quarta-feira, 26 de junho de 2019

Nos vinte anos do euro


Partilho alguns parágrafos de um texto que escrevi para um livro que tarda em sair: Ascensão e Queda da UE: uma avaliação negativa dos 20 anos do euro, capítulo de Ética, Economia e Sociedade, eds. Sandra Lima Coelho e Gonçalo Marcelo (Porto: Universidade Católica Editora - Porto) [no prelo].

É dedicado àqueles que querem que o euro sobreviva mais vinte anos até que o país se transforme numa estância turística subdesenvolvida; um território (não um País) onde a maioria dos nossos netos só encontrarão empregos precários com salários de subsistência.

"Em boa verdade, a gestação da crise começou logo após o Tratado de Maastricht com a preparação para a entrada na moeda única. Os países da periferia abdicaram da desvalorização das suas moedas ficando a sua competitividade determinada pela evolução dos custos internos. Sendo a inflação o factor decisivo, cedo se percebeu que a Alemanha conseguia fazer evoluir os seus custos salariais em linha com uma inflação inferior à dos seus concorrentes, em particular a Itália e a França. Ou seja, na ausência de uma taxa de câmbio nominal susceptível de desvalorização, é a taxa de câmbio real – um indicador da posição relativa dos custos de produção – que sinaliza a competitividade de sistemas produtivos nacionais. Tendo estes características sociais, culturais, institucionais e políticas muito específicas, naturalmente a dinâmica dos salários e preços será muito diferente no centro e na periferia. A verdade é que, na concorrência pela mais baixa inflação, a Alemanha vence sempre. Após as reformas Hartz (2003-5), a eficácia alemã na contenção salarial permitiu a criação de elevados excedentes comerciais. Em contrapartida, as periferias acumularam défices e dívida externa (Storm, 2017). Portugal, não sendo concorrente directo dos produtos industriais alemães, foi sobretudo afectado pela sobrevalorização do euro, pela abertura do mercado único à China, e pelo alargamento a Leste. Como se não bastasse a crise financeira, com os seus efeitos no crédito às empresas, consumo, investimento e emprego, a União Europeia acrescentou a partir de 2010 um novo factor de crise para os países da periferia: a imposição de uma política orçamental recessiva, a liberalização do mercado de trabalho, e o recuo na protecção do frágil Estado social, como condição para os empréstimos que haveriam de garantir a solvência da dívida pública pré-existente e o resgate dos bancos falidos. Mais ainda, desmentindo a ideia de que a moeda única oferecia protecção contra choques externos, a UE chamou o FMI para beneficiar da sua experiência na aplicação da terapia de choque executada noutros continentes, a estratégia consagrada no Consenso de Washington (Chang e Grabel, 2004)."

5 comentários:

Geringonço disse...

Sem uma comunicação social ao serviço dos que planearam a austeridade uma revolução já teria acontecido...

Pedro disse...

Esta ideia de o crédito fácil ser algo de negativo deixa que pensar.

O crédito fácil não devia impulsionar as actividades produtivas do país ?

Ou será que o problema é a nossa classe empresarial que não o sabe usar ?

Jaime Santos disse...

O diagnóstico até está correto, o problema é que a Esquerda anti-Euro continua a não ser capaz de explicitar um programa alternativo que não nos leve a pensar que simplesmente querem usar a arma da inflação para estourar com a nossa Economia.

O endividamento externo é e será um problema com ou sem Euro e assumir que podemos fazer uma reestruturação da dívida sem que isso implique novas medidas de austeridade impostas pelos credores é pura e simplesmente pensamento mágico (a ideia de um default unilateral é pior ainda). O atraso secular português também se deve às sucessivas falências do País (o século XX político até 74 deve muito, pelas piores razões, à bancarrota do final da Monarquia).

Vamos a ver se neste novo livro o Jorge Bateira finalmente revela os detalhes de como será tal política alternativa ou se continua só com as suas jeremiadas habituais contra a moeda única.

Ou acha porventura que devemos colocar mais confiança nas promessas de quem é contra o Euro do que colocamos nas dos que o defendiam nos anos 90? Os seres humanos são todos iguais, têm uma imensa capacidade para a húbris...

Mais, pelo menos os alemães conseguem ter uma política de desenvolvimento consistente. Em todos os locais onde a Esquerda optou por vias populistas o resultado final é o que se conhece...

O que vale é que eleitoralmente os Partidos de Esquerda anti-Euro não valem nada, nem aqui nem na Europa. Até Louçã abandonou tal pretensão, ele que foi dos que, porventura, mais considerou com seriedade os problemas de uma saída da moeda única.

O que explica no fundo muito bem porque alguém como Sapir desejava uma vitória de Le Pen.

Se calhar o Jorge Bateira tem é que rezar uns tercinhos pelo sucesso da Lega em Itália (estou a brincar, evidentemente)...

Vitor Correia disse...

Se a ideia era abrir o apetite para o livro, comigo resultou.

S.T. disse...

Como de costume o Sr Jaime Santos anda mal informado. Com que então "os alemães conseguem ter uma política de desenvolvimento consistente"?

Parece que a "locomotiva" afinal é de má qualidade...

Com a chancela da Bloomberg, que, como todos nós sabemos, é um coio de esquerdistas.

https://www.bloomberg.com/opinion/articles/2018-12-07/germany-s-economy-will-be-europe-s-problem

Outros exemplos:

https://www.zerohedge.com/news/2019-04-03/german-institute-cuts-gdp-growth-forecast-half-08

https://www.zerohedge.com/news/2019-04-04/german-manfuacturing-collapse-awful-industrial-orders-plunge-most-financial-crisis

https://www.zerohedge.com/news/2019-04-07/germany-dead-economy-walking

Quanto ao conceito de igualdade do Sr Jaime Santos ficamos a saber que descobriu que toda a humanidade tem propensão para a húbris. Presume-se que o Sr Jaime Santos esteja isento de tal defeito e é por isso que nos brinda com as suas magníficas tiradas plenas de genialidade.

ROTFL

S.T.