sexta-feira, 28 de junho de 2019

O Estado é a mãe do CDS

Não há excepção nas ideias do CDS.

O Estado deve servir para angariar fundos - dos tais contribuintes que tanto dizem proteger  - para os canalizar para as empresas.

Foi isso que se passou com as diversas propostas eleitorais até agora  lançadas. No sector da Saúde,   primeiro defendeu-se que o Estado contrate o sector privado quando não consiga atender as pessoas; depois propôs-se o alargamento da ADSE aos trabalhadores do sector privado - sem que se conheça em que termos e com que direitos - sabendo-se que a ADSE é o principal financiador do sector privado da Saúde. Neste caso, não seria o Estado, mas os próprios "contribuintes" (vulgo cidadãos, trabalhadores, etc) a pagar directamente para um seguro de saúde.

Agora é a ideia de que a formação profissional - entenda-se, a realizada pelo Estado, através dos centros do IEFP e protocolados  - deve estar sujeita a um ranking de forma a melhor se adequar às necessidades de mão-de-obra das empresas e quanto mais bem posicionado no ranking, mais verbas públicas receberiam. Caso não fosse por aí, as empresas poderiam fazer a formação directamente, mas beneficiando um "cheque-formação":

o objetivo é contornar o atual contexto do mercado de trabalho, onde “a indústria exportadora quer mão de obra qualificada mas não a consegue encontrar” porque a formação profissional não está adequada às suas necessidades. Assim sendo, os centristas querem que a formação profissional deixe de estar orientada para as qualificações académicas, como atualmente está, e passe a estar orientada para a “capacitação das pessoas” em função das necessidades reais do mercado da economia — saindo do seu atual estado de “abstração”.

Assim dito, até parece bem, embora se pressinta neste raciocínio uma deriva para a segmentação do ensino: à pala da ideia de que "nem todos podemos ser doutores", o risco é desviar cada vez mais certas camadas sociais para uma aprendizagem puramente técnica, prendendo-as no seu mundo, e isolando a aprendizagem superior para um grupo mais restrito. Isso já está acontecer.

E sobre a aprendizagem técnica, muito haveria a dizer sobre a formação do IEFP.

Mas a principal dúvida que se levanta é por que razão essa formação mais adequada à realidade das empresas não é feita pelas próprias empresas?


A formação profissional deveria ser feita no contexto de trabalho. As empresas contratavam aprendizes e formavam-nos já de acordo com o que pretendiam. Olhe-se para as melhores empresas e vejam como fazem. Já nem falo do sucesso do João Félix...

Actualmente, o Código do Trabalho obriga as empresas a formar pelo menos 10% da sua mão-de-obra. E que "o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano".

Mas a maioria das empresas não cumpre esses mínimos.E de tal forma assim é que a própria lei estabelece alçapões. Quando essa formação não se realiza até dois anos posteriores ao ano em que se deveria ter realizado, essas horas constituem-se num crédito de horas para o trabalhador realizar a formação profissional por sua iniciativa...

Recentemente, o próprio CDS chumbou - no quadro da discussão do recente pacote laboral contra a precariedade - uma proposta do PCP que eliminava esse limite de três anos. A proposta foi chumbada com o voto do PS e da direita.

Mas agora, o CDS mostra-se preocupado com a formação dos trabalhadores. Ou melhor: com os custos da formação dos trabalhadores. Quer que seja o Estado a assumir esse custo e a fazer tudo aquilo que as empresas não querem fazer. "Façam-se rankings dos centros de formação e financie-se esses centros consoante o grau de empregabilidade...". Estabeleça-se um "cheque-formação", pago pelo Estado.

Só que o risco é que, mesmo assim, elevado e caro. Instituir rankings é sempre uma forma enviesada de promover uns e deixar cair outros, criar classes e castas. Há outras formas de gestão. E depois, por muitos rankings que sejam feitos, essa formação não substituirá a formação em contexto de trabalho. E a proposta arrisca-se a ser um mero panfleto eleitoral que nada resolve, embora possa ter o beneplácito das associações empresariais porque, no curto prazo, pode representar mais uns trocos, cuja eficácia nunca será avaliada.


5 comentários:

Geringonço disse...

Porque é que chamam "centrista" ao CDS?

Jose disse...

«...por que razão essa formação mais adequada à realidade das empresas não é feita pelas próprias empresas?»

Que tal se um trabalhador, voluntário para ser formado pela empresa, constituir contratualmente, entre outros termos, uma dívida que resgatará sem dispêndio de dinheiro num prazo de serviço acordado, não interrompido por despedimento com justa causa?
Ou vou formá-lo para a concorrência?

Jose disse...

O centros protocolares de formação profissional nasceram para pôr as empresas a participar na formação.
Acabaram submergidos pela burocracia estatizante de Bruxelas e Lisboa e resgatadas as obrigações financeiras dos representantes das empresas a troco de se reinstituírem os formalismos, poderes e endogamias dessa burocracia - e naturalmente os seus trabalhadores são equiparados à prestigiosa e confortável função pública equivalente.
São as associações patronais vítimas? Não, elas próprias se funcionalizam qual clones alimentados por fundos públicos. Rumo ao socialismo...

João Ramos de Almeida disse...

Caro José,
A sua solução - de um contrato mínimo de "x" tempo do trabalhador formado - parece ser uma boa solução, desde que em termos razoáveis. Nenhum trabalhador o recusaria, creio eu. Mas não vejo muitas empresas a fazê-lo. Nem o Estado , aliás, por exemplo com a cara e prolongada formação de médicos! Estaria o José disposto a aceitar esse contrato nos médicos?

Vê como é possível entendermo-nos? :-)

Jose disse...

Caro João
Se houvesse geringonça em que coubéssemos, já tínhamos um decreto possível.
Quanto aos médicos, pelo menos um ano trabalham, mais a especialidade...