bem as implicações que esta matéria tem induzido na vida social portuguesa". Até um José Manuel Casqueiro (PSD), ex-dirigente da CAP das mocas de Rio Maior, dava o seu  contributo ao  lembrar que "o então Primeiro-Ministro e actual candidato à Presidência da República, Dr. Mário Soares, tinha uma perspectiva completamente diferente" quando "propôs um acordo com as diversas confederações patronais, acordo que - repito - passava pela aceitação do princípio do despedimento, mesmo sem justa causa, estando única e simplesmente em causa a discussão do valor da indemnização"! 

Para quem tenha coragem, tempo e paciência de voltar a este passado tão presente, fica o texto na íntegra.

 

 

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos. 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão. (...) Srs. Deputados, vou submeter à apreciação do Plenário o pedido de urgência para apreciação da proposta de lei n.º 6/IV, que concede ao Governo autorização legislativa para rever o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho a prazo e para estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário. Informo o Plenário de que a Comissão de Trabalho não apresentou o relatório correspondente, pelo que iremos proceder à discussão, nos termos que referi, ao abrigo do artigo 141.º, n.º 4, do Regimento que dispensa o relatório. O Sr. Deputado Soares Cruz pediu a palavra para que efeito? 

 O Sr. Soares Cruz (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. 

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, o que é que se passa em relação à presença do Governo nesta discussão? Julgamos que este é um assunto suficientemente importante para justificar a presença do Governo nesta Câmara. 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como hoje já vi aqui o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social pensei que ele já se encontrava nesta Sala. Se ele se ausentou vamos aguardar uns momentos. 

Pausa. 

Como o Governo já se encontra presente, vamos dar início à discussão. Tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social. 

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Mira Amaral): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Governo apresentar à Assembleia da República; nos termos do n.º 1 do artigo 17.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º, da Constituição, uma proposta de lei que visa rever o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e dos contratos de trabalho a prazo e ainda estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário. O Governo entendeu pedir prioridade de agendamento e processo de urgência nesta matéria porque considera extremamente degradada a situação laboral no nosso país, degradação essa gerada por uma legislação completamente ultrapassada e obsoleta. Cada dia que passa sem alteração da actual legislação laboral mais dificulta o processo de recuperação do nosso país e mais nos atrasa da Europa em que acabámos de entrar. Com efeito, não pode o Governo manter-se indiferente ou alheio às preocupações sociais e económicas vividas no meio laboral, sob pena de comprometer o rigor de uma política económica e social global e coerente, norteada pelo equilíbrio e ponderação de todos os legítimos interesses da sociedade portuguesa. Matéria tão importante como a que a presente proposta de lei contempla, pautada pela necessidade vital de superação de um bloqueio profundamente inibidor do correcto desenvolvimento sócio-económico não poderá deixar de ser discutida por esta Câmara com a prioridade que a própria natureza do normativo reclama. As preocupações do Governo nesta matéria vão não só no sentido de contribuir para a resolução dos problemas que afectam os trabalhadores empregados, mas também e muito especialmente no sentido de criar as condições que possibilitem a criação de empregos para os desempregados e para muitos milhares de jovens à procura do primeiro emprego. É, pois, pensando também nos desempregados e muito especialmente nos jovens que são o futuro do nosso país que o Governo solicita a esta Assembleia prioridade e urgência na apreciação da proposta de lei em causa. Todos os partidos democráticos portugueses reconheceram nas últimas eleições legislativas a necessidade e a premência de alterar o actual enquadramento jurídico-laboral. O actual regime legal de cessação do contrato de trabalho revela-se cada vez mais um elemento potenciador de conflitualidade e instabilidade nas relações laborais. Bem se pode dizer que o actual regime acabou por favorecer a extensão da contratação a prazo, com a instabilidade e precariedade que decorre da fragilidade do vínculo laboral nestes casos. Bem se pode dizer que o actual regime gerando os contratos a prazo de forma perfeitamente desmesurada acabou por favorecer os despedimentos a prazo. 

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É pois este regime gerador de uma situação preocupante e completamente desequilibrada que urge rever. A actual legislação laboral, pretensamente protectora dos trabalhadores não impediu que estes tivessem visto degradar-se profundamente nos últimos anos os seus salários reais e o seu poder de compra degradação essa que atingiu valores sem paralelo na Europa a que acabamos de aderir. É esta legislação pretensamente defensora dos trabalhadores mas que não impediu o aparecimento dessa autêntica chaga desse problema preocupante que são os salários em atraso que urge alterar. Bem se poderia dizer que não há só salários em atraso também há uma legislação laboral em atraso. A actual legislação incentiva ainda o desenvolvimento do trabalho clandestino e da economia paralela trabalho clandestino esse que constitui uma autêntica flexibilização selvagem do mercado de trabalho deixando os trabalhadores completamente desprotegidos e à mercê de patrões sem escrúpulos. O Governo não pode ficar indiferente a situações deste tipo e tem de considerar ser preferi el a flexibilização controlada do mercado do trabalho ao trabalho clandestino aos contratos a prazo e aos salários em atraso que são no fundo autênticas válvulas de escape para um sistema ultrapassado pelas realidades sociais. A situação actual deixa ainda as empresas portuguesas sem possibilidade de competirem com as empresas europeias quer em Portugal quer no espaço da CEE pois as empresas europeias beneficiam de uma legislação laboral que lhes possibilita uma agressividade e uma competitividade que a nossa legislação laboral não permite às nossas empresas. Assim estas encontram se desprotegidas face às suas competidoras europeias. A legislação portuguesa vigente irá pois a prazo apenas criar mais desemprego. Pelo contrário a legislação laboral que o Governo tenciona implementar na sequência da autorização legislativa pedida a esta Câmara possibilitará às empresas portuguesas a agilidade e a capacidade de competirem com as suas congéneres europeias e permitirá criar aos empresários portugueses a confiança indispensável ao investimento. A proposta do Governo permitirá pois a criação de mais riqueza e mais empregos na economia portuguesa. 

 O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

 O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No mundo em que vivemos de crescente interdependência das economias nacionais na época que atravessamos de profundas mutações tecnológicas e económicas na hora em que entramos na Europa na situação preocupante do mundo do trabalho em Portugal em que uma legislação ultrapassada e obsoleta só tem vindo a gerar contratos a prazo trabalho clandestino sala nos profundamente degradados ou em atraso perda de confiança dos empresários e descrença dos Portugueses no seu pais não há mais tempo a perder. É preciso quanto antes vencer o bloqueio psicológico provocado pela legislação ainda vigente. O Governo tem vindo a criar com a política económico financeira que esta a executar as condições para um novo ciclo de prosperidade e progresso no nosso pais O Governo pensa não haver pois tempo a perder para viabilizar essa recuperação económica e por isso solicita a VV. Ex.as que a proposta de lei sobre os regimes da cessação do contrato de trabalho do trabalho a prazo e da regulamentação do trabalho temporário seja apreciada com a prioridade e a urgência que a recuperação económica já iniciada impõem e que a capacidade de trabalho a inteligência e o dinamismo do nosso povo merecem. 

Aplausos do PSD. 

O Sr. Presidente: - Inscreveram se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Lopes Cardoso António Mota Victor Hugo Sequeira Raul Castro João Corregedor da Fonseca e José Luís Nunes. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso. 

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social ao longo da sua intervenção fui ficando com a sensação de que o Sr. Ministro – desculpe- me a crueza das minhas palavras - veio para aqui sem saber o que vinha fazer. E a parte final da sua intervenção confirmou me totalmente esta ideia. Disse o Sr. Ministro que o Governo vinha solicitar ao Parlamento prioridade e urgência para discutir a proposta de lei sobre o regime jurídico da cessão do contrato de trabalho a prazo e o estabelecimento do regime jurídico do trabalho temporário. Não é nada disso. Sr Ministro, o Governo não veio aqui pedir prioridade e urgência para discutir estas matérias veio pedir sim uma autorização legislativa para legislar sobre elas. Há aqui uma diferença abissal em relação à qual o Sr. Ministro de facto não se deve ter apercebido. E o que é extraordinário é que falou de tudo o que não vinha a propósito e não disse uma palavra sobre aquilo que é a matéria deste debate. Porquê a urgência? Mais do que a urgência porquê o pedido de autorização legislativa? Porque não a apresentação de facto da proposta de lei? O Governo está tão pouco seguro da sua posição que o Sr Ministro confundiu tudo e acabou por vir solicitar à Assembleia prioridade e urgência para discussão dessa proposta de lei quando não é nada disso que está em causa? Porquê esse lapso. Sr Ministro. Por que razão o Governo solicita uma autorização legislativa e não submete a discussão desta matéria a Assembleia? 

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro V. Ex.ª pretende responder de imediato ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Respondo no fim Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr Deputado António Mota.

 O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social. V. Ex.ª veio aqui a esta Assembleia pedir uma autorização para legislar sobre matéria que e da exclusiva competência da Assembleia da República. O que e que lê a o Governo a querer a urgência com esta rapidez escamoteando a discussão pública do diploma que e a forma como deve ser feita. Naturalmente Sr. Ministro que, ao lermos esta proposta que o Governo nos apresenta, percebemos perfeitamente as intenções deste Governo. O Governo pretende legislar sobre esta matéria e citando a sua discussão nesta Assembleia da República porque é uma matéria contrária aos interesses dos trabalhadores portugueses é uma matéria que não vem resolver nenhum problema dos trabalhadores, pelo contrário vem agravá-los a todos, é uma matéria que não vem criar postos de trabalho, Sr. Ministro, mas, sim, o desemprego em massa. Mais: vem passar para a mão do patronato uma faca que está sobre a cabeça dos trabalhadores para o patrão aplicar quando muito bem quiser e entender. Sr. Ministro, para nós é estranho embora percebamos porque é que vem aqui à Assembleia pedir esta urgência. É para legislar sobre matéria que é da competência desta Assembleia, porque de facto quer evitar a discussão nesta Câmara de um assunto que é de grande gravidade para a situação dos trabalhadores, para a economia nacional e que agrava muito mais a situação dos desempregados neste país. 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Victor Hugo Sequeira. 

O Sr. Victor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: A situação que V. Ex.ª acaba de descrever globalmente, referente ao panorama laboral português, mais contribuiu para aumentar a minha perplexidade quanto à via adoptada por este Governo para resolver tantos e tão graves problemas. Por isso pergunto ao Sr. Ministro: o Governo, este Governo, já procedeu a consultas, discussão ou negociação destas matérias com os parceiros sociais? Se sim, como, quando e onde? O Governo, este Governo, já cumpriu e respeitou o estipulado na Constituição da República, que obriga à publicação e à auscultações das organizações sociais e económicas como partes directamente interessadas nas matérias em apreço? O Governo, este Governo, ignora a indisponibilidade da maioria neste Parlamento, para não conceder a autorização legislativa? Este Governo acaso ignora que o governo anterior caiu porque uma das suas componentes, o Partido Socialista, nunca concordou que uma reforma de profundas consequências no tecido social pudesse ser conseguida pela via da autorização legislativa? Então porquê este pedido de urgência? Porquê esta insistência no pedido de autorização legislativa? Está mesmo, este Governo, interessado na revisão da legislação laboral, ou, pelo contrário, está este Governo mais interessado em criar um desnecessário incidente com o Parlamento e com a oposição? 

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem! 

O Orador: - E se assim é, com que fins? Para amanhã, através da comunicação social em geral e da RTP em particular, se apresentar ao povo português como um mártir de boa vontade e intenções, responsabilizando este Parlamento e a oposição de obstaculizarem as medidas e as reformas de fundo que desenvolvam este país, provocando, desta forma, mais uma crise política, com o objectivo de dela tirar dividendos que o perpetue no poder? Mas é a revisão da legislação laboral por si, neste momento, isoladamente, o grande factor de entrave ao desenvolvimento? Não serão mais urgentes medidas e reformas em matérias de política económica que estimulem o investimento, que permitam o saneamento financeiro de muitas centenas de empresas, que possam gerar a criação de muitas outras e consequentemente mais emprego? Por último, Sr. Ministro, urgente não será mesmo este Governo rever o seu autoritário comportamento como linha de conduta imprópria em democracia, comportamento autoritário que acaba de adoptar em relação aos trabalhadores da Administração Pública? A imposição e o autoritarismo em democracia significam a fraqueza dos governos, pois, em democracia, o diálogo e a negociação é apanágio dos governos fortes. O pedido de autorização legislativa, substituindo o diálogo e a negociação, consubstancia em si mesmo a fraqueza do actual Governo. 

 Aplausos do PS. 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro. 

 O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, V. Ex.ª apresentou aqui algumas justificações para a legislação que o Governo pretende ver aprovada, começando por afirmar que a degradação das condições de trabalho seria gerada por uma legislação desactualizada. Se é exacto que há uma degradação das condições de trabalho, a verdade é que nesta afirmação há um salto lógico porque de uma afirmação verdadeira o Sr. Ministro parte para uma outra, que não demonstra, nem demonstrou, o que se refere à desactualização da legislação laboral. Como o Sr. Ministro sabe, o que estava desactualizado era a legislação de 1969, mas depois do 25 de Abril diversos diplomas harmonizaram a legislação laboral com as novas condições da democracia e da Constituição. Não há por isso qualquer espécie de justificação naquilo que o Sr. Ministro afirma. Trata-se, pois, de uma mera afirmação sem justificação e que merece a seguinte pergunta: onde e porquê a actual legislação se encontra desactualizada? Para além disso, o Sr. Ministro afirma que a nova legislação foi feita pensando nos desempregados e nos jovens. Mas, como o Sr. Ministro sabe, quanto, por exemplo, aos despedimentos por razões objectivas, admite-se que eles sejam feitos tendo em vista a extinção dos postos de trabalho. Como é que extinguindo-sé postos de trabalho se pode estar a ir ao encontro do problema do desemprego no nosso país? 

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem! 

 O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro fala em empresas desprotegidas face às empresas estrangeiras. Mas, então, o Sr. Ministro quer convencer esta Câmara de que a situação de inferioridade das empresas portuguesas face às empresas estrangeiras, nomeadamente as da CEE, resulta da legislação laboral? O Sr. Ministro, toda a gente sabe que essa situação se deve à falta de adaptação tecnológica e de desenvolvimento dessas empresas, e ainda à falta de unidades que possam competir com um maior desenvolvimento das empresas estrangeiras. É isto - que V. Ex.ª não disse - e não a legislação laboral que coloca as nossas empresas numa posição de inferioridade na concorrência livre com as empresas estrangeiras. 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr: Deputado João Corregedor da Fonseca... 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro do Trabalho, realmente o Sr. Deputado Raul Castro já levantou esta questão do exemplo das empresas estrangeiras mas retomando assunto e visto que V. Ex.ª disse que a nossa legislação laboral não permite a agressividade e a competitividade existente nas empresas estrangeiras, nomeadamente nas europeias, gostava que o Sr. Ministro, na sequência do pedido de esclarecimento formulado pelo Sr. Deputado Raul Castro, explicasse claramente esta sua teoria um pouco inexplicável, na minha opinião. O Sr. Ministro disse em determinada altura passo a citar - que a «proposta do Governo proporciona riqueza». Gostava que o Sr. Ministro me explicasse qual é a proposta do Governo, pois ela não está aqui e quais são as linhas gerais dessa proposta do Governo. V. Ex.ª disse também que a nova legislação laboral, que com certeza, será lesiva dos interesses dos trabalhadores, proporcionará um novo ciclo de prosperidade. Como? Quer dizer, o Governo vai estabelecer um planeamento económico diferente a partir do momento em que tenha esta lei aprovada? O Governo está à espera desta lei para propor um programa económico realista que tenha em vista essa tal prosperidade? Ou o Governo está desde já a justificar a sua inoperância e a sua incapacidade para dar solução aos gravíssimos problemas económicos do País em que o PSD é um dos principais senão o principal responsável? 

Sr. António Capucho (PSD): - Essa é boa! 

O Orador: - Sr. Deputado António Capucho, o PSD está no Governo há não sei quantos anos. 

O Sr. António Capucho (PSD): - Ainda vai estar mais! A legislatura são 4 anos! 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes. 

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Ministro do Trabalho, anteontem, na reunião dó secretariado do meu grupo parlamentar, tivemos ocasião de ver qual era a ordem do dia para hoje e verificámos que a ordem do dia para hoje era preenchida, pura e simplesmente, com a discussão da concessão ao Governo de uma autorização legislativa sobre uma série de matérias. 

O Sr. António Capucho (PSD): - Só a urgência! 

 O Orador: - E o processo de prioridade e urgência sobre a concessão ao Governo... 

Vozes do PSD: Isso não é o Diário da Assembleia da República. 

 O Orador: - Srs. Deputados, visto que me tenho de basear no que aqui está, passo a ler um extracto do requerimento de apresentação da proposta de lei n.º 6/IV [...] Mais se solicita que à proposta seja conferida prioridade, nos termos e para os efeitos do artigo 59.º do Regimento, que a mesma seja objecto de processo de urgência {...]. Portanto, o que é objecto de processo de urgência, que estamos aqui a discutir, não é nenhuma proposta de alteração das leis laborais, é, sim, uma proposta que confere ao Governo autorização legislativa para legislar sobre as leis laborais. Quer dizer, o Governo e a Assembleia da República só se devem preocupar sobre as leis laborais depois de saberem se a Assembleia da República concede ou não esta autorização. Assim, a questão a que gostava que V. Ex.ª respondesse com a possível concisão é a seguinte: porquê um pedido de autorização legislativa acerca desta matéria? Sendo certo que o Partido Socialista, que é o maior partido da oposição nesta Casa, quando era Governo em coligação com o PSD, teve ocasião de declarar que em nenhum momento concederia autorização legislativa sobre esta matéria, isto em relação a um governo de que fazia parte, por maioria de razão não a vai conceder a um governo de que não faz parte. Sr. Ministro, volto a perguntar qual é o objectivo deste pedido de autorização? 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social. 

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que está aqui em causa, neste momento, é a questão da urgência na discussão desta matéria e não propriamente a discussão sobre o pedido de autorização legislativa. 

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Muito bem! 

O Orador: - O que está em causa, repito, é a urgência na discussão do pedido de autorização legislativa e é nesse sentido que iremos analisar a questão. Aquilo que eu disse e aquilo que ouvi os Srs. Deputados dizerem mais reforça a necessidade de urgência na discussão desta matéria. Portanto, por aquilo que ouvi, os Srs. Deputados mais me convenceram daquilo de que eu já estava convencido quando cá cheguei, ou seja, é urgente discutir esta questão. 

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem! 

O Orador: - Não vamos, repito, discutir as leis ou os textos que seriam implementados caso se tratasse só do pedido de autorização legislativa. Nesse sentido, não vou aqui discutir a política económico-financeira do Governo, nem o quadro, digamos assim, político-laboral do País. Apenas pretendo chamar a atenção para o facto de que não se pode pensar só em investimentos físicos. Numa economia de mercado, esses investimentos físicos só funcionam, só têm viabilidade, caso haja um clima psicológico e um contexto envolvente que permita esse tipo de investimento. Portanto, a posição que aqui foi defendida no sentido de apenas se pensar que se consegue uma recuperação económico-financeira através do investimento sem se criar um quadro envolvente, um contexto macro-económico e um clima psicológico de confiança é profundamente errada, a meu ver. Assim, aquilo que os Srs. Deputados disseram mais reforça, repito, a urgência de criar esse quadro, esse contexto, para que a recuperação económico-financeira do nosso país, a melhoria das condições de vida e a criação de riqueza - matéria em que, segundo parece, estamos todos de acordo - possam ser feitas. Srs. Deputados, é isto que, neste momento, vos tenho a dizer. 

Aplausos do PSD. 

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes. 

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto, pois é a única forma regimental que tenho para usar da palavra. 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, neste momento, V. Ex.ª não pode usar a figura regimental do protesto, visto que ela só pode ser usada após uma intervenção. 

 O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, visto que não quero utilizar figuras regimentais fora do seu legal enquadramento, pedirei a palavra na altura própria. 

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso. 

 O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de ser esclarecido sobre a matéria da ordem do dia e aquilo que é objecto desta discussão. Sr. Presidente, estamos a discutir a urgência da revisão das leis laborais ou estamos a discutir a urgência do pedido de autorização legislativa solicitada pelo Governo? Julgo que estamos a discutir a urgência do pedido de autorização, mas parece-me que o Sr. Ministro ainda não entendeu isso ou não quer entender. Posso estar enganado e agradeço que a Mesa me esclareça. 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, estamos a apreciar o pedido de urgência para a apreciação da proposta de lei n.º 6/IV. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro. 

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Sendo um dado adquirido que o processo de urgência é inseparável do conteúdo da iniciativa legislativa a que se refere, não poderemos, por isso, deixar de considerar a matéria de fundo em causa, neste pedido de autorização legislativa, aliás acompanhado do respectivo projecto de decreto-lei que o Governo pretende pôr em vigor. Trata-se, por um lado, de matéria de reserva relativa desta Assembleia, e, por outro lado, de matéria de tal modo importante, que logo à partida se torna difícil compreender e aceitar que ela seja retirada do âmbito do orgão natural, e até constitucionalmente, indicado, que é a Assembleia da República, para ser entregue ao Governo. Por isso, esta autorização legislativa representa, liminarmente, uma injustificável transferência de competências. E o que é muito mais grave é que o novo regime que o Governo pretende introduzir nas relações laborais, embora encobrindo-o com fórmulas mistificadoras, e até apresentando-o como um pretenso progresso, representa uma verdadeira ruptura na regulamentação do trabalho e o mais profundo retrocesso na evolução da legislação laboral nascida e desenvolvida com o 25 de Abril. De resto, apesar do esforço para ocultar as suas reais intenções não conseguiu o Governo evitar algumas confissões reveladoras dos seus verdadeiros motivos e intenções, nomeadamente quando afirma que a legislação em vigor «tutela inadequada e desproporcionadamente a posição dos trabalhadores que integram os quadros efectivos das empresas», e por assim pensar, pretende o Governo dotar o conceito de justa causa da amplitude necessária para alargar o que ele considera uma concepção reducionista de tal conceito de justa causa... Ao fugir-lhe a boca para a verdade, o Governo acaba por evidenciar quais são os seus reais propósitos. Propósitos que se revestem da maior gravidade não só porque consubstanciam um violento ataque aos direitos dos trabalhadores, mas ainda porque iriam acarretar graves consequências sociais, tornando, nomeadamente, ainda mais extensa a crise no mercado de trabalho, aumentando ainda mais o já elevado número de desempregados. Desde a ampliação, praticamente sem limites, do conceito de justa causa de despedimento por «circunstâncias objectivas ligadas à pessoa do trabalhador» até à eliminação do princípio da reintegração automática do trabalhador despedido sem justa causa, passando pela não menos grave substituição da nulidade dos despedimentos, pela sua mera ilicitude, e pelo «era não era» da nova apreciação judicial do despedimento, já considerado sem justa causa, para se poder concluir existir afinal justa causa para a não subsistência da relação de trabalho, os mais profundos golpes são desferidos contra o próprio direito à segurança no emprego, consignado no artigo 53.º da Constituição, abrindo caminho para o agravamento de tensões sociais e do desemprego. Não surpreende por isso que no preâmbulo da proposta de lei do Governo se reconheça que nem sequer no Conselho Permanente de Concertação Social se tenha chegado a acordo sobre as soluções que o Governo agora defende! Pelo visto, nem o argumento, insistentemente invocado pelo Governo, de introduzir no nosso país a legislação laboral em vigor na generalidade dos países da CEE, foi capaz de conduzir ao consenso, que não se verificou, no referido Conselho Permanente de Concertação Social. E não admira que tal argumento pudesse afastar os graves e extensos prejuízos que a proposta de lei do Governo representa para os trabalhadores e para o País. Em primeiro lugar, estranha-se que aqueles que tanto se têm insurgido contra a adopção de modelos estrangeiros, tenham agora em nenhuma conta a necessidade de encontrar soluções portuguesas para o nosso país, e não importadas do estrangeiro. Em segundo lugar, se esta fosse a miraculosa especialidade farmacêutica a aplicar em Portugal, não se compreenderia que ela tivesse dado tão desastrosos resultados nas doenças que afligem os países de origem, a braços com elevadíssimas taxas de desemprego. Em terceiro lugar, porque não se podem transpor mecanicamente, para o nosso país, soluções parciais desinseridas de todo um contexto social, sob pena de se ter, nomeadamente de adoptar também em Portugal o nível de salários existente em França ou noutro país da CEE, solução esta, aliás, que nunca parece ter entusiasmado o Governo ... Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Afirma o Governo que á legislação existente «não responde adequadamente as exigências do mundo laboral». Mas como as alterações que o Governo propõe visam unicamente diminuir ou anular direitos dos trabalhadores, independentemente da falta de veracidade da afirmação produzida, tem de concluir-se que o «mundo laboral», para o Governo, é uni «mundo» restrito às entidades patronais, do qual estão excluídos os trabalhadores, o que seria um estranho, «mundo laboral»! E quanto à também invocada mobilidade do mercado do emprego, traduzida, segundo o Governo, na possibilidade de os lugares dos trabalhadora despedidos serem ocupados por outros, para além de se partir do pressuposto de serem admitidos outros trabalhadores, quando tais despedimentos se podem destinar precisamente a extinguir postos de trabalho, como a proposta propugna, representa, ainda uma pura concepção utópica, já que a possível substituição de titulares de postos de trabalho nunca pode representar senão, a criar cão de igual número de desempregados, dado que aos que poderão alcançar postos de trabalho corresponde o mesmo número daqueles que os perdem e são lançados no desemprego. A tão gravemente lesiva iniciativa legislativa, pelas razões que se referiram, o MDP/CDE não pode de forma alguma, conceder a urgência que o Governo solicita. O que para nós é urgente é dizer não a esta autorização legislativa. 

Aplausos do MDP/CDE e do PCP. 

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira. 

Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, ouvi com toda a atenção a sua intervenção: e julgo que persiste no equívoco que foi lançado nesta Câmara. Isto porque o Sr. Deputado apresentou razões essencialmente em relação ao fundo da questão que é o próprio diploma, que aliás, o Governo junta em anexo. Sr. Deputado, o que está em causa é a urgência na discussão do diploma e V. Ex.ª já, nos disse que não a vai conceder; contudo, não nos disse das Razões V. Ex.ª analisou o diploma, o que neste momento não está em debate. Ora bem, gostaríamos de saber por que razão é que não concede a urgência? Entende que esta matéria não é urgente? Mas isso seria de estranhar, uma vez que há um larguíssimo consenso por parte desta Câmara - consenso esse, aliás, manifestado em momentos eleitorais - no sentido de dizer que é urgente debater esta questão para alterar a legislação. Naturalmente que não se pedia ao Sr. Deputado que concordasse com o diploma. Oportunamente, quando a autorização legislativa aqui estiver a ser debatida nessa altura, o Sr. Deputado poderá, aduzir, das suas razões por que, tal como já nos disse, está contra. Neste momento, pergunto e isso é que está em causa por que razão é que o MDP/CDE não concede a urgência? Entende-o MDP/CDE que não é urgente rever a legislação, laboral portuguesa? Entende que os interesses dos trabalhadores estão devidamente acautelados? Entende que a actual legislação laboral é susceptível de criar mais emprego? Entende que a actual legislação laboral é susceptível de transformar o tecido empresarial português concorrencial em relação ao tecido empresarial de outros países, que com a integração do nosso país na CEE, virão exercer aqui a sua actividade? 

Vozes do PSD: - Muito bem! 

O Sr. Presidente: - Apesar de o Sr. Deputado Raul Castro já não dispor de tempo, concedemos-lhe um minuto com o seu poder de síntese -, responder! 

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, penso que 1 minuto é tempo, suficiente para desfazer o equívoco, visto que, afinal, o equívoco, que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira referiu partiu do Sr. Ministro do Trabalho. É que o Sr. Ministro do Trabalho, na exposição inicial que fez, incidiu essencialmente sobre as razões que o levam a apresentar: a proposta de lei que vem anexa ao pedido de urgência. Como o Sr. Deputado sabe, é evidente que é impossível separar â urgência do diploma pelo qual a urgência é pedida. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Porquê?! 

O Orador: - O Sr. Deputado, pergunta-me porquê, Sr. Deputado, só a sua falta de atenção é que o tem inibido de verificar que nesta Câmara nenhum processo de urgência pôde ser tratado sem ter sido tomada em conta a "matéria" subjacente à urgência. 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - É evidente! 

O Orador: - É evidente que é um absurdo discutir uma urgência do nada do zero do vazio, visto que a urgência diz respeito a um diploma concreto, e o Governo até se permitiu juntá-lo para possibilitar à Câmara a sua apreciação e se a urgência tinha ou não razão de ser. O que dizemos é que, para tal diploma. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado? 

O Orador: - Faça favor. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - O Sr. Deputado vai desculpar-me mas não poderá invocar o facto de o Governo ter anexado o documento. Nesta Câmara já outras vezes houve em que o Governo era criticado (e por esse facto não se concediam autorizações) porque não se sabia o que é que o Governo ia pôr cá fora neste momento, o Sr. Deputado vem dizer exactamente o contrário, ou seja, que tem de discutir o fundo da questão porque o diploma vem em anexo. Isso não faz sentido, Sr. Deputado. Aplausos do PSD. O Orador: - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira iniciou o seu pedido de esclarecimento sob o signo do equívoco e continua a persistir nele. Devo dizer que não critiquei o Governo pelo facto de juntar a proposta de diploma ao pedido de urgência; o que referi foi que o Governo tanto entende que não é possível separar a urgência do texto do diploma que até o juntou. Foi isso o que eu disse. Não critiquei o Governo. Acho até muito bem que o Governo tenha junto a proposta de diploma para sabermos em que sentido vai legislar. Por isso, por sabermos em que sentido o Governo se propõe legislar, é que dizemos que o urgente é dizer não a esta proposta de lei. 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem! 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a VV. Ex.ªs o favor de saudarem professores e alunos, que se encontram nas galerias a assistir à nossa reunião, da Escola do Ensino Primário N.º 1, sita na Buraca, o Instituto Jacob Rodrigues Pereira, Casa Pia de Lisboa (estes alunos são surdos-mudos) e a Escola Secundária do Montijo. Aplausos gerais. De certo que os Srs. Professores da Casa Pia de Lisboa informarão os seus alunos sobre o que neste momento se passou. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos. 

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Destina-se este debate à apreciação do processo de urgência, e tão só do processo de urgência, do pedido de autorização legislativa do Governo para rever o regime jurídico de cessação do contrato de trabalho e dos contratos de trabalho a prazo e para estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário. Assinala-se e sublinha-se que este debate se destina apenas a apreciar tal processo de urgência, previsto no artigo 173.º, n.º 1, da Constituição e artigos 282.º e seguintes do Regimento, porquanto algumas vezes se tem confundido, em termos de opinião pública, a discussão sobre o processo de urgência com a discussão sobre o próprio fundo das questões em apreciação, com as confusões e os inconvenientes daí resultantes. Tal confusão verificou-se ainda recentemente, e de forma flagrante, em alguns órgãos de comunicação social quanto às posições tomadas nesta Assembleia, designadamente pelo PRD, sobre o processo de urgência - e só sobre ele - pedido pelo Governo para a sua proposta de lei referente à concessão à Igreja de um canal de televisão. O processo de urgência, cabe lembrá-lo, traduz-se na dispensa ou redução de certos prazos, tempos e formalismos - o que na prática, por vezes, poucos efeitos acabam por produzir. Convém ainda igualmente, em termos de opinião pública, assinalar com clareza que uma coisa é, pois, o processo de urgência e outra, muito diversa, a prioridade de agendamento, que o Governo pode solicitar, como solicitou nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do Regimento e cuja concessão é decidida pelo Presidente desta Assembleia, ouvida a conferência, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo 59.º Dito isto, fica inequivocamente delimitado o âmbito deste debate e a intervenção nele do PRD. Isto é: não aceitamos transformar este debate, sobre o processo de urgência de um pedido de autorização legislativa, num debate sobre a problemática e conteúdo dos próprios diplomas para os quais o Governo pretende a referida autorização. Pois bem: o PRD entende que só a título excepcional devem ser concedidas autorizações legislativas e nunca sobre matérias tão importantes e delicadas como a da legislação laboral, salvo porventura quaisquer circunstâncias particularíssimas que agora não configuramos. O órgão de soberania legislativa por excelência é o Parlamento, que não deve, nem pode - em nosso entendimento - abdicar dessa sua fundamental competência em matérias tão decisivas como os regimes jurídicos da cessação do contrato de trabalho e da disciplina do trabalho temporário. E conceder uma autorização legislativa, se não significava, neste caso passar um cheque em branco ao Governo, dado que se tem já conhecimento do regime legal que o Executivo deseja consagrar - pois juntou (em nossa opinião muito bem, e regozijamo-nos com isso) os diplomas que queria fazer aprovar - equivaleria a esta Assembleia da República demitir-se, ainda que por decisão sua, do direito e do dever de intervir activamente em todo o processo legislativo, aceitando, quanto ao que o Governo pretende, o que entende dever ser aceite e modificando o que pretende dever ser modificado. Nem se diga que, de qualquer modo, concedida a autorização legislativa - por ser esta matéria abrangida ha reserva relativa de competência deste Parlamento, a que se refere o artigo 168.º da Constituição - nada obstava a que se apreciasse depois os diplomas em sede de ratificação e se lhe introduzissem alterações, nos termos do artigo 172.º também da Constituição. Com efeito, e além do mais, em nossa opinião, seria absurdo conceder uma autorização legislativa para o Governo publicar um decreto-lei, do qual algumas disposições já antecipadamente se sabia merecerem crítica e discordância, disposições que só depois se intentaria alterar e de cuja vigência, ainda que por curto prazo, poderiam resultar perigos ou prejuízos não despiciendos. Por outro lado, convém acentuar que a posição atrás referida do PRD, contrária à concessão de autorizações legislativas em matérias como esta e, concretamente, quanto às que constam do pedido do Governo de cuja urgência ora nos ocupamos, era já do conhecimento do Governo. De facto, tal posição do meu partido, além de conhecida desde o momento em que nos apresentámos ao eleitorado, foi comunicada aos membros do Executivo com quem tivemos encontros, encontros esses, aproveitamos para sublinhar, sem dúvida muito positivos, mesmo louváveis, e esperamos que não tenham constituído meras iniciativas circunstanciais de «princípio de vida»; antes tenham a devida continuação. O Executivo sabia, pois, que o PRD, por sua parte, não concederia esta autorização legislativa e é público e notório, no preciso sentido jurídico desta expressão, que outros partidos manifestaram posições de idêntico sentido, ainda antes de o Executivo solicitar estas autorizações legislativas. Deste modo, não podemos deixar de estranhar que o Governo peça, embora legitimamente, tais autorizações legislativas e requeira para elas o processo, de urgência, tendo praticamente assegurado, de antemão, que não as obteria nem o processo de urgência, sendo certo ainda que o processo de urgência, deixa mesmo, porventura neste caso de legislação laboral, de ter sentido útil, dada a necessidade de debate público e de participação das associações sindicais consagradas na nossa lei fundamental. Face ao exposto e tendo o Governo obrigação de saber o presumível destino, do seu pedido, poderá - poderá insisto, e uso esta forma verbal numa evidente manifestação de boa vontade - ficar-se com a ideia que pretende apenas obter, determinados efeitos políticos, de imediato e ou a prazo, com nova e eventual tentativa de desgaste da imagem do Parlamento e, paralelamente com a tentativa da construção da imagem de que o Executivo não pode por causa e por força dele, Parlamento prosseguir o seu trabalho e cumprir a sua missão. Assim, o rigor que o Governo nos prometeu e o esforço que está a fazer para ter uma acção dinâmica - esforço que o PRD gostosamente assinala e reconhece não nos parece compatível com o procedimento de agora. De facto e além do resto atendendo a quanto se disse e sublinhou, se o Executivo pretendia que, com efectiva urgência, se discutisse tal legislação do trabalho - e é legítimo que o pretenda - o que obviamente devia era ter enviado para esta Assembleia, como propostas de lei, os diplomas para que solicitou uma autorização legislativa que já sabia que não seria concedida ou, pelo menos, tudo indica, que não será concedida. Neste domínio interpreto o possível lapsus lingua e do Sr. Ministro, como uma fuga para aquilo que o Governo deveria ter feito. Ao não o fazer, ao não actuar deste modo, é o Governo, e não a Assembleia, o único responsável pela demora na apreciação de uma matéria para que alegadamente quer urgência! Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelas razões sucintamente expostas o PRD votará contra o requerido processo de urgência. Mas o PRD quer, simultaneamente, deixar claro, neste domínio como nos demais,, o seu espírito de abertura e o seu interesse em procurar, no diálogo com as outras forças políticas e sociais e com O Executivo também, as melhores soluções para o País e para os próprios trabalhadores e de as procurar, sem sé ater ao formalismo de certos preceitos nem à rigidez de certos preconceitos que, em nome da defesa das classes laboriosas e dos mais explorados e desprotegidos (que estão sempre na primeira linha das preocupações do meu partido), podem acabar por redundar em prejuízo dessas classes laboriosas e desses mais explorados e desprotegidos. O PRD quer, enfim, deixar claro também que rejeita inequivocamente a tese ou, melhor se dirá, o álibi, o falso álibi, segundo o qual é a actual legislação de trabalho que impede o necessário desenvolvimento do País e a acção que o Governo pode e deve desempenhar na dinamização da nossa economia. 

Aplausos do PRD. 

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Duarte Lima, Narana Coissoró e Cardoso Ferreira. Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima. 

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, começo por felicitá-lo pela clareza com que V. Ex.ª, no início da sua exposição delimitou o âmbito da discussão que está neste momento em causa, compreendendo e expondo, perante a Câmara que não se está perante a discussão da matéria de fundo, mas perante, e tão-só isso, a discussão do pedido de urgência solicitado pelo Governo. Numa parte da sua intervenção, V. Ex.ª refere que só a título excepcional é que os pedidos de autorização legislativa solicitados pelo Governo devem ser concedidos pela Câmara e nunca sobre matérias delicadas como a da legislação laboral. Inclusivamente, afirmou que tal poderia configurar a passagem de um cheque em branco ao Governo e que isso seria um pouco como que a Assembleia demitir-se das suas competências. Sr. Deputado, penso que esta interpretação não é correcta, porque se assim fosse, se o nosso legislador constituinte entendesse que esta matéria nunca podia ser delegada no Governo, obviamente que o teria prescrito dessa forma na nossa Constituição e esta matéria não seria de reserva relativa mas de reserva absoluta de competência. Penso, pois, que essa sua interpretação não colhe. Penso também que este pedido do Governo nunca pode traduzir-se numa passagem de um cheque em branco ao Governo porque a Assembleia tem sempre, quando da discussão da matéria de fundo, a possibilidade de introduzir as alterações que entender por mais convenientes. Há o instituto da ratificação, que, de resto, está agora tanto em voga por todas as bancadas da oposição. Se não me engano, são cerca de 70 os pedidos de ratificação que entraram na Assembleia e porque não mais um? Para terminar, queria dizer-lhe que tenho presente que esta matéria foi uma das que mereceu uma tónica especial da vossa preocupação durante a campanha eleitoral. Lembro-me até que levantou, alguma celeuma pública a forma como VV. Ex.ªs abordaram esta questão. Pareceu que era urgente a vossa preocupação de versarem sobre ela aqui, nesta, Câmara. Como até agora não via a apresentação de nenhum projecto de lei apresentado pelo PRD sobre a matéria em questão é continuando a pensar que a matéria ë para VV. Ex.ªs urgente, pergunto: porquê não conceder a urgência que é pedida pelo Governo? Eram estas as questões que gostava de ver respondidas. 

 O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró. 

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos: Disse V. Ex.ª que o Governo ao apresentar este pedido de urgência quer desgastar .ª imagem do Parlamento perante a opinião pública. Naturalmente que se trata de um juízo de intenção. Não sei se V. Ex.ª terá provas para dizer que é isso que o Governo efectivamente pretende. Mas o que parece mais contraditório é o seguinte: se V. Ex.ª entende que representa o povo português e que ao fazê-lo vai recusar este pedido de urgência, o povo só terá de aplaudir esta tomada de posição por parte da Assembleia da República. Como pode V. Ex.ª vir aqui dizer que com a recusa da autorização legislativa, o Governo desgasta o Parlamento perante a opinião pública? De duas, uma ou a opinião pública portuguesa gostaria que esta urgência fosse concedida ao Governo e, então, não haveria desgaste da imagem do Parlamento perante a opinião pública ou se o Parlamento concede esta autorização, como o Sr. Deputado diz, parece haver desgaste. Como é que V. Ex.ª sai desta? 

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, começo por felicitá-lo pela forma como orientou a sua intervenção e clarificou esta questão. V. Ex.ª fará o favor de me corrigir se eu estiver enganado mas ficou-me a ideia de que o seu entendimento sobre a relação entre o Governo e o Parlamento é no sentido de que ou o Governo apresenta iniciativas que tenham um acolhimento maioritário prévio da Assembleia ou, no caso de a iniciativa ter um sentido diverso, a mesma será entendida como uma provocação ao Parlamento e como uma tentativa de desgaste da instituição parlamentar. Parece-me haver aqui uma situação que levaria a uma limitação grave da capacidade do Governo em matérias - e não está agora em causa se são de competência relativa desta Assembleia ou não - nas quais o Governo entenda dever assumir uma posição diversa. Em síntese, Sr. Deputado, parece-me que este Governo tem toda a legitimidade, o povo português assim o votou, de ter posições próprias, que, aliás, foram muito claramente expressas tanto antes das eleições, sob a forma de manifesto eleitoral, como sob a forma de Programa do Governo apresentado nesta Câmara. Logo aí ficou bem expresso que o Governo assumiria uma linha muito clara, linha essa que seria a de governar efectivamente sem olhar a timings eleitorais. Aproveito para lhe dizer que se fosse ideia do Governo hostilizar o Parlamento perante a opinião pública, provavelmente escolheria alturas muito diferentes desta que estamos a viver. Portanto, Sr. Deputado, gostaria que me corrigisse se foi incorrecto o entendimento que fiz da sua intervenção, isto é, o de que realmente entende que o Governo só pode apresentar a esta Câmara iniciativas que tenham prévia concordância da maioria. 

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos. 

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Agradeço aos Srs. Deputados a amabilidade em terem colocado algumas questões sobre a minha intervenção, embora deva dizer que a minha afonia temporária terá provocado um mau entendimento sobre alguns aspectos que referi. O Sr. Deputado Duarte Lima, a quem agradeço a referência que fez à minha intervenção, disse que eu tinha afirmado estar a passar-se um cheque em branco ao Governo e lembrou haver sempre o instituto da ratificação. Ora na minha intervenção referi isso, bem como o facto de neste caso não se poder falar em passagem de cheque em branco porque o Governo tinha junto os diplomas, facto que assinalei como positivo. Respondi desde logo à questão que me colocou, isto é, que, sabendo que se está em desacordo com algumas disposições dos diplomas que se pretende aprovar, não parecia ser adequado que se concedesse autorização para, depois, chamar esses mesmos diplomas a esta Assembleia em sede de ratificação. Houve, portanto, um lapso de audição da sua parte. Quanto à posição do PRD sobre esta matéria durante a campanha eleitoral, ela foi a de admitir - conforme pensei ter ficado perfeitamente claro a final da minha intervenção - que esta não é uma matéria sagrada e que se deve discutir com toda a abertura. Contudo, penso que isso deve ser feito em espirito de diálogo e não procurando aquilo a que chamei alibis, isto é, não dramatizando a situação, não criando a partir dela um confronto político. Inclusive, deve ver-se a questão da legislação laboral com todo o respeito pelos direitos dos trabalhadores, apreciando, também, os seus interesses de fundo para além da forma. Referi que não nos atínhamos ao formalismo de certos preceitos nem à rigidez de certos preconceitos e julguei que estava a tornar claro que a nossa posição é de inteira disponibilidade para com todos ver o que deve ser alterado. De facto, ainda não apresentámos um projecto de lei nesse sentido, o que faremos em devido tempo, porque não consideramos que esse seja o problema prioritário para o desenvolvimento da nossa economia. Em relação ao Sr. Deputado Narana Coissoró, salvo o devido respeito, também não ouviu exactamente o que referi. Como homem de palavras, procurando também ser um homem de palavra, meço bem as palavras que digo. Sobre esta forma de actuação do Governo, eu disse que poderá - poderá, repito-o porque esta não é uma forma verbal afirmativa - ficar-se com uma ideia de que o Governo pretenderá - e continuo a falar no condicional porque não é nossa forma de actuar o fazer juízos de intenções - tirar alguns dividendos políticos de imediato ou a prazo. Não referiria isto se não tivesse tido a recente experiência do que se passou aquando da discussão do orçamento suplementar. O Sr. Deputado pergunta como é que saio desta. Se isto está certo por que é que poderá causar desgaste à imagem do Parlamento? Causará, sim, Sr. Deputado, e por uma razão muito simples: é porque infelizmente - e isso passou-se com o orçamento suplementar - a opinião pública só tem conhecimento profundo das posições assumidas por uma das partes, o Governo, e não o teve, relativamente às defendidas por outras. Por exemplo, devo dizer que deputados como o Dr. Silva Lopes, cuja intervenção decisiva todos os Srs. Deputados tiveram a honorabilidade de pôr aqui em destaque, nunca foi ouvido, designadamente na televisão portuguesa que fez um debate a este respeito. É por isso que, às vezes, as imagens não correspondem à realidade. 

Aplausos do PRD. 

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa? 

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado. 

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A principal crítica feita por V. Ex.ª na sua intervenção não era para o Governo mas, sim, para os órgãos de comunicação social aqui presentes? 

O Orador: - Não, Sr. Deputado. Devo dizer-lhe que embora eu esteja a fazer esta crítica como jornalista que sou que não me esqueço, que sou e que aqui continuo a ser também não me esqueço de que a classe política tem uma excessiva tendência para culpar os órgãos de comunicação social de tudo o que acontece. Não alinho nessa culpabilização mas não esqueço que infelizmente alguns órgãos de comunicação social, exactamente aqueles que teriam mais obrigação de ouvir todas as partes e de dar uma informação clara transparente, do debate, por vezes esquecem-se disso. O Sr. Deputado Cardoso Ferreira utilizou o termo «provocação», termo que detesto e que não uso em qualquer situação. Quanto à sua questão, é evidente que o Governo tem todo o direito e legitimidade de apresentar este pedido de autorização, legislativa, conforme referi na minha intervenção. O que tentei pôr em evidência foi-o facto, de, que, se é presumível que este pedido de autorização legislativa não vai ser concedido e se o Governo quer, de facto, que este problema seja discutido com urgência -, devia sim, ter apresentado uma proposta de lei. Nisso estamos inteiramente de acordo. Aliás, se o meu partido também estiver de acordo, inclusivamente votaremos a respectiva urgência. Mas aí é diferente. De resto, o Sr. Ministro falou várias vezes em proposta de lei e se dela se tratasse talvez já pudéssemos, estar, a discuti-la, não retirando a esta Câmara a possibilidade, de intervir no completo processo de elaboração da própria lei, manifestando-se de acordo com a proposta do Governo ou em desacordo com aspectos da mesma, conforme os casos. Já agora, talvez não seja muito habitual nesta Câmara mas lamento que o Sr. Deputado não tenha posto em relevo que um partido que não se afirma de oposição, pelo menos em sentido tradicional como aqui dissemos, mas que obviamente não é um partido do Governo nem tem nada a ver com o. partido do Governo, tivesse reconhecido aqui expressa e claramente que o Governo está a fazer um esforço no sentido de uma acção dinâmica e positiva. 

Aplausos do PRD. 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convido os representantes dos grupos parlamentares a comparecerem no meu gabinete para, numa breve reunião, tratarmos do assunto que há pouco levei ao conhecimento de VV. Ex.ªs e peço ao Sr. Vice-Presidente, José Vitoriano, o favor de me substituir a presidência da Mesa? 

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano. 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. 

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos hoje a apreciar um pedido de urgência para uma autorização legislativa. Não é um acto meramente formal. É também um direito do Governo. Para nós constitui o início das hostilidades contra os trabalhadores, por parte do governo de Cavaco Silva. Já teve o nome negro de proposta de lei n.º 70/II, da AD; e. foi projecto ameaçador do anterior Ministro do Trabalho, Amândio de Azevedo, inserido no pacote laboral. Dão-lhe agora a figura de autorização legislativa com pedido de urgência. Este, mostrengo jurídico que por três vezes pairou sobre a cabeça dos trabalhadores está inscrito na história recente como uma das tentativas mais perigosas e desestabilizadoras que visava desequilibrar radicalmente a relação de forças na empresa, transformar o lucro e poder patronal num «santuário; intocável», e ficar acima do direito à segurança no emprego, à subsistência, à dignidade humana e à realização pessoal e social através, do trabalho, ao arrepio dos fundamentos constitucionais, no plano dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores...O Governo, que não foi capaz, ou não quis, deliberadamente, de apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei, que quer arredar ilegalmente e fechar os circuitos do direito de participação das organizações dos trabalhadores, que pretende fazer passar esta matéria tão fulcral, como gato por brasa vem afirmar arrogantemente em conferência de imprensa que caso a Assembleia da República não avalize o seu pedido de autorização legislativa, desencadeará uma campanha junto da opinião pública contra os partidos da oposição. Importante seria que o fizesse antes explicando aos trabalhadores violência das medidas que propõe. Consciente das suas debilidades e da sua fórmula governativa minoritária, certo de que a génese da autorização legislativa revela á sua verdadeira face classista, quer uma Assembleia da República amputada das suas prerrogativas constitucionais, exigindo-lhe não a assunção, das suas plenas responsabilidades, mas o amen pura e simples numa questão vital para à vida e para o futuro dos trabalhadores. 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

O Orador: - Porquê a urgência? Por quê esta pressa? Para resolver os problemas sociais mais candentes da sociedade portuguesa? Para combater o desemprego os abusos escandalosos dos contratos a prazo, o trabalho negreiro, das empreitadas do trabalho ao dia, à peça, à tarefa, para dar eficácia e meios aos tribunais de trabalho e Inspecção do Trabalho, propor medidas sérias para exterminar esse flagelo dos salários em atraso onde não seja negado - como fez o Governo a continuidade do emprego? 

O Sr. José Magalhães (PCP): - Com certeza que não! 

O Orador: - Não! Não são essas as urgências do Governo, mesmo quando disfarçadas por algumas medidas, demagógicas ou de circunstância. A urgência das urgências do Governo, o fio da navalha com que tenta jugular um dos direitos fundamentais dos trabalhadores -, encontra-se, aqui exposta com toda a crueza vinda de quem quer devolver ao patronato as parcelas do domínio perdido nestes anos de Abril. Na apreciação do processo de urgência é óbvio que seria deslocado levar até às últimas consequências a análise ao conteúdo da proposta de autorização, legislativa. Mas vale a pena fazer algumas considerações sobre a sua parte substancial. Senão, ficaríamos a discutir a urgência por causa da urgência em jeito do sexo dos anjos. Autêntica chapa três agravada da proposta de lei nº 70/II, considerando no seu preâmbulo que o regime legal da cessação do trabalho «tutela inadequada e desproporcionalmente a posição dos trabalhadores», afirmando que o que está discutido está, acrescentando algumas declarações de intenção sobre o abuso dos contratos a prazo, o desemprego e as dificuldades das empresas, a verdade é que toda a estrutura do articulado do pedido de autorização legislativa procura reduzir a pó o conceito de justa causa para despedimento. Justa causa para despedimento já não seria apenas o comportamento culposo do trabalhador em 17 - repito 17 - situações infraccionais graves. Justa causa para despedimento passaria também a ser razões económicas do patronato, a saber: por motivos tecnológicos estruturais, económicos e de mercado. É pertinente perguntar o que é que ficaria de fora para impedir o despedimento? 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

O Orador: - O PSD que aqui defendeu em 1977 um conceito subjectivo de justa causa, restringindo-o e bem ao comportamento infraccional grave do trabalhador, assume a partir de 1980 todas as posições mais retrógradas do patronato, tentando dar-lhe a possibilidade de o transformar não só em dono das coisas que constituem a empresa, mas também dono da pessoa dos trabalhadores como peças úteis ou inúteis, conforme o seu entendimento. Não se proclame hipocritamente a matriz da legislação dos países da CEE nem a directiva aplicável do Conselho das Comunidades. Verdade que ali se afirma que a legislação laboral deve ser adaptada à da generalidade dos países do Mercado Comum. Mas o Governo omite que tal adaptação deve ser feita no sentido progressivo. O governo do PSD tem o direito de considerar alguns fundamentos da Constituição como um estorvo para os seus planos e objectivos. Mas tem de os respeitar e cumprir. A questão nuclear é que entre o drama do patronato em ter mãos livres para actuar em função do lucro desmedido e o drama de quem perde o trabalho, o drama das repercussões fisiológicas, psíquicas, familiares e sociais que se abatem sobre os trabalhadores, o governo do PSD optou. De costas voltadas para a opção constitucional que dá prevalência aos interesses da estabilidade do trabalho sobre os interesses económicos dos empresários demarcando-se mesmo da visão programática social-democrata, o PSD abdica da justiça social e propõe-se ferir de morte um direito fundamental dos trabalhadores. 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

Vozes do PSD: - Não apoiado! 

 O Orador: - Se dúvidas houvesse, para além da liquidação do conceito de justa causa, duas frases ainda sobre a forma como a autorização legislativa pretende executar os despedimentos. Nas empresas com menos de 20 trabalhadores, o processo é tão sumário que bem pode dizer-se que a execução do despedimento é feita numa espécie de tribunal de polícia onde o juiz é o patrão. Mais. Em todas as circunstâncias no caso do tribunal decidir pela reintegração do trabalhador, a entidade patronal poderia sempre exercer o direito de veto. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Às fraudes, aos crimes económicos, à gestão ruinosa de algumas entidades patronais e gestores públicos que tantas vezes inviabilizam as empresas como verdadeiro travão ao desenvolvimento, o Governo diz nada! Ou antes, quer dar-lhe um instrumento jurídico brutal e injusto, desfavorecendo a parte mais desfavorecida e impondo regras do capitalismo selvagem. No passado recente, um governo da AD ergueu este cutelo mas teve a resposta mais poderosa do movimento dos trabalhadores. Quem ficou pelo caminho foi o Governo. 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

O Orador: - Hoje ergue-se de novo a ameaça. A urgência é o primeiro acto. É o governo que abre as hostilidades, declarando guerra ao movimento operário e sindical. Os trabalhadores e as suas organizações estão atentos e dispostos a defender e a exercer os seus direitos. As forças democráticas decerto saberão compreender as aspirações fundas das classes laboriosas. A Assembleia da República não se deixará transformar em cartório notarial do Governo. Derrotando a urgência estaremos afinal a defender um dos fundamentos de Abril. O que é para nós urgente é a necessidade de contar e reganhar a confiança dessa força imensa insubstituível dos trabalhadores que estão disponíveis para contribuir para a resolução dos problemas nacionais. 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

 O Orador: - É justo que exijam a manutenção e o alargamento dos seus direitos, liberdades e garantias e não a sua mutilação, como pretende o governo do PSD. Lutaram no passado. Temos a certeza de que saberão lutar no presente imediato. 

 Aplausos do PCP e do MDP/CDE. 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto. 

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Pede o Governo a esta Câmara prioridade e urgência na concessão de uma autorização legislativa para rever o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho, dos contratos de trabalho a prazo e para estabelecer a disciplina jurídica do trabalho temporário. Entre outros argumentos, sublinha o Governo a necessidade de ajustamento da disciplina do contrato de trabalho ao modelo da legislação da CEE, bem como a necessidade de adequar os instrumentos legislativos existentes às exigências do mundo laboral, retirando um obstáculo sério ao normal funcionamento dos mecanismos próprios do mercado de emprego, constituindo - na versão do Governo - um contra-motivo à admissão, por parte das empresas, de novos trabalhadores com carácter permanente. Tratando-se de matéria de enorme complexidade e impacte nas relações sociais e na organização do trabalho, não pode o Governo argumentar com discussões públicas levadas a cabo em torno de outros textos, furtando ao Parlamento e à opinião, pública o. legítimo direito de levarem a cabo o mais amplo debate em torno destas propostas, sem o que não será possível potenciar os objectivos propostos, se os mesmos hão corresponderem aos consensos possíveis através de uma negociação séria. Nesta, matéria, peculiarmente, pretende o Governo ser continuador da acção governativa do anterior executivo, tentando ignorar, no entanto, o seu reflexo e contributo para a ruptura da anterior coligação. Quanto aos argumentos expendidos, facilmente se constata a sua vulnerabilidade, nomeadamente a que resulta da tão apregoada necessidade de adaptação ao modelo da CEE como forma de dar resposta às necessidades do mercado de trabalho, pondo fim ao tal contra motivo à admissão, por parte das empresas, de novos trabalhadores com carácter permanente. Basta debruçarmo-nos sobre o actual montante de desempregados nos países da CEE e o agravamento sistemático do desemprego nos países da CEE, onde a tão propalada flexibilidade é maior, para facilmente concluirmos da falência da sua tese. 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Orador: - À linearidade e ao simplismo evidenciado pelo Governo contrapõe-se, pois, a necessidade de se proceder a uma abordagem global, responsável e séria, quer dos instrumentos legislativos, quer dos instrumentos de política económica e social tendentes a desbloquear os obstáculos e constrangimentos existentes, que constituem elementos redutores do desenvolvimento económico e da modernização da estrutura produtiva. Esse é o grande desafio que se coloca ao conjunto da sociedade portuguesa e que esperávamos ver este Governo, estimular. Pelo contrário, o Governo aparece aqui e agora fazendo com o pedido de urgência à concessão da autorização legislativa uma inadmissível pressão, arriscar-me-ia mesmo a considerá-la uma autêntica chantagem sobre esta Câmara. Por isso, não resta outra solução ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista do que votar desfavoravelmente à pretensão do Governo, numa demonstração de coerência política, na medida em que, nunca é de mais realçar, tivemos a mesma posição quando essa mesma pretensão era proveniente de um governo que integrávamos. 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Orador: - Fundamentalmente sobre esta matéria, entende o Partido Socialista ser necessário, mais um esforço sério de negociação com os agentes económicos e sociais, não nos sendo possível dar o nosso voto a qualquer texto que não tenha emergido de um esforço sério de concertação e que não tenha merecido a concordância dos sindicatos e demais estruturas representativas de trabalhadores. Fazê-mo-lo porque temos consciência de que sem maximalismos, com bom senso e sentido de responsabilidade é possível a consecução de tal objectivo. Tratando-se agora e somente da urgência, reservaremos para discussão nesta Câmara das propostas governamentais os comentários e críticas que as mesmas nos suscitam, valendo a pena, no entanto, reafirmar que não só denunciaremos e com veemência nos oporemos a tudo o que nos pareça inconstitucional, como de igual modo o faremos se se pretender iludir essas inconstitucionalidades com expedientes grosseiros e inaceitáveis, como os que passo a citar. Diz o Governo no preâmbulo da proposta de lei em apreço: Ainda entre as consequências do despedimento declarado ilícito, cumpre referir o facto de não se ter acolhido o princípio da automaticidade da reintegração do trabalhador a seu pedido. Esta solução, constando da lei actual, não se afigura consentânea em muitos casos com a situação de facto gerada pelo despedimento que o Tribunal mais tarde vem a declarar improcedente. Com efeito, frequentemente, a decisão impugnatória, reintegrando a ordem jurídica, não é no entanto suficiente para refazer a relação de confiança, mútua colaboração e interesse que o vínculo entre empregador e trabalhador necessariamente supõe. Por esta razão e porque esta matéria, pelo relevo que assume e consequências que projecta, não pode nem deve ser deixada à livre disponibilidade das partes, defere-se a sua decisão para o Tribunal no termo do processo judicial que decrete a ilicitude do despedimento. Não pondo em causa as prerrogativas de independência que por definição caracterizam a função jurisdicional, não podemos aceitar esta habilidade contida na proposta governamental, porque, na situação concreta das relações laborais em Portugal, não temos dúvidas que se para os empresários modernos as questões da legislação laboral não constituem travão ao desenvolvimento das suas empresas muitos outros, infelizmente menos modernos e muito pouco europeus, que facilmente encontrariam factos supervenientes posteriores ao despedimento para facilmente justificarem a ilicitude do despedimento. 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Orador: - Que estranho conceito de organização do trabalho tem este Governo, ao equacionar as questões da confiança, mútua colaboração e interesse que o vínculo entre empregador e trabalhador necessariamente supõe, nos termos precisos em que o faz. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Todos sabemos que uma das causas próximas da queda do anterior Governo foi a oposição do Primeiro-Ministro de então, Mário Soares, à não reintegração do trabalhador despedido sem justa causa, bem como à autorização legislativa requerida na altura pelo titular da pasta do Trabalho, pelo que não havendo nada novo, bem pelo contrário, para o Partido Socialista ter nesta matéria dois pesos e duas medidas, teremos de votar contra a pretensão do actual Governo. 

 Aplausos do PS e do deputado independente Lopes Cardoso. 

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Torres Couto, na intervenção que produziu, V. Ex.ª referiu que esta iniciativa do Governo tem de ser entendida como uma autêntica chantagem sobre esta Câmara. Aliás, tem-se dito - e V. Ex.ª também o referiu - que o Governo tenta limitar os poderes desta Câmara. Não entenderá o Sr. Deputado que ao fazerem-se afirmações deste tipo o que se pretende é exactamente o contrário, ou seja, uma limitação das competências legítimas do Governo, como esta de apresentar iniciativas a esta Câmara? 

Vozes do PSD: - Muito bem! 

O Orador: - Por outro lado, V. Ex.ª fez larguíssimas referências no sentido de que esta matéria originou a ruptura da anterior solução governativa. O Sr. Deputado tornou público que no anterior governo a questão para o Partido Socialista não era a questão fundamental que deveria assumir a iniciativa nesta Câmara, mas sim a questão de fundo, uma questão que se relacionava concretamente com o normativo. Por aquilo que foi dito, ficámos a saber que a questão de ser autorização legislativa ou proposta de lei não estava em causa, mas escondia divergências profundas no Sr. Dr. Mário Soares como Primeiro-Ministro do anterior governo em relação ao texto a ser apresentado à Assembleia. Isso parece-me significativo, pois vem clarificar uma questão importante, na medida em que nunca a opinião pública, nem esta Câmara, nem ninguém conseguiu perceber por que é que toda a gente, manifestando claramente que era necessário, urgente e importante alterar a legislação laboral, se prendia com uma questão tão formal, no sentido de saber se deveria ser apresentada uma proposta de lei ou uma autorização legislativa. Ora, o Sr. Deputado fez o favor de nos esclarecer que, afinal, se tratava de outra questão de fundo e não de uma questão formal. O Sr. Deputado também referiu que a legislação europeia não salvaguarda os trabalhadores e quase que vem sugerir às instâncias internacionais e aos outros governos da Comunidade que alterassem a sua legislação e que a tornassem mais inflexível porque, tal como está à vista e o Sr. Deputado aqui referiu, só produz desemprego. Esqueceu-se, porém, o Sr. Deputado de referir os números relativos e as percentagens de desemprego que isso significa. Alias, também se esqueceu de dizer que são países geradores de riqueza em que o tecido empresarial contribui e é o motor do desenvolvimento desses países. Ora, é exactamente isso que nós também queremos. Também queremos alterar a legislação laboral e entendemos que é urgente fazê-lo para defender os trabalhadores, para acabar com situações que provocam distúrbios terríveis, que são os contratos a prazo, que são as dificuldades empresariais de concorrencialmente conseguirem no quadro da Comunidade ter uma palavra a dizer em salvaguarda dos interesses não só dos trabalhadores mas da economia portuguesa. Há um conjunto de circunstâncias em relação às quais temos dificuldade em entender na sua intervenção e que nos levariam quase a pensar que, no fundo, é a legislação portuguesa que está correcta e que é esta inflexibilidade da legislação portuguesa que até seria mais adequada para os países da Comunidade. 

Aplausos do PSD e do deputado Borges de Carvalho, do CDS. 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Torres Couto, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim? 

O Sr. Torres Couto (PS): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró. 

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Torres Couto, não esperava que este pedido de autorização legislativa servisse para V. Ex.ª fazer aqui a campanha eleitoral do candidato Mário Soares. Em primeiro lugar, devo dizer que não compreendo bem a posição do Partido Socialista. Se estou absolutamente certo de que o PS não quer resolver esta matéria através de autorização legislativa, isto é, a público, pois disse sempre que queria um debate aqui na Assembleia da República. Nisto até posso estar de acordo com o Sr. Deputado, isto é, seria muitíssimo melhor o Governo trazer a esta Câmara uma proposta de lei com prioridade e urgência para aqui ser debatida,, já que o País precisa desta legislação e os deputados em consciência assumirão as suas responsabilidades no campo substantivo, problema que depois havemos de ver quando for preciso. Ora, o que não compreendo é por que é que o Partido Socialista está constantemente a adiar esse problema. Se o Partido Socialista quer derrotar a autorização legislativa, seria muito melhor conceder a prioridade e urgência, o pedido de autorização legislativa dava entrada no Parlamento e o PS juntamente com outros partidos derrotavam-no. Isto é, seria muito mais consentâneo com a vossa tese trazer ao Parlamento, quanto mais cedo melhor, o pedido de autorização legislativa e decretá-lo cá do que andar a adiar a sua entrada. Portanto, creio que é do vosso interesse tornar esse problema num problema de propaganda, de demagogia e de chantagem sobre o Governo e sobre a opinião pública. 

Vozes do CDS: - Muito bem! 

O Orador: - De repente, V. Ex.ª «tirou do chapéu» a ideia de que foi o Dr. Mário Soares que se opôs à reintegração do trabalhador e, por isso, negou a entrada no Parlamento da autorização legislativa. Sr. Deputado, esta Câmara ouviu 10 000 vezes que o texto estava aprovado em Conselho de Ministros, que não havia nenhuma diferença entre o PSD e o PS sobre esse mesmo texto. Isto foi dito pelo próprio Governo, pela voz do Dr. Almeida Santos, pelo Sr. Primeiro-Ministro durante a campanha eleitoral aquando das eleições legislativas. O Grupo Parlamentar do PS manteve-se fiel a uma resolução que tinha tomado no sentido de que esta matéria não seria discutida senão na Assembleia da República através de um amplo debate. Porém, o Sr. Deputado vem hoje aproveitar-se deste pedido de urgência para fazer a propaganda do candidato Mário Soares e para o livrar dos ataques que justamente o Partido Comunista Português faz no sentido de ele ter sido envolvido na condenação dos trabalhadores para fora da empresa quando o despedimento tiver sido sem justa causa. 

Aplausos do CDS. 

 O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, para igualmente formular pedidos de esclarecimento. 

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado Torres Couto, o pedido de esclarecimento que pretendia formular ao Sr. Deputado era também uma afirmação. É, que tive oportunidade na qualidade de representante de um parceiro social, de Ter um encontro com o então Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares, onde o próprio afirmou aceitar perfeitamente o despedimento de trabalhadores mesmo nos casos em que não houvesse justa causa, pondo única, e simplesmente, a questão de saber se a indemnização, não deveria ser duas ou três vezes o valor indicado. Afirmo aqui e na altura estavam comigo outros cidadãos portugueses - que, pura e simplesmente, - o Dr. Mário Soares não cumpriu aquilo que disse. Aliás, isso não é novidade para os Portugueses, que já estão habituados a que o Dr. Mário Soares costume ter duas medidas, consoante, os interlocutores com, quem está defrontado. Nessa altura interessava ao Dr. Mário Soares conquistar, os votos dos empresários e de alguns, sectores mais moderados da sociedade portuguesa agora convém talvez, uma posição completamente diferente? Diria, para acabar que «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». 

Aplausos do PSD. 

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto. 

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero começar por agradecer aos Srs. Deputados que me interpelaram a possibilidade que me dão de precisar melhor conteúdo da minha intervenção. Ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira gostaria de dizer que todos nós, que não andamos nisto há 2 dias que conhecemos bem as implicações que esta matéria tem induzido na vida social portuguesa, que conhecemos igualmente bem a instabilidade que está questão tem suscitado e a posição que os diversos grupos partidários e as forças económicas é sociais tem sobre ela, percebemos que o Governo, ao trazer aqui esta proposta de lei de concessão de autorização legislativa, pedindo para a sua discussão urgente sabendo perfeitamente que para este documento não tem o apoio maioritário nem desta Camará; tem do povo português e para além de tudo isto, sendo um governo minoritário, está a fazer «braço de ferro» com esta Câmara, está a tentar criar um conflito, dizendo que esta Câmara está a reduzir-lhe a capacidade de manobra e à possibilidade de poder governar «bem» este país! 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Orador: - De qualquer modo, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, uma coisa é aquilo que V. Ex.ª gostaria que eu tivesse dito, ou que interpretou nas minhas palavras, e outra coisa é aquilo que está escrito no texto que li. Eu não disse aqui que o problema ver a um problema normativo, nem que era apenas um problema de autorização legislativa. O que disse foi que era um problema global e que, numa matéria tão importante como esta, que é uma matéria. mobilizadora e co-responsabilizadora e que é uma questão de princípio para todos, não damos nem daremos autorização legislativa e muito menos o faremos perante documentos que têm vindo eivados de inconstitucionalidades. Tive, aliás, o cuidado de dizer naquela tribuna que o que, neste momento, estava em jogo era discutir a urgência e que, quanto à autorização legislativa, reservaria para a discussão desta proposta as críticas. Vou fazê-las e serão muitas, Sr. Deputado. Nessa altura conversaremos a sério sobre elas, mas agora o que me interessa é prender-me com a questão da urgência. Tive também o cuidado de salientar ao Governo, designadamente ao Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, que o seu documento mantém uma inconstitucionalidade, que aliás é grosseira, porque desta vez pretende-se criar uma camuflagem em torno do ilícito, dizendo que o tribunal poderá julgar da não reintegração do trabalhador a partir de factos supervenientes. Permitia-me, já agora, dizer uma coisa e peco desculpa à Câmara se a minha linguagem for demasiado frontal e, eventualmente, pouco diplomática para um lugar, como este que é a seguinte: o que este Governo está a permitir com isto é que muitos empresários portugueses ponham um trabalhador na rua sem justa causa, e depois criem condições objectivas para a impossibilidade de manutenção do trabalho por factos supervenientes - e nós conhecemos muitos em Portugal neste momento capazes de o fazer -, ficando a partir dai, o tribunal com o poder discricionário de despedir um trabalhador, que no fundo é duplamente violentado, primeiro porque é despedido sem Justa causa, e depois porque é criada, à sua revelia, uma situação objectiva que permite ao empregador dizer que não há razões, não há motivos de confiança que justifiquem a manutenção da relação laboral. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença, que o interrompa, Sr. Deputado? 

O Orador: - Faça favor. 

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, podemos então entender que V. Ex.ª está a duvidar, da independência de um juiz titular de um órgão de soberania? 

O Orador: - Bom, Sr. Deputado, possivelmente a culpa é minha, mas a verdade é que V. Ex.ª não conseguiu entender nada daquilo que eu, disse. 

Risos do PS. 

Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, que esperava da sua parte, como um dos líderes da bancada do Partido Social-Democrata, e tendo V. Ex.ª formação jurídica, que, na abordagem desta questão, perguntasse ao Sr: Ministro do Trabalho e Segurança Social se para o equilíbrio das relações laborais em Portugal e para a consecução de uma organização de trabalho democrática, o problema do funcionamento dos tribunais de trabalho é irrelevante. O Governo está interessado em criar mecanismos de simplificação da vida das empresas, através da constituição de mecanismos discricionários, que permitam aos empresários pouco escrupulosos conseguir outras coisas que estão muito além daquilo que é a necessidade de racionalizar as empresas. Porém, não o ouvi dizer nada disto e o Sr. Deputado, como social-democrata, tinha obrigação de o fazer, de exigir a este Governo que, simultaneamente com este pacote de medidas, apresentasse a necessidade de se mexer profundamente nos tribunais de trabalho. Ou será que o Sr. Deputado se está a esquecer ou a ignorar que neste momento há, em Portugal, tribunais de trabalho que estão a julgar situações ilícitas que têm 10 anos de vigência? Será que se esquece de que há comarcas neste país onde não existem juízes de tribunais de trabalho? Será que se está a esquecer de que há no nosso país trabalhadores que são vítimas de irregularidades patronais e que esperam anos e anos sem salário e sem soluções de subsistência sem que os tribunais de trabalho, que não têm estruturas nem estão dinamizados, possam julgar as suas causas? Vem agora o Sr. Deputado falar aqui da isenção dos juízes, como se o problema de se encontrar uma moderação e uma moralização para tudo isto fosse apenas o da isenção dos juízes! Disse na minha intervenção que entendemos que esta questão tem de ser mexida e estamos dispostos a fazê-la, porque pensamos que as leis laborais têm de ser alteradas. Mas têm de ser alteradas com bom senso, com pragmatismo, com sentido de responsabilidade e sem pôr em causa a organização democrática do trabalho. Queremos uma organização de trabalho democrática perfeitamente fiel aos objectivos do 25 de Abril e não estamos dispostos a que, através de mecanismos deste tipo, a organização de trabalho em Portugal vá desaguar no 24 de Abril. Não contem com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista para isso. Mas há ainda uma outra coisa, Sr. Deputado Cardoso Ferreira. É que o Sr. Deputado pôs na minha boca estas palavras: «O senhor contesta a legislação europeia, diz que tudo o que há na Europa é péssimo e que, por conseguinte, a situação de desemprego na Europa é consequência das insuficiências da Europa.» Bom, penso que estou à vontade para abordar esta questão porque fui e sou defensor, desde a primeira hora, da adesão de Portugal à CEE. E digo-lhe mais: não só como deputado, mas também como dirigente de uma organização social, nunca pus em dúvida esse empenhamento, enquanto outras pessoas, que hoje falam muito da Europa, puseram seríssimas reservas e fortíssimas reticências nas diversas fases do processo de negociação. O que lhe quero dizer é que uma coisa é defender os valores da Comunidade Económica Europeia e considerar importante que Portugal esteja na Europa e outra coisa, corripletamente diversa desta, é a minha luta veemente pela alteração de grande pane da legislação do trabalho na Europa, luta essa que assumo no plano internacional e em organismos internacionais da CEE. E isto porque está provado que nos últimos anos houve falência da flexibilidade, houve falência do monetarismo, houve falência, enfim, de um sem número de medidas de desregramento, que estão a criar uma situação terrível. E não é por acaso que, neste momento, a situação social na Grã-Bretanha é explosiva; não é por acaso nem é por culpa dos sindicatos e dos trabalhadores, até porque os governos de direita, os governos conservadores na Grã-Bretanha, têm tido maioria absoluta para poderem desenvolver as suas políticas e as suas medidas e tem-se demonstrado na prática que dia a dia, mês a mês, ano a ano, é cada vez maior o volume de desempregados na Inglaterra, sendo também cada vez maiores as tensões sociais nesse país. Quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró, gostaria de dizer-lhe que estamos inteiramente de acordo com a primeira parte da sua intervenção. Entendemos que era importante que o Governo apresentasse aqui uma proposta e que essa proposta pudesse ser trabalhada pelas diversas bancadas no bom sentido, num sentido co-responsabilizador. Agora o que não podemos é aceitar mecanismos de pseudo-negociação ou de pseudo-concertação, mesmo no plano parlamentar, e muito menos medidas de carácter impositivo lideradas por este ou qualquer outro governo. O Sr. Deputado acusou-me de estar aqui a fazer propaganda eleitoral por um dos candidatos à segunda volta. Fê-lo com tanta veemência que diria que o seu protesto e a sua veemência também me parecem propaganda de sinal contrário. Mas não é essa a questão que estamos aqui a discutir, Sr. Deputado. Estamos a debater uma questão muito séria, que diz respeito à maioria do povo português, do povo que trabalha. É, pois, sobre isso que me quero pronunciar para lhe dizer de uma forma muito clara que se nós, por uma questão de princípio, nunca concederemos a autorização legislativa, pela mesma ordem de razões políticas nunca daremos a urgência. Mas isto não significa que haja da nossa parte indisponibilidade para participarmos na tentativa séria e responsável de nos pormos de acordo sobre um problema que tem alguma importância para o País. O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro colocou-me, lamentavelmente, numa situação muito difícil, na medida em que veio para aqui utilizar conversas particulares. Sinceramente, Sr. Deputado, como não é minha prática trazer para o Parlamento conversas da minha vida particular, nem mesmo conversas de outras funções que exerço par além das parlamentares, sinto-me pouco à vontade para responder à sua questão. Todavia, já que o Sr. Deputado deu o pontapé de saída, já que venceu a inércia, vou responder-lhe, dizendo o seguinte: o Sr. Deputado sabe perfeitamente que, aquando da discussão do anterior pacote laboral, houve uma jogada de pressão - e eu sublinho uma jogada - dos representantes do patronato português junto do anterior Ministro do Trabalho e os senhores confessaram-me (já que estamos no domínio das conversas particulares) que iam levar a cabo essa jogada. Lembro-lhe até que o Sr. Ministro do Trabalho tinha apresentado uma proposta completamente diferente da última versão apresentada, onde não constava o problema da reintegração e do processo verbal de despedimento, e foi por uma pressão vossa, das três organizações patronais, junto do Ministro do Trabalho, com a ameaça de que preferiam a manutenção da legislação anterior à alteração inicialmente produzida que aquele foi à força tentar impor ao Primeiro-Ministro a vossa versão da lei. O Sr. Deputado também sabe perfeitamente que, em simultâneo com vocês, intervim na qualidade de representante de uma organização social e fiz ver ao Primeiro-Ministro que não era possível manter-se uma situação daquelas. Assim, que eu saiba, o Conselho de Ministros não só nunca se pronunciou, como nunca aprovou essa versão da lei que o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro acabou de referir. O Sr. Deputado acusou-nos de termos duas medidas consoante os interlocutores. Gostaria de lhe devolver essa acusação, dizendo-lhe que o Sr. Deputado também costuma ter várias medidas consoante os seus interlocutores. Aplausos do PS. 

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Peço a palavra para usar do direito de defesa, Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - Faça favor. 

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado Torres Couto, na verdade, V. Ex.ª acusou-me de factos que não são correctos. Primeiro, não fiz aqui uso de conversas pessoais. Se o Sr. Deputado chama conversas pessoais a uma reunião entre o Primeiro-Ministro e várias organizações sociais por ele convocadas, não posso aceitar essa interpretação. Considero que o uso e a afirmação de jogadas não é da minha parte, mas da vossa parte. Nessa altura, o então Primeiro-Ministro e actual candidato à Presidência da República, Dr. Mário Soares, tinha uma perspectiva completamente diferente de conquistar um eleitorado completamente diferente. Também nessa altura se propôs um acordo com as diversas confederações patronais, acordo que - repito - passava pela aceitação do princípio do despedimento, mesmo sem justa causa, estando única e simplesmente em causa a discussão do valor da indemnização. Essa questão pode ter sido alterada depois, mas - gostaria que isto ficasse bem claro - nunca teve o acordo do então Sr. Ministro do Trabalho, Amândio de Azevedo, o qual, na reunião com o Primeiro-Ministro, manifestou grandes reservas, ao contrário do que o Sr. Deputado acaba de dizer. 

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Torres Couto. 

O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, voltando ao nível da intervenção dessa altura, gostaria de lhe dizer que fui testemunha presencial de uma situação rigorosamente diferente. O Sr. Deputado, que na altura atacava violentamente o Sr. Ministro do Trabalho, aparece hoje como seu defensor público no plano parlamentar. 

Vozes do PS: - Muito bem! 

O Orador: - O Sr. Deputado atacava-o violentamente. Poderei relembrar-lhe, fora deste Parlamento, o tipo de ataques que fazia. Nessa altura, ficou bem provado que a imposição era do Ministro do Trabalho e que o Primeiro-Ministro não estava minimamente conhecedor daquilo que tinha sido a alteração qualitativa imposta pela sua e demais confederações ao Ministro do Trabalho de então. Aplausos do PS. 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada. 

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se há pedido de urgência onde é suposto verificar-se um grande consenso para a sua aprovação nesta Assembleia é, seguramente, este que hoje temos em apreço ... 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não há dúvida nenhuma! 

Risos do PCP e do MDP/CDE. 

 O Orador: - ... porque se trata de matéria que do antecedente assim foi considerada pelos dois maiores partidos portugueses e porque dois outros partidos - o CDS e o PRD - têm também defendido a sua necessidade. Aliás, durante a última campanha para as eleições legislativas foi possível à opinião pública aperceber-se da importância que as forças políticas em confronto lhe atribuíam, fosse através de textos publicados, fosse através de intervenções públicas. Está, pois, o Governo de parabéns por tomar a iniciativa de uma medida que bem interpretou como sendo uma preocupação frequentemente defendida pelas forças partidárias e uma referência obrigatória da acção legislativa. Ademais, o pedido do Governo é tanto mais urgente quanto já se perdeu, pelo menos, um longo ano sobre a possibilidade, não concretizada, de aprovação dos projectos que o último governo, de liderança socialista, diligentemente preparou. Não se tratando hoje de analisar o texto dos diplomas, é no entanto pertinente recordar a total consonância, existente entre o PSD e o PS no que respeita ao seu articulado como decorre de várias posições públicas conhecidas, designadamente de deputados especialmente qualificados de ambos os partidos. E bem se compreende que assim seja. Desde logo - e antes de tudo -, porque o exigem milhares e milhares de trabalhadores portugueses sujeitos actualmente à precaridade das precaridades que é o actual instituto legal da contratação a prazo. Não se duvida que o governo socialista que aprovou o actual regime legal o fez com a melhor das intenções e que ele será revelado, de algum modo, um factor de mobilização de mão-de-obra e de dinamização do mercado de emprego, mas é por todos hoje reconhecido que a prática tem igualmente demonstrado que se vem lançando mão daquela figura para fazer face a situações em que a actividade dos trabalhadores tem carácter permanente, enfraquecendo dramaticamente a garantia constitucional contra os despedimentos sem justa causa. A urgência justifica-se só por isto, mas também porque a contratação a prazo, que inundou as empresas portuguesas, é um obstáculo insuperável à formação profissional dos trabalhadores, a qual só pode ter pleno cabimento na vigência de contratos de trabalho tão duradouros quanto possível e também porque impossibilita que os trabalhadores usufruam de uma carreira profissional que vise, numa perspectiva do valor social do trabalho, a sua realização enquanto homens. Formação e carreira profissional são paraísos vedados às centenas de milhares de trabalhadores contratados a prazo. Ë reconhecido pelos peritos mais insuspeitos que a legislação sobre contratos a prazo não pode deixar de estar consonante com a legislação sobre cessação do contrato de trabalho, já que, a limitar-se a possibilidade de contratação a prazo e mantendo-se inalterável o diploma sobre cessação, registar-se-ia um bloqueamento insustentável no mercado de emprego. Assim, sendo urgente suster os gravosos custos sociais da actual contratação a prazo, resulta que é igualmente urgente rever a legislação que disciplina a cessação do contrato de trabalho, não numa perspectiva de liberalização dos despedimentos, mas sim numa perspectiva de fazer substituir a lei do despedimento permanente, em que se transformou a lei dos contratos a prazo, e de fazer substituir também a «lei da permanência do desemprego e dos salários em atraso», em que se transformou a actual lei da cessação do contrato de trabalho, por diplomas modernos e adequados às realidades, que dinamizem o mercado de emprego e viabilizem as esperanças dos Portugueses. O ordenamento jurídico apresenta, aliás, afloramentos assaz originais. Até há pouco tempo usufruía de uma lei de arrendamento que, pelo congelamento das rendas, visava proteger os mais desfavorecidos; só que dela resultou não haver casas para arrendar e apenas os privilegiados e os mais bafejados pela fortuna puderam competir no mercado de arrendamento. No campo laboral, a situação é idêntica: dispomos de uma legislação supostamente defensora dos postos de trabalho; só que não há é postos de trabalho. É a urgência no desfazer deste nó górdio, que sufoca tanto os trabalhadores empregados quanto os desempregados, que sufoca principalmente esses milhares de jovens à procura do primeiro emprego, que nos olham criticamente aguardando de nós a coragem da assunção das nossas responsabilidades, é essa urgência que, mais do que uma figura regimental, é já um verdadeiro imperativo da ética política, que hoje nos compete formalmente decidir. Mas a contratação a prazo não se transformou apenas numa verdadeira lei de despedimento a prazo. Ela é hoje um dos maiores estímulos à não sindicalização dos trabalhadores, isto é, transformou-se num dos mais fortes obstáculos ao necessário fortalecimento do movimento sindical. É outra situação especialmente gravosa e que colide com a melhoria e o aprofundamento dos instrumentos de intervenção, que só uma forte organização dos trabalhadores em torno das suas associações representativas permite. É ainda urgente porque a revisão da legislação sobre a cessação do contrato - que, repete-se, é indispensável no quadro da necessária revisão da legislação sobre a contratação a prazo - encontrou finalmente o quadro onde é possível realizar-se, que é o desenvolvimento global da economia que esperançadamente o País já começou a viver. Na verdade, se o PSD e o PS entenderam, há cerca de 1 ano, que era o momento azado para a alteração da lei - então, como é sabido, num enquadramento económico claramente recessivo -, bem se vê que a urgência mais se justifica agora, não só porque se perdeu tempo, mas principalmente porque estão criadas as condições de confiança e de investimento que permitirão não só absorver o vasto mercado de procura de emprego, designadamente o primeiro emprego, mas também consolidar o emprego existente, agora tantas vezes precário. E a urgência volta também aqui a encontrar importante justificação. O aquecimento da economia vai necessariamente estimular a oferta de emprego e, a não ser revista a actual legislação, iríamos assistir a um recrudescimento dos contratos a prazo, isto é, à subsistência, agora mais agravada, das condições de insegurança e de precaridade que os trabalhadores portugueses vêm suportando. Porque, então, aconteceria uma de duas coisas: ou a ainda maior generalização da contratação a prazo ou o não aproveitamento pelas empresas das virtualidades da nova política económica, isto é, a continuação da cessação, mas agora já de todo injustificada e com um maior agravamento do desemprego. E que dizer da indisciplina e da insegurança reinante em matéria de trabalho temporário, que reclamam a urgência - digo bem, a urgência - como pede o Governo, na adopção de um instrumento legal que possibilite refrear injustiças e restabelecer equilíbrios que defendam os legítimos interesses e expectativas dos trabalhadores? Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O pedido de urgência do Governo só não seria justificado se não existissem algumas centenas de milhares de trabalhadores desempregados e dezenas de milhares de jovens à procura do seu primeiro emprego; só não seria justificado se a maioria dos contratos de trabalho que se vêm firmando não fossem, como são, contratos a prazo, isto é, se não estivesse em causa a segurança e o bem-estar da sociedade laboral portuguesa que urge estabelecer. Porque, a eles, pouco importa os discursos paralisantes daqueles que os defendem nas palavras, mas sempre escondem atrás delas um secreto desejo de que persista a situação actual para poderem justificar a sua existência política, quando não a sua bandeira partidária. Em suma, quando 80% do eleitorado português vota nos partidos que se apresentaram defendendo esta matéria, é óbvio que a urgência existe - durante as campanhas eleitorais, mas também, principalmente, como decorre da ética política, após elas. O PSD, ao votar favoravelmente a urgência pedida pelo Governo, está a cumprir as suas promessas. O País bem merece que todos cumpram as suas. Aplausos do PSD. 

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques. 

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Deputado Rui Salvada, ouvi com toda a atenção a sua intervenção sobre uma matéria que é verdadeiramente complexa e que tem feito correr muita tinta ao longo dos últimos meses. E ainda muita tinta irá fazer correr e muitas notícias irá provocar nos jornais, dado que não me parece que seja verdadeiramente sério trazer num momento destes uma questão que interessa à maioria do povo português, para não dizer a todo, e que é de importância capital não só para os trabalhadores como para as próprias empresas. Tenho duas perguntas a colocar ao Sr. Deputado Rui Salvada no que diz respeito a esta questão da revisão das leis laborais. A primeira questão e a seguinte: entende o Sr. Deputado que uma matéria desta natureza deve ser discutida no seio dos trabalhadores, que são certamente aqueles que têm maiores interesses nesta matéria, ou, pelo contrário, que ela deve ser apenas obra de algum laboratório especial em matéria de revisão jurídica de questões relacionadas com o trabalho? Fazendo-me entender melhor, a actual legislação é uma legislação que serve os trabalhadores, mas que tem, todavia - o líder da minha bancada já o afirmou -, algumas possibilidades de ser revista, mas para melhor no sentido de não vir a ferir os interesses dos trabalhadores. Como tal o dissemos. Não é o PRD que irá inviabilizar nesta Câmara a discussão destas matérias. Parece-me de capital importância que não seja ferido de morte o texto constitucional, nomeadamente o seu artigo 57.º, no qual se diz, de forma insofismável, que compete às associações sindicais participar na elaboração da legislação do trabalho. Entende o PRD que se trata aqui de uma matéria de discussão pública. E isso que pretendo saber do Sr. Deputado Rui Salvada: entende o Sr. Deputado que se trata de uma matéria de discussão pública e que diz respeito aos trabalhadores discuti-la profundamente ou entende que é possível passar por cima dos interesses dos trabalhadores e vir aqui, de algum modo, passar um cheque em branco ao Governo? Em segundo lugar, gostaria de saber o seu entendimento muito concreto sobre se, através da revisão das leis laborais, vão ou não resolver em definitivo todos os flagelos que neste momento acontecem aos trabalhadores. Quero perguntar muito directamente ao Sr. Deputado se acha verdadeiramente no seu íntimo que a discussão desta matéria irá resolver de uma forma definitiva a questão do desemprego em Portugal, que me parece ser preocupante. Como já foi dito nesta Câmara durante esta manhã, não me parece que a flexibilidade total das legislações que existem nos diversos países da Europa, nos quais nos integrámos, tenha resolvido o problema do desemprego. Não quereríamos que a flexibilidade da revisão da legislação laboral em Portugal viesse a agravar ainda mais o problema do emprego no nosso país. 

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Odete Santos. 

A Sr.ª Maria Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Rui Salvada, durante este debate temos vindo a assistir a muitas tentativas de afastar desta discussão as questões de fundo do texto que acompanha a autorização legislativa, para se discutirem questões meramente formais, como se fosse irrelevante saber que o Governo, com este texto, pretende tripudiar sobre a Constituição, alargando o conceito de justa causa contra a proibição da própria Constituição nesse aspecto e transformando esse conceito de justa causa num conceito objectivo por interesses meramente patronais, apenas para permitir um lucro desmedido. É necessário saber para que é que o Governo quer urgência. Tem o Governo urgência para acudir às situações, de que V. Ex.ª aqui falou, os contratos a prazo ilegais? Tem o Governo urgência de pôr a Inspecção-Geral do Trabalho a funcionar para instaurar autos e levar a tribunal situações incríveis de violação da legislação? Isto para não falar já da questão do atraso dos salários, citando ainda as chamadas «rescisões de contrato por mútuo acordo» que não são nada disso, mas autênticas chantagens sobre os trabalhadores, e na figura extraordinária de «reforma antecipada». Tudo isto o próprio Governo acarinha. Tem o Governo urgência de pôr os tribunais do trabalho a funcionar, Governo esse que vem aqui chorar, neste texto, o facto de as entidades patronais terem de pagar prestações vencidas até à decisão pelo facto dessa mesma demora? É evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Governo não tem urgência para nada disto, nem para fiscalizar o que se passa nesse mundo do trabalho precário. Que autos já foram levantados pelo facto desses trabalhadores não terem quaisquer direitos à Segurança Social? É evidente que a urgência do Governo, neste aspecto, é de facto para liberalizar os despedimentos e para permitir que, por qualquer motivo, a entidade patronal despeça o trabalhador pelo facto da própria inaptidão - conceito extraordinariamente vago e que nós, nesta Assembleia, já repudiámos, por exemplo, no Estatuto dos Magistrados Judiciais e que é um conceito que, assim, permite às entidades patronais fazer tudo. De facto, Sr. Deputado Rui Salvada, era bom que V. Ex.ª, ficando por esses males que ali retractou, também tivesse confessado que até à data VV. Ex.ªs tantos anos estiveram no Governo e nada fizeram para os debelar. Antes pelo contrário, criaram as condições para agravar esses males e vêm falar de situações de empresas que estão paralisadas, não por via legislação laboral, mas por não haver vontade política para as pôr a funcionar. Poderia aqui citar-lhe muitas empresas e, neste preciso momento, ocorre-me o caso das empresas de frio doméstico, cujos trabalhadores têm vindo a esta Assembleia solicitando medidas urgentes. 

Vozes do PCP: - Muito bem! 

A Oradora: - Para terminar, queria colocar as seguintes questões: é ou não verdade, Sr. Deputado Rui Salvada, que com este pedido de autorização legislativa é bem evidente - e isto não pode ser silenciado hoje nesta Assembleia - que o Governo quer defraudar o direito à segurança no emprego, o direito ao trabalho, o próprio direito à realização da formação profissional - que V. Ex.ª tanto referiu, esquecendo que no texto está previsto que um trabalhador que seja reintegrado provisoriamente, por via da providência cautelar de suspensão de despedimento, possa ir para casa 3, 4 ou 5 anos, sem trabalhar? É ou não verdade que com este texto quer o Governo, enfim e em conclusão, defraudar a própria Constituição da República? 

Aplausos do PCP. 

 O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Furtado. 

O Sr. Sá Furtado (PRD): - Sr. Deputado Rui Salvada, gostaria de lhe pôr duas questões. A primeira tem a ver com o pedido de urgência, pois para mim o que é fundamental não é a urgência em si e dar-lhe-ia se, efectivamente, ela fosse usada para bons fins e com a metodologia correcta. Portanto, urgência sim, na medida em que isso pode contribuir para o apaziguamento da sociedade portuguesa. Mas a questão fundamental é a da urgência para quê. A alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei diz que a «extensão do conceito de justa causa para despedimento a factos, situações ou circunstâncias objectivas ligadas à pessoa do trabalhador ou ao funcionamento da empresa». Pergunto: então isto não é o simples cumprimento de uma formalidade vazia de sentido, não correspondendo em substância a nada de essencial? No fundo, não é dar ao Governo a possibilidade de poder legislar à revelia desta Câmara e, ainda por cima, com a conivência implícita do Parlamento? Esta é uma das questões fundamentais que queria colocar ao Sr. Deputado Rui Salvada. A outra questão tem a ver com o seguinte: estou convencido que uma das razões fundamentais do desemprego - e é uma questão estrutural - tem a ver com o anacronismo tecnológico das nossas empresas. Ainda uma outra questão que tem a ver com a falta de formação de pessoal qualificado. Pergunto então como é que o Governo, que ao mesmo tempo que pede esta urgência suspende um instrumento que considero importante - ainda ontem aqui o referi - que é a execução do plano ecológico nacional, concilia aquela suspensão com esta urgência. 

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada. 

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho alguma dificuldade em responder a estes pedidos de esclarecimento porque estamos aqui perante uma incompatibilidade insanável, que é esta: a maior parte dos partidos, designadamente partidos a que pertencem alguns dos Srs. Deputados que pediram esclarecimentos, declararam, como foi aqui dito, nas campanhas eleitorais que isto era matéria urgente e, se ela assim não fosse considerada por esses partidos, é evidente que não teriam feito declarações nesse sentido ou publicado textos nessa matéria. O que estamos aqui a discutir hoje não é o texto nem o articulado, nem me debrucei sobre isso. O que estamos aqui a discutir hoje é a urgência e quanto a essa matéria é evidente que não há nada a esclarecer porque toda a gente parece estar esclarecida. Em relação às questões do Sr. Deputado António Marques, julgo que o Sr. Deputado não tem estado suficientemente atento ao desenrolar da vida política portuguesa nos últimos tempos. Como sabe, todos estes diplomas foram amplamente discutidos, tendo havido sobre eles uma discussão pública, de modo que quando o Sr. Deputado fala em que os interesses dos trabalhadores devem ser ouvidos, etc., ou tem um conceito corporativista da sociedade portuguesa - o que considero não ter - ou, então, não tem estado informado sobre esses acontecimentos. Por outro lado, em relação a outras duas pequenas questões que foram apresentadas, nomeadamente pela Sr.ª Deputada Maria Odete Santos, devo dizer que a nossa urgência está atrasada 11 anos porque o próprio PCP, já em 1975, achou que esta matéria era tão urgente que subscreveu um diploma assinado por figuras muito significativas do seu partido e na sua bancada está o então chefe do Gabinete do Ministro do Trabalho na altura que, certamente, a esclarecerá do porquê dos motivos de urgência dessa altura. Em termos de defesa da Constituição Portuguesa, devo relembrar-lhe que a Sr." Deputada certamente votou contra a Constituição. Nós votámos a favor e somos, portanto, mais capazes e mais idóneos para a defender e para a invocar. É isto que se me oferece dizer, Sr. Presidente. 

Vozes do PSD: - Muito bem! 

O Sr. António Marques (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Marques pede e palavra para que efeito? 

O Sr. António Marques (PRD): - Para dar explicações, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode dar explicações, pois essa figura só existe na medida em que seja uma resposta... 

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, acho que houve da parte do Sr. Deputado Rui Salvada, em relação à minha pessoa... O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Marques, desculpe, mas não lhe posso dar a palavra a não ser que a peça ao abrigo da figura do direito de defesa. 

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, então peco-lhe a palavra ao abrigo desta figura. 

O Sr. Presidente: - É evidente que é uma degradação da figura, mas o Sr. Deputado é que sabe se foi ofendido. Tem a palavra, Sr. Deputado. 

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, não acho que seja uma degradação da figura, pois o Sr. Deputado Rui Salvada, não tendo nenhuns outros argumentos para responder às perguntas que lhe foram feitas, que foram perguntas correctas, nítidas, directas e feitas de forma diplomática, sem de nenhuma maneira porem em causa a honorabilidade do Sr. Deputado, resolveu responder-me de forma menos correcta. Não tenho nenhum sentido corporativista da sociedade portuguesa. Pelo contrário, e não vou pedir mesas ao Sr. Deputado Rui Salvada, mas, talvez para sua informação, as questões do sindicalismo, nas quais estou envolvido, pois sou um sindicalista ainda do activo, começaram na minha vida muito antes dos 20 anos. Não sou assim tão velho quanto isso, mas estive e estou ao lado dos trabalhadores, dos quais não me dissocio, com um sentido perfeitamente nítido do que são os movimentos sociais e de nenhuma maneira num sentido corporativista. Sr. Deputado, conheço perfeitamente o evoluir dá vida portuguesa nos últimos anos. É certo que no momento em que se deu o 25 de Abril, e por motivos de carácter exclusivamente políticos, eu não estava no País porque não podia estar, mas quero dizer-lhe que nenhum governo pode governar contra os trabalhadores. Isso está provado e não é possível hoje tentar aqui, nesta Câmara, um movimento que, de alguma forma, possibilite a passagem de um cheque em branco para legislar sobre uma matéria na qual os trabalhadores têm de ser ouvidos, queiram ou não queiram os partidos que aqui apoiam o Governo. Os trabalhadores têm uma exigência constitucional para ser respeitada que é a de serem ouvidos nesta matéria, Sr. Deputado. Os trabalhadores nesta matéria concreta, pelas questões que estamos aqui a discutir, não foram ouvidos por este actual Governo e terão de o ser para que se cumpram formalmente os artigos que a Constituição preconiza na defesa desses mesmos trabalhadores. Por isso, Sr. Deputado Rui Salvada, se preconizar a defesa dos trabalhadores é ter um sentido corporativista da sociedade, devolvo o piropo para essa bancada. Exijo da parte daqueles que me dão respostas o mesmo respeito que utilizo para com todos os deputados desta Assembleia. Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando do Amaral. 

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada. 

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Deputado António Marques, começaria, por um lado, por dizer que eu concedi que V. Ex.ª não tinha um conceito corporativista da sociedade portuguesa. Por outro lado, quero dizer-lhe que temos uma grande base, digamos, de convergência, porque se V. Ex.ª é dirigente sindical no activo - e é óptimo que o seja - eu também o sou. Mas, quero ainda dizer-lhe que V. Ex.ª não está bem informado sobre o que é o Regimento da Assembleia da República. O processo de urgência não tem nada a ver com aquilo que disse. Fundamentalmente, desejo referir que em termos da defesa dos trabalhadores certamente que V. Ex.ª não está convencido que o PSD, que é o maior partido português, foi votado pelo patronato. 

Aplausos do PSD. 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos. Foi lido. 

É o seguinte: Relatório e parecer Em reunião realizada no dia 31 de Janeiro de 1986, pelas 11 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado, solicitada pelo Partido Comunista Português: Ângelo Matos Mendes Veloso (círculo eleitoral do Porto) por António Manuel da Silva Osório. Esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do dia 31 de Janeiro corrente, inclusive. Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis. Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais. 

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados. Pausa. Visto não haver inscrições, vamos proceder à respectiva votação. Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade. 

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão. 

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Presidente, antes de dar início à minha intervenção, queria interpelar a Mesa a respeito do calendário previsível para o desenvolvimento deste processo de urgência. Isto é, admitindo que estamos próximos do fim normal dos nossos trabalhos, a Mesa prevê que ainda hoje se procederá à votação do processo de urgência, relativo à proposta de lei n.º 6/IV, ou o número de inscrições não consentirá que assim seja? 

 O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, está somente V. Ex.ª inscrito para intervir, já que não conhecemos outras inscrições. Pensamos que não haverá mais intervenções, mas não posso garantir que assim seja e, apelando para a generosidade do Plenário, julgo que vamos dispor de mais 5 ou 10 minutos e acabaremos a ordem de trabalhos de hoje com a votação do diploma em causa. Assim sendo, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado. 

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma muito breve intervenção, aliás aquela que é consentida pela escassez do tempo distribuído ao meu grupo parlamentar. Pela sua brevidade inevitável, dispensar-me-ei de tentar qualquer recorte mais literário nesta intervenção, o que facilitará que ela possa ganhar no sentido de uma maior síntese e clareza. Trata-se de um tema que podemos considerar de algum modo requintado, porque já aqui foi objecto de multiplicadas abordagens e reflexões e, portanto, há todas as razões para acreditar que os partidos, como os trabalhadores e os protagonistas sociais directamente atingidos por esta iniciativa do Governo, estão suficientemente esclarecidos a respeito do sentido nela implícito e suficientemente amadurecidos para tomarem posições claras e frontais no que concerne àquilo que estamos aqui a tratar. Devo, aliás, começar por dizer e recordar, porventura de sublinhar, que o CDS desde sempre tomou duas atitudes nucleares em relação à alteração do ordenamento jurídico laboral. Em primeiro lugar, sempre proeurou contribuir para a desdramatização desta questão, para a desmistificação de preconceitos e tabus que, de um lado e de outro, foram sendo montados e construídos em torno da revisão das leis do trabalho. Mas, em segundo lugar, também é certo que sempre preveniu e proeurou acautelar quem iniciativas desta natureza foi tomando ao longo do tempo para o melindre de qualquer intervenção legislativa nestes domínios. O tecido social é fino; tem sido abundantemente maltratado; não comportará iniciativas meramente voluntaristas, porventura desajustadas, de mutações que em determinadas circunstâncias poderão ser consentidas, noutras o não poderão ser. De maneira que, no pressuposto destas duas apreensões, destes dois sublinhados e, portanto, sem entrarmos ainda na apreciação de fundo em relação às propostas que nos foram apresentadas, suponho que o essencial daquilo que deve estar pressuposto no sentido de voto que os vários grupos parlamentares aqui hoje vão tomar é a resposta nítida relativamente a duas ordens de questões. Em primeiro lugar, há ou não efectiva necessidade de proceder a uma nova actualização do complexo equilíbrio da legislação laboral que temos? Em segundo lugar, se porventura à semelhança daquilo que de há muito tempo temos vindo a dizer ainda hoje aqui houver um amplo consenso à volta da necessidade e da actualidade desta última, no sentido de uma alteração, qual é o mecanismo mais apropriado para consumar essa alteração? Vou poupar a Assembleia de repetir a abundante argumentação, que hoje inclusivamente por outras bancadas de algum modo também já foi recordada, quanto à necessidade de se tentar inflectir e fazer evoluir o quadro legislativo laboral português. Em todo o caso, devo fazer uma prevenção: é que entendo que se fala muito na necessidade de competitividade das empresas e tal é um facto, uma necessidade, um argumento sério. Mas, fala-se menos de alguma coisa que para mim não é menos relevante e que é a ponderação dos interesses reais dos trabalhadores. Às vezes, no que toca aos trabalhadores ainda referimos a necessidade de que, ao libertarem-se as empresas de certos condicionalismos impróprios e excessivos, estaremos a contribuir para o aumento do investimento e para a criação de postos de trabalho. É esse um aspecto importantíssimo, mas não é só, Srs. Deputados. Temos de dizer isto claramente: um dos objectivos da discussão aberta e ampla destes temas é também contribuirmos para nos libertarmos todos - e, em particular e em primeiro lugar, os próprios trabalhadores - de alguns complexos que continuam a subsistir quando reflectimos sobre estes temas. A descolonização dos povos tem de ter reflexo na descolonização dos indivíduos, dos trabalhadores e dos agentes políticos e sociais. E a nossa teia jurídico-laboral é ainda produto de muitos complexos, de muitos preconceitos. De qualquer modo, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, se há um amplo consenso, como aqui mais uma vez hoje - e não seria de esperar outra coisa - pudemos averiguar à volta da necessidade de fazer evoluir o quadro jurídico-laboral, em particular nestes domínios que hoje aqui nos são presentes, o que sobra investigar é saber qual o meio próprio, o instrumento técnico-legislativo mais adequado para o efeito. Há aqui dois grupos parlamentares, designadamente o do Partido Socialista e o do Partido Renovador Democrático, que nos vêm dizer que há necessidade dessa mudança, dessa alteração e, mais, que há até urgência nessa mudança e nessa alteração, mas que querem fazê-la no seio desta Assembleia. E evidente, mal era que eu o não dissesse, que têm nessa postura o meu maior respeito. No entanto, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa realizou hoje aqui, como é habitual e é seu timbre, uma importante intervenção, cheia de uma activa pedagogia, designadamente ao nosso mais jovem companheiro como partido e grupo parlamentar, isto é, ao PRD. É que se, porventura, no vosso seio há alguma distracção em relação ao mecanismo que tem servido para inviabilizar sucessivamente este processo de urgência sem que se tenha chegado alguma vez à solução de que o consenso nestes domínios era impossível, mas tão-só em nome dos mesmos preconceitos, tão-só em nome de uma absoluta e rígida indisponibilidade, designadamente por parte do PCP para alterar esta legislação, devíamos todos ter já compreendido que se trata de alguma coisa que é possível, ou seja, o de inviabilizar na prática o processo legislativo normal dentro desta Câmara para viabilizar a aprovação de alterações nestes domínios. E, por isso, era bom que percebêssemos com nitidez se o Partido Socialista e o Partido Renovador Democrático, no meio de palavras mais mansas, de atitudes que, por excessivamente subtis talvez nem o cheguem a ser, apenas querem esconder aquilo que deveriam assumir com frontalidade, isto é, que não estão dispostos a viabilizar com rapidez e urgência qualquer alteração. É porque se não é isso que está por detrás da vossa decisão, e salvo o devido respeito, ainda que haja uma oposição frontal e insuperável em relação ao conteúdo das propostas apresentadas pelo Governo, julgo que hoje só poderiam votar favoravelmente o processo de urgência que aqui nos foi proposto. Na verdade, mesmo que o mais brevemente que seja possível o Partido Socialista e o Partido Renovador Democrático queiram conduzir à reprovação final das propostas que estão subjacentes a este pedido de urgência, aquilo que têm a fazer é hoje contribuir e colaborar com o Governo na aceleração desse processo. De facto, caso contrário, Srs. Deputados destes dois grupos parlamentares, consintam que vos diga isto: permitam-me que recorde que fui dos deputados que mais depressa, designadamente na discussão do Programa do Governo, quis denunciar aquilo que me parecia uma vontade passível de enfrentamento artificioso entre o Governo e esta Câmara, pelo que sou, portanto, insuspeito de agora querer deixar passar em claro aquilo que pudesse ser uma nova tentativa do mesmo sentido. Aquilo que me parece é que nesta circunstância, tratando-se de matéria abundantemente discutida e reflectida, hoje só tínhamos de evitar possíveis inconvenientes, inclusivamente para a imagem desta Câmara, colaborando na concessão do pedido de urgência, da prioridade deste último, e facilitando a rapidez da conclusão deste processo, fosse ele ou venha a ser no sentido positivo ou negativo. Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Por tudo isto, e sem que nesta hora seja ainda oportuno tomarmos posição em relação ao fundo dos diplomas, no mínimo do diploma que vem já anexo ao pedido de urgência e de autorização legislativa, o meu partido e grupo parlamentar vai votar favoravelmente aquilo que pensa que é efectivamente urgente ser abordado, isto é, o pedido de urgência apresentado pelo Governo. Aplausos do CDS. 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado os debates sobre esta matéria. Entretanto, pedia a atenção dos senhores representantes dos grupos parlamentares para uma dificuldade em que me encontro e que gostaria de ver resolvida, se, porventura, estiverem habilitados para tanto. Por lapso, na última conferência foi indicado que a próxima terça-feira seria dedicada à apreciação do inquérito parlamentar n.º 1/IV sobre os actos inconstitucionais e ilegais contra a Reforma Agrária praticados pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e pelos serviços dele dependentes. Quando foi anunciada esta matéria para ser discutida num dia que depois foi adiado, estava agendado o projecto de resolução n.º 10/IV, do PS, referente à criação de uma comissão parlamentar de inquérito à actuação do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no quadro das medidas relativas à Reforma Agrária. Ora, penso que na terça-feira também deveria ser agendada esta matéria. Entretanto, neste momento, o PSD entregou também na Mesa um projecto de resolução para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito aos antecedentes e à actual situação existente na zona de intervenção da Reforma Agrária. Os representantes dos grupos parlamentares estão de acordo que, para além do inquérito, sejam apreciadas também conjuntamente estas duas propostas? 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente. 

O Sr. Presidente: - Faça favor. 

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, tenho necessidade de ter presente esse projecto de resolução. Por aquilo que V. Ex.ª disse, creio que uma matéria não tem nada que ver com a outra. Portanto, antes de tomar qualquer decisão precisava de ter conhecimento do texto exacto desse projecto de resolução. 

O Sr. Presidente: - Isso não será possível, Sr. Deputado. Porém, basta haver objecção por parte de um único Sr. Deputado em relação ao agendamento da ordem do dia para que assim não se faça. Portanto, fica agendado para a reunião da próxima terça-feira, que terá início às 15 horas, o inquérito sobre os actos inconstitucionais e ilegais contra a Reforma Agrária, praticados pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação e o projecto de resolução apresentado pelo PS. 

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra. 

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. 

 O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber se a objecção manifestada por parte do MDP/CDE não poderia ser ultrapassada se V. Ex.ª lesse o teor do texto do projecto de resolução apresentado pelo PSD. 

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenciono distribuir o texto do projecto de resolução em causa e se na próxima terça-feira houver consenso quanto à discussão conjunta destes dois projectos de resolução, certamente que se fará. Srs. Deputados, vamos passar à votação do pedido de urgência, formulado pelo Governo, para discussão e votação da proposta de lei n.º 6/IV, que concede autorização legislativa ao Governo para rever o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e dos contratos de trabalho a prazo e para estabelecer o regime jurídico de trabalho temporário. Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Lopes Cardoso, Maria Santos e Ribeiro Teles e votos a favor do PSD e do CDS. 

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto já ter sido anunciada a ordem de trabalhos, da próxima sessão, está encerrada a sessão. 

Eram 13 horas e 5 minutos.

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