quinta-feira, 27 de junho de 2019

As pessoas deviam saber

Fotograma de um dos filmes "Guerra das Estrelas"
Ontem assisti à reunião do grupo de trabalho da comissão parlamentar do Trabalho.

Desde 1986 que, como jornalista, assisto a debates parlamentares e, no entanto, aquele fez-me particular impressão. Parecia um recreio de uma escola secundária de meninos mal educados, a mando de pais ausentes da sala.

Sobre a mesa estavam alterações ao Código do Trabalho, propostas pelo Governo, na sequência de um acordo de concertação social sobre combate à precariedade laboral. O acordo foi assinado há cerca de um ano, sem o voto da CGTP, e - ao contrário do que poderia parecer - quem tem feito finca-pé para que a lei do Parlamento corresponda textualmente ao acordo têm sido as confederações patronais, com a CIP à cabeça. E a reunião daquele grupo de trabalho foi exemplar disso.

Primeiro, as votações decorreram a mata-cavalos. Quem presidia à reunião era a deputada social-democrata Clara Marques Mendes, mas era o deputado do CDS António Carlos Monteiro quem imprimia o ritmo. E era para despachar quanto antes.

Não havia debate. Os cidadãos-votantes poderão esperar que, sendo um grupo de trabalho, as reuniões servissem para aclarar pontos dos vista, discutir argumentos, num ambiente de informalidade e abertura. Nada disso. Eram raros os momentos que interrompiam as votações. Caso um deputado - do Bloco ou do PCP - levantasse o braço para se pronunciar sobre um dado ponto, todos os restantes - presidente da mesa, pessoal de apoio, deputados da direita, deputados do PS conversavam para o lado, sonoramente. O deputado mal se ouvia, cumpria o seu dever e calava-se. E mal se calava, todos se calavam também. E as votações prosseguiam, aceleradas.

Os deputados da direita estavam esfuziantes, felicíssimos. O deputado do PS - Tiago Barbosa Ribeiro (TBR), um socialista que costuma intervir sobre assuntos laborais num tom à esquerda - estava na ingrata função que lhe fora dada - propositadamente? - de se abster nas propostas do BE e PCP, para que os votos do PSD e CDS as inviabilizassem, sob a gozação da direita. Eram gozadas como se fossem apenas palavras, jogos, e não medidas que poderiam, um dia, ter efeito na vida de alguém. E sempre a favor de um dos lados.


Uma proposta do PCP, visando impedir o despedimento de um trabalhador caso este tivesse feito antes queixa por assédio, foi gozada pelo deputado Monteiro do CDS. A deputada comunista Rita Rato tentou discutir o conteúdo da proposta e recebeu mais gargalhadas como resposta. "Como é que conseguem dormir?", Dizia ela. E o deputado Monteiro: "Oh Ritinha..." E riam-se.

TBR estava de cara fechada, as suas intervenções eram lacónicas. Foi o que aconteceu numa das propostas em que o PS recuou e deixou cair aquilo que era uma penalização às que empresas que ignorassem a obrigação legal de dar formação aos seus trabalhadores.

Se havia alguma proposta que fugia ao aprovado em concertação social, o CDS e o PSD adoptavam o tom paternalista, pomposo, repleto de argumentário jurídico mal-enjorcado, apenas para camuflar a opção política de acatar o que as confederações patronais tinham manifestado em audições parlamentares: o diploma tinha de respeitar ipsis verbis o aprovado na concentração social.

Fez impressão esta subalternizarão da função de deputado. A chungaria ainda que vestida de blaser a condizer com a pose, os óculos e popa. A pobreza de mundo de quem representa o povo.

Oscar Wilde tinha uma frase engraçada: "O casamento é a principal causa do divórcio". Neste caso, a principal causa do tão mal tratado termo populismo ou do temido avanço da extrema-direita parece cada vez mais estar no uso da democracia por quem merecia apenas estar na 3ª linha de qualquer coisa que não um parlamento. Esperemos pelas legislativas.

12 comentários:

Jose disse...

O direito a conservar para a vida um qualquer trabalho em particular é uma aberração a que a esquerda quer a todo o tempo dar sustento.
Na empresa, em qualquer empresa, têm os trabalhadores forte peso de condicionamento das suas políticas de emprego. Assim os sindicatos se dedicassem a instruí-los e a dotar os trabalhadores de efectivos critérios de intervenção.

Mas tudo é dirigido a fazer leis e regulamentos a que as massas (de coitadinhos e exploradores) devem sujeitar-se.

'Se fez queixa...não pode ser despedido' - mais um instrumento para o regabofe dos direitos, como se não bastasse exigir-se justa causa.

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
Achar que a actual situação se caracteriza por ser um regabofe legislativo em favor dos direitos dos trabalhadores, só pode ser uma brincadeira. E de mau gosto.

Desde 2003 para cá, já nem falando de outras medidas adoptadas antes disso, a desarticulação do edifício de Direito Laboral tem sido, sim, um regabofe. E a consequência tem sido sobretudo uma cada vez maior desigualdade na distribuição do rendimento, a estagnação real dos rendimentos salariais, precariedade crescente, o desmantelamento dos limites do tempo de trabalho, a dificuldade em concertar a vida profissional com a familiar. Coisas tidas como essenciais para a criação de uma classe média (a tal que dá força às democracias liberais), um rejuvenescimento populacional e para uma sociedade sã.

Só uma curiosidade: sabia que o cálculo do hora de trabalho desvaloriza o verdadeiro custo horário em 27,3% do seu valor real? Uma pessoa trabalha uma hora de trabalho suplementar e recebe actualmente menos do que se trabalhasse em período normal de trabalho... Só direitos, não é caro José?

Nada disto faz sentido do ponto de vista de uma economia e de uma sociedade, se não for apenas para dar corpo a uma visão curta do futuro, dando já alguma coisa ao patronato, para que não prejudiquem as eleições. E para que a Europa - esta Europa doentia que produz um grupo parlamentar da extrema-direita no Parlamento Europeu - esteja "connosco".

Podemos discutir tudo, mas precisamos de olhar para o futuro.

Anónimo disse...

Onde posso encontrar o vídeo desta comissao de trabalho? Naqueles disponiveis aqui: http://www.canal.parlamento.pt/?cid=4150&title=audicao-do-ministro-do-trabalho-solidariedade-e-seguranca-social nao encontro o que foi mencionado no texto...

Paulo Rodrigues disse...

A bancarotocracia em todo o seu esplendor.
O poder está ocupado por pequenas criaturas vazias de conteúdo, apenas preocupados em manter os privilégios herdados, sem fazer qualquer esforço.
São fantoches dos oligarcas, cuja ganância vai levar o País novamente para a situação de 2010/2011, na próxima crise.

estevesayres disse...

Bem todos nós sabemos que o PS de António Costa é de direita (de facto ainda não assumiram , como já o fizeram os do PSD,CDS. Quanto ao PAN, pelo que se sabe, nem são de esquerda nem de direita, ou seja nem é "peixe nem carne" são vegan!
Quanto ao PCP na companhia dos "VERDES" esse limitam-se a defender os interesses do seu partido revisionista. Quanto ao BE, esse parece-me um ninho de ratos e de virgens ofendidas, (não tenho nada contra as virgens).
Por fim; temos um parlamento que muitos deputados(as), que deveriam era ir trabalhar para a Estiva ou então apanhar fruta da época, como fazem nas campanhas eleitorais, para a comunicação social, e para os portugueses menos atentos a estas coisas, fazendo (aproveitando-se) propaganda politica ideológica, e por outro lado verem (assistirem) que eles sabem meter a mão na "fruta"!
Eu sei que este pequeno texto , não vai ser lido por muitos de vós, e provavelmente nem se quer vais ser aprovado. Paciência, a vida continua , e eu estou por cá para continuara a dar a minha modesta opinião.
Por fim;tenho bastante consideração e admiração pelo v/ Blogue, que tem feito um excelente trabalho.
Até sempre!

Jose disse...

Caro João
A mistura que faz entre o regabofe legislativo e a justa remuneração do trabalho justifica o primeiro e tem consequências sobre o segundo.

A força dos trabalhadores não é a lei que a constrói, é a justa medida do seu trabalho.
E já em tempo lhe lembrei esse assunto: quem mede o valor do trabalho, e como, e onde?

Vou-me comover com a tal cena dos 14 meses em 11 de trabalho que não se reflectem nas horas extraordinárias? É simples, pague-se esse valor total em 11 meses e a empresas deixam de pagar 8 meses em 6 de trabalho ou 6 em 3, ou o que calha na sua missão de previdência e serviço social que o Estado Social sempre que o impinge às empresas nunca mais pensa em tomá-lo; e quando lhe vê os efeitos nefastos, eventualmente escandaliza o João com mais uma lei para o regabofe.

indianajaime disse...

Pois é, José, regabofe de direitos... Os direitos são uma chatice que complicam a vida dos empreendedores. Eu pensava ingenuamente que a humanidade evoluia na relação direta do reconhecimento da dignidade humana e, por isso, não toleramos hoje regabofes do passado, como a escravatura, a exploração laboral, a discriminação negativa, etc. Ainda bem que o José me abriu os olhos. O melhor mesmo é exterminar as pessoas, pois com o evento da automação elas tornam-se dispensáveis. Para quê reconhecer direitos a entidades improdutivas como as pessoas?

Jose disse...

indianajaime, como eu compreendo a sua amargura e indignação.

Pagar o trabalho pelo que ele vale e deixar a assistência social para um Estado cobrador de impostos, é uma das mais revoltantes pretensões que pode ser enunciada.

Que de revolucionário pode haver em fazer contas certas?
Que vitória pode descortinar-se numa contabilidade por natureza desprovida de regabofe?

Nada que se compare ao gozo do 'dado e arregaçado' para se sentir, ainda que em modo mesquinho, o pulsar da Revolução!

Pedro disse...

Caro jose.

Como se não soubesse que o patronato consegue manipular o mercado para fazer baixar artificialmente o preço do trabalho.

Espertalhão.

Carlos Monteiro disse...

As votações indiciárias nos grupos de trabalho não são gravadas pelo canal parlamento, é no entanto efectuado o registo áudio para uso da comissão. Essa também dificilmente acessível no site do parlamento.

Anónimo disse...

As atitudes dos deputados aqui descritas são vergonhosas e o pior é que não se vêem só nessas reuniões dos grupos de trabalho. Tive oportunidade de ir assistir a uma sessão no plenário da assembleia da república com alunos do 9.º ano. Quem assiste já sabe que não pode fazer qualquer tipo de manifestação, ruído, nem bater palmas ou é posto fora pelos hiper zelosos polícias que lá estão. Pois o barulho na grande sala era ensurdecedor com os deputados que conversavam alegremente uns com os outros enquanto algum outro deputado discursava, apenas lhe davam atenção os deputados do partido interessados naquele assunto por ter sido por eles proposto ou assim. De resto era um espectáculo desolador com os nossos alunos admiradíssimos com aquilo, eles que até eram conversadores, mas ali respeitavam obedientemente. Estavam presentes uns alunos mais novitos do 1.º ciclo que foram expulsos porque os deputados bateram palmas e os miúdos coitados inocentemente também o fizeram! Enfim, um triste espectáculo que em nada dignifica a função de deputado, que faz com que o povo se afaste da política e de quem os deve representar. E depois ainda há quem fique muito escandalizado com os skteches que o Ricardo Araújo Pereira faz sobre aquelas inquirições na Assembleia da República. Salta à vista que o modo como essas investigações são conduzidas é ridículo, que os deputados e quem é obrigado a lá ir se prestam a fazer um teatro patético e que não se irá chegar a conclusão nenhuma. Os deputados parecem aos olhos da população em geral um bando de privilegiados que nem respeita o lugar onde está, que no fundo não nos respeita!

Anónimo disse...

Caro José,
quer contas certas?

Produzo umas peças nas fábrica onde trabalho onde cada uma custa 50€. O capital variável do mesmo é, segundo o tecnocracismo da empresa, 9,2€ por peça. O capital constante é de 30 milhões investidos em 2015.
Ora, passam-me pelas mãos durante 1 mês de trabalho cerca de 20.000 peças (o mês que foi menos, com prejuízo no salário, foi Agosto por ser férias).

No fim passam-me por mês 816000€ +/- por mês pelas mãos, em forma de peças para industria automóvel.

Se abdicarmos de metade disto para impostos, investimento, fundos de maneio, etc sobram por mês 408000€.

Isto daria para a minha linha de produção, onde trabalham 88 pessoas, 4636,36€ de rendimentos por cada trabalhador.

Ora, quando eu decido fazer as contas, multiplicando o meu salário por 14 meses + subsidio de refeição e prémio por 12 reparo numa coisa, os gajos gamam 3314€ do meu salário todos os meses.

Poderá a sua ideia neoliberal e empreendedora dizer: Devias dar graças a deus por ter trabalho. Pois, o senhor alemão que manda aqui devia dar graças adeus porque tem Portugal onde pode pagar um salário miserável e ganhar por mês o que tira do coiro de 88 pessoas, ficam a falta as outras 1013 que aqui trabalham. Ai há outros alemães que ganham.

Acha mesmo que o problema é que ganhamos 14 meses ou que as leis são duras? A mim parece-me mais que passar para menos de 40% na distribuição da riqueza, em trabalhar mais horas que os Franceses e alemães, que produzir mais que eles e mesmo assim receber menos é o problema. Aliás, se o senhor Alemão fosse para o país de onde a empresa é fazer o mesmo sabe o que eu ganhava? 3200€