quarta-feira, 29 de abril de 2015

Meia dúzia de vezes


1. Uma ideia de Marco António Costa, olhem quem, vai fazendo o seu caminho previsível, até porque o PS infelizmente colocou-se a jeito: o quase inútil conselho das finanças públicas, criado pelo bloco central, deveria avaliar de forma dita “independente” os programas políticos. Reparem que eu não disse um conselho totalmente inútil, porque eu sou a favor do emprego de economistas, do emprego público qualificado, embora preferisse áreas socialmente mais úteis do que a versão do façam força que eu gemo de Teodora Cardoso.

2. Os programas seriam então avaliados à luz do programa político do que é o enésimo clone ideológico nacional do consenso de Bruxelas-Frankfurt, com a sua ênfase na tralha das regras austeritárias europeias, onde, só para dar um exemplo, a conversa sobre sustentabilidade da dívida jamais incluirá a sua reestruturação por iniciativa dos devedores. É mesmo como diz Ana Sá Lopes: “Programas eleitorais visados por Bruxelas. Assim é que era”. E até que já é.

3. Foi preciso vir Thomas Piketty de França para voltar a ouvir alguém falar em público, ai a tal cagufa, de reestruturação de dívida na sede do PS, em inglês, com sotaque francês e tudo: “A dívida de Portugal vai ser reestruturada. É tão simples quanto isso”. Se depender da elite política ainda dominante, a reestruturação será nos tempos, termos e interesses dos credores, com a sua condicionalidade. Não é então tão simples quanto isso, sendo que aposta europeísta e globalista de Piketty é ainda mais complicada (bater aqui fica para depois...).

4. Entretanto, vale a pena ler a revisão de literatura de Francisco Louçã, e antes esta análise, sobre o tal rinoceronte que seria o relatório do PS. Depois de algumas precipitações sobre viragens à esquerda, o documento e o que nele está efetivamente escrito tenderam a impor-se a uma opinião muito baseada no diz que disse. Centeno também ajudou, creio, a esclarecer. O ponto alto foi a sua resposta à pertinente interpelação crítica de José Reis no último Expresso da Meia Noite e foi mais ou menos assim: “o debate sobre o salário mínimo é sobre zero”.

5. Dito isto, não concordo com a ideia de muitos articulistas de que o PS estaria no mesmo sítio de sempre, o da “Europa connosco”. Uma banalidade: nunca se está no mesmo sítio. A questão talvez menos banal é que esta “Europa” não é a mesma e já não está connosco (se é que alguma esteve, mas essa é outra discussão): infelizmente, também o PS continua bom aluno, mas de mestres cada vez piores e numa sala de aula cada vez mais degradada, isto para adaptar e prolongar com liberdade uma metáfora do saudoso Medeiros Ferreira.

6. E não me canso de sublinhar dois pontos: (1) tendencialmente, os partidos social-democratas tornaram-se resolutamente europeístas na fase de vigorosa arrancada neoliberal da integração nos anos oitenta, existindo antes em muitos destes partidos inclinações eurocépticas na fase, até aos anos setenta, em que a integração neoliberal pelos mercados construídos era menos vigorosa; (2) a anulação da social-democracia é hoje tão intensa, sobretudo por cedência de instrumento de politica da escala onde está a democracia para a escala onde esta não está e não estará, que, mais um paradoxo, já muitos aí o deixaram de notar, até porque, na lógica das preferências políticas endógenas, demasiados socialistas aderiram aos termos das ideologias que moldaram as instituições europeias.

7 comentários:

Aleixo disse...

Não há volta a dar...

só com CONVULSÃO!

As "direcções" do Sistema estão capturadas.


SÃO UNS HIPÓCRITAS.

QUE democracia, que minha avó!

QUEM DEFENDER A DEMOCRACIA,
TEM DE ENTRAR EM RUPTURA.

António Geraldo Dias disse...

Desemprego,salário mínimo e precariedade: o trabalho como mercadoria e a relação salarial como puro instrumento para baixar o seu custo a um ponto em que se torna necessário usar um complemento para baixos salários que despreza os que não auferem qualquer salário ou vivem na precariedade.

Jose disse...

A esquerda no seu melhor e único discurso de análises emocionadas e inconsequentes.
Para além da despesa pública, remédio milagroso, maná financiado em obscuras fontes que não o bolso dos credores.
O emprego criado e garantido por indefinidas actividades, em análise nenhuma que ultrapasse o salário finaciado pelo orçamento do Estado.
A qualificação do trabalho esgotada em mestrados e douturamentos dirigidos a prioridade alguma que não a satisfação de egos e estatísticas abrilhantadas de inutilidades.

Onde, como e quando competir em mercados que nos garantam meios de troca pela energia e tudo o mais que não temos, são tarefas para reaccionários arregimentados a Bruxelas que a esquerda canta o ilustre peito lusitano a quem os deuses já não obedecem.

Anónimo disse...

Para além dum português manhoso, pernóstico e passadista ( "no seu melhor e único discurso"; "que não o bolso dos credores"; " em análise nenhuma"; "finaciado"; "douturamentos"; "dirigidos a prioridade alguma"; satisfação de egos e estatísticas abrilhantadas de inutilidades" regista-se por parte do das 11 e 02 um discurso feito de axiomas que traduzem bem a nulidade argumentativa do referido sujeito

Perante um texto preclaro de João Rodrugues, que à lucidez e objectividade analítica associa uma elegância formal notável, aspectos estes que me são particularmente gratos, (independentemente por vezes de discordâncias pontuais), a que assistimos nós?

A "isto":

-"ùnico discurso"
Falso. o discurso das esquerdas não é único. E mesmo entre a esquerda consequente, que não vai em arremedos europeísticas, a discussão é rica e variada

-"análises emocionadas"
Leia-se de boa fé e com isenção o que escreve João Rodrigues. E registe-se a ausência do carácter emocional para onde jose quer arrastar o debato.Profissão de fé falhada.Mas sobretudo desonesta.

-"inconsequente"
Por muito que doa ao das 11 e 02, a inconsequência prova-se. Não se debita qual slogan manipulador e propagandista. Como acontece com a virtude dos e das que se vendem na praça pública ou no recôndito dos gabinetes

De

Anónimo disse...

Mas há mais:

--"Despesa pública,remédio milagroso"
Falso. Sempre se disse que a produção e a actividade produtiva nacional é que constituem remédios para a situação nacional . Isso e mais o muito mais que se disse também por estas páginas. O repetir desta forma o enunciado do paleio de portas, confirma que a proximidade eleitoral torna mais patente a falta de escrúpulos no debitar da propaganda neoliberal.

"obscuras fontes".
As fontes só são obscuras para quem vive da venda ao desbarato da riqueza nacional ou de quem está a fazer o jogo dos credores. A fonte é a riqueza produzida pelos que trabalham , que deve ser repartida não pelos 1% que o das 11 e 02 defende , mas pelos que a produzem.

-"o bolso dos credores"
Ler o acima escrito. Embora mais uma vez se registe este papel e este afá do das 11 e 02 pelos credores e pela sua serventia. Em todas as idades da história este género de pessoas ( a quem Roma dizia que no final não pagava) acabava e acaba por vezes por ver reconhecidos os seus préstimos em prol deste género de "função".

-O emprego criado e garantido por indefinidas actividades"
Traduz bem o vazio da propaganda neoliberal. Nada já têm a oferecer senão um mundo de dúvidas e de misérias.De desemprego, sempre. Após a propaganda inicial dos paraísos troikistas e das saídas para a crise, a confissão involuntária da fracasso das suas políticas. Resta-lhes isto

-Salário finaciado (sic) pelo orçamento de estado".
Mas não é o que este governo está a fazer, para esconder a verdadeira dimensão do desemprego? E até a propôr pagar 80 % do ordenado em certas situações para servir melhor a actividade patronal?

De

Anónimo disse...

E mesmo mais:

- "A qualificação do trabalho esgotada em mestrados e douturamentos ( sic) dirigidos a prioridade alguma que não a satisfação de egos..."
Nesta frase todo um programa, mas não só. Uma afirmação gratuita (esgotada? de certeza? Mas como o prova? Que afirmação ridícula é esta?) mas também reveladora duma incontinente inveja e mesquinhez por quem estuda e sabe. Uma patente imagem do que pode a tacanhez de quem se vê ultrapassado pelo conhecimento e mais não tem do que estas profissões de fé na ignorância e na boçalidade, reflectindo a frase de salazar que o vinho matava a fome a um milhão de portugueses...e que isso bastava.
Mas a afirmação mostra mais.Revela a pesporRência ideológica por tudo o que saia daquela zona em que o explorador vê uma oportunidade de negócio e de fonte particular de lucro

-"estatísticas abrilhantadas de inutilidades".
A confirmação, mais uma vez involuntária , do incómodo que os dados reais, os factos concretos e objectivos trazem ao discurso neoliberal. Eis como se classificam os resultados estatísticos. Como Inutilidades. Pudera. Quando traduzem o crescimento da fome , da miséria, das desigualdades sociais, da riqueza dos mais ricos...é melhor estes processos de fuga em jeito de catalogação divina.
Estarrecedoramente claro.


O último parágrafo do das 11 e 02 não merece mais do que uma gargalhada. Pela incongruência aparente que mostra um troikista firme e arregimentado a Bruxelas ( na sua própria confissão) ousar citar Camões, num reflexo (quiça involuntário) salazarista de apropriação do poeta para a propaganda do regime.

Antes utilizado como símbolo do patrioteirismo pelo regime fascista, Camões foi o poeta usado nas cerimónias públicas do regime.
Provavelmente o poeta teria vomitado em cima de tal canalhada, ele que passou pela prisão, por incomodar o poder vigente.

Mas agora ver a sua utilização por quem defende assumidamente a submissão aos mercados, aos credores, aos agiotas, que proclama os benefícios da rendição à governação germânica, aos ditâmes de Bruxelas, aos mandamentos do Capital, francamente é demais.

Houvera um tempo em que a direita-extrema se passava por nacionalista. Hoje assume-se assumidamente globalizadora e em prol do Capital.
No fundo no fundo não há qualquer incongruência. Tanto antes , como agora, era o Capital que defendiam. Nuns casos o nacional, enquanto tal lhes servia os bolsos e os interesses de classe, agora o internacional porque é assim que continuam a prosperar e a manter o seu poder.

Camões é que não tem culpa destes cozinhados de outros miguéis de vasconcelos

De

Carlos disse...

Ai, ai, meu caro joão Rodrigues, a saudade que tenho duma boa leitura e duma boa prática do "O Capital" dum dito Marx...