quinta-feira, 10 de junho de 2021
Os riscos de uma ilusão
«Como muita gente na época, achei que o neoliberalismo dificilmente conseguiria sobreviver ao choque [crise financeira de 2008]. Uma década e vários novos choques depois, porém, ele continua aí: cambaleando, olhos vidrados, repetindo mecanicamente palavras de ordem – mas de pé, como um zumbi. No início da pandemia, houve quem fosse cautelosamente otimista: a ocorrência de uma segunda crise global de grandes proporções em pouco mais de uma década significava que a possibilidade de mudanças de verdade entrava novamente no horizonte.
(...) É verdade que, nos primeiros meses da pandemia, alguns dogmas econômicos foram temporariamente suspensos e governos no mundo todo adotaram medidas que teriam sido consideradas anátemas apenas um mês antes: expansão fiscal, investimento pesado em saúde pública, suspensão do pagamento de aluguéis e dos despejos, bem como ações para garantir salários e empregos. (...) Desde o início, porém, essas medidas até então proscritas vieram acompanhadas da advertência de que, assim que as coisas voltassem ao normal, seria preciso “cortar na carne” e reforçar a austeridade fiscal. (...) De forma geral, os governos continuam minimizando a escala e a duração da atual crise a fim de evitar um debate efetivo sobre o que precisaria mudar para que as pessoas e seus meios de vida fossem realmente protegidos.
(...) Se há uma coisa que deveríamos ter aprendido com a última década é que fatores objetivos robustos não resultam automaticamente em movimentos sociais vigorosos, e menos ainda na descoberta espontânea da “linha correta” pelas massas. Não é difícil imaginar que haverá explosões sociais nos próximos anos, mas não há nenhum motivo para crer que elas assumirão formas facilmente reconhecíveis pela esquerda – ou que não acabarão sendo instrumentalizadas pela extrema direita. (...) Se a extrema direita, ao recorrer à desinformação ou qualquer subterfúgio parecido, conseguiu mobilizar as paixões antissistema de milhões de pessoas que se sentem desassistidas e abandonadas é porque esses sentimentos realmente existem. Isto é, a mensagem da extrema direita só é convincente porque grande número de pessoas acredita que há, de fato, algo profundamente errado com o sistema político e econômico atual. Combater essa mensagem não se resume, portanto, a combater as mentiras em que ela vem embalada; mas exige, mais que isso, dar respostas convincentes às questões que estão na raiz desses sentimentos.
(...) A história que a extrema direita conta corresponde de maneira mais clara ao dia a dia da maioria das pessoas; ela ressoa na experiência vivida. Para muita gente, ouvir que a vida é uma sequência de escolhas difíceis em meio a uma luta mortal por recursos escassos não parece nem um pouco exagerado. Mais: essa narrativa faz eco ao efeito disciplinador que suas experiências de vida efetivamente têm – o sentimento profundamente enraizado de que aquilo que se tem é o limite do possível e que não há como mudar os fatos fundamentais do modo como vivemos. (...) A pergunta que deveríamos nós fazer, portanto, é: quais necessidades são atendidas pelas narrativas da extrema direita?»»
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4 comentários:
«quais necessidades são atendidas pelas narrativas da extrema direita?»
A pergunta é desde logo um engano - na melhor hipótese - ou - mais provavelmente - uma boutade esquerdalha.
Onde a extrema-direita significou liberalismo e não totalitarismo, como a sua contraparte esquerda?
Tudo para evitar o essencial da questão:
Quando a política apela aos cidadãos na sua condição de consumidores, sempre querendo ignorar e fazendo ignorar a sua responsabilidade de membros da polis, obviamente perde para quem detêm o talento e os meios de proporcionar a satisfação pelo consumo.
E quem melhor que a esquerda (tão ambientalista!) cavalga a luta pelo consumo?
Caro João, poderia nos dar exemplos dessa sua afirmação de que a esquerda cavalga a luta pelo consumo?
Supondo que o Guilherme por João queira dizer José, proponho-lhe uma abordagem inicial à questão: ao distribuir a riqueza, o consumo aumenta ou diminui?
O José a querer confundir consumo com consumismo!
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