O Instituto Nacional de Estatística divulgou ontem os dados mais recentes sobre a despesa pública em Portugal. No relatório publicado, podemos ver que a despesa total do Estado atingiu 98,1 mil milhões de euros em 2020 (48,4% do PIB). É um aumento de 5,9 pontos percentuais face ao valor de 2019, em boa parte devido ao aumento das prestações sociais, o que seria de esperar tendo em conta o impacto da pandemia e o esforço orçamental de resposta à crise.
Os dados divulgados são um bom pretexto para avaliar o peso do Estado na economia. Portugal encontra-se abaixo da média da zona euro em quase todas as categorias de despesa medidas pelo Eurostat: desde a Saúde à Educação, passando pela proteção social, transportes, habitação, cultura ou proteção ambiental. É isso que nos dizem os dados mais recentes disponíveis, referentes a 2019, no gráfico acima. O único aspeto em que gastamos mais do que a média é em operações da dívida pública.
Ainda não existem dados semelhantes para 2020, mas os números do relatório do INE já dão uma ideia de que esta tendência não se alterou: Portugal continua a estar abaixo da média do euro na despesa total (48,4% em Portugal vs. 54,1% na zona euro), bem como nas prestações sociais (19,8% vs. 25,7%) e no investimento público (2,2% vs. 3,1%).
Na verdade, se olharmos para a evolução da despesa pública em Portugal ao longo dos últimos 25 anos, o país esteve quase sempre abaixo da média da zona euro.
Ao contrário da ideia de que o Estado português tem um problema de despesismo, os últimos anos foram marcados por uma redução significativa da despesa com remunerações de trabalhadores (a cinzento claro, no gráfico em baixo) e, sobretudo, do investimento público em % do PIB (a cinzento escuro). A exceção é a despesa com prestações sociais, cujo aumento a partir de 2008 é, em boa parte, consequência da crise financeira internacional e da recessão que o país atravessou nos anos seguintes, que fez disparar o desemprego e a pobreza.
O caso do investimento público é o mais preocupante: se excluirmos o ano em que o governo seguiu as orientações da Comissão Europeia para gastar no combate à crise de 2008, os níveis de investimento público têm caído sistematicamente desde a adesão ao euro. A queda é tão acentuada que o investimento público líquido, isto é, o saldo entre a formação bruta de capital fixo (o que se investe em obras públicas, equipamentos, I&D, etc.) e o consumo de capital fixo (que mede o que se vai perdendo com o desgaste dessas obras e equipamentos ao longo do tempo), tem sido negativo nos últimos anos. Resultado: no ano passado, ficámos na cauda da Zona Euro no que diz respeito ao investimento público.
A contenção do investimento tem sido parte fundamental da estratégia do Governo para reduzir o défice. Mas o resultado é a deterioração dos serviços e das infraestruturas públicas, que tem efeitos negativos no crescimento económico e nas próprias contas do Estado. Ou seja, não só é uma estratégia errada, como acaba por ser contraproducente.
Também ficamos abaixo da média da zona euro na receita do Estado com impostos. Isto contraria a ideia de que temos uma elevada carga fiscal (que, já agora, diz muito pouco sobre o esforço fiscal a que as famílias e empresas estão sujeitas, visto que mede apenas a receita com impostos/contribuições em % PIB).
Isto não significa que o Estado não tem despesas desnecessárias. Mas significa que, ao contrário do que costumamos ouvir, Portugal está bastante longe de ter "Estado a mais". Na verdade, temos níveis de investimento público e proteção social bem abaixo do necessário.
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