quinta-feira, 16 de abril de 2015

Crise, desemprego e emigração


Quando se procura avaliar a real dimensão do desemprego, nas múltiplas formas que hoje pode assumir (e que os critérios estatísticos oficiais são cada vez menos capazes de captar), a componente relativa aos movimentos migratórios é a mais difícil de estimar. Não só porque a quantificação dos fluxos se tornou muito limitada após a supressão das fronteiras no espaço europeu (como o próprio INE reconhece, admitindo que os números pecam, em regra, por defeito), mas também porque a caracterização dos perfis e motivações dos emigrantes é desde então ainda mais escassa.

Mas vamos por partes. A razão que leva a considerar a emigração nas estimativas de desemprego em sentido lato é bastante simples. Basta pensar que, se tivessem permanecido, os emigrantes que saíram do país por não encontrar trabalho seriam forçosamente contabilizados nos contingentes de população activa e de desemprego. Ou seja, a partir do momento em que passa a negativo, com o número de saídas a superar o número de entradas, o saldo migratório tem implicações no mercado de trabalho que não devem ser ignoradas, sobretudo num contexto de crise como o actual, marcado por uma recessão com impactos claros na contracção do emprego e no aumento do desemprego. Ora, é justamente isso que acontece em Portugal desde 2011, com a entrada de imigrantes (em queda) a não permitir compensar o disparo da emigração, situada em valores que apenas encontram paralelo nos observados nos anos sessenta, em pleno Estado Novo.

Mas como distinguir, nas estimativas da Taxa de Desemprego em sentido amplo, a emigração «forçada» da emigração «voluntária» (que não reflecte necessariamente a ausência, no país, de oportunidades de trabalho)? Esse é um constrangimento associado aos dados disponíveis e que apenas permite exercícios de aproximação. Um deles, no contexto actual, consiste em projectar as trajectórias de evolução da emigração, diferenciando o ritmo das saídas em três momentos cruciais da nossa história recente: o período que antecede a crise (até 2008); o período subsequente à crise; e a fase mais actual, marcada pelos impactos recessivos do «ajustamento» e das políticas de austeridade (após 2011).

Como mostra o gráfico, sem crise e sem austeridade seria expectável que «apenas» se atingisse um volume de emigração na ordem dos 68 mil activos em 2013, valor que passa para 93 mil quando consideramos apenas os efeitos da crise e que atinge os 128 mil (número oficial) quando se considera o efeito acumulado da crise e das políticas de austeridade com a tendência de evolução anterior. Ou seja, pode considerar-se que a recessão económica causada pelas políticas de austeridade e pelo «ajustamento» é responsável por cerca de um terço do total da emigração registada em 2013, devendo atribuir-se ao impacto acumulado da crise e da austeridade cerca de metade do volume de emigração registado no final desse ano.

E que implicações têm estas estimativas para os cálculos da Taxa de Desemprego em sentido amplo? O quadro seguinte procura dar uma resposta, diferenciando: a Taxa de Desemprego que se obtém a partir do total da emigração acumulada de activos (calibrado com os valores da imigração e com um coeficiente de regresso ao mercado de trabalho de 20%), com a Taxa de Desemprego que considera apenas o impacto acumulado da crise e da austeridade (Cenário 1), e a taxa que somente retém os efeitos das políticas de austeridade (Cenário 2).


Dos valores do gráfico ressaltam duas conclusões essenciais: a primeira é a de que, comparados com a Taxa de Desemprego oficial (INE), os cenários 1 e 2 não se diferenciam substantivamente entre si, demarcando-se contudo do valor oficial que alimenta a propaganda governamental em torno da suposta diminuição do desemprego. A segunda é a de que, face ao peso relativo que a migração de activos assume na Taxa de Desemprego em sentido amplo (estimada em 29,1%), o «contributo» da crise ronda os 1,1 pontos percentuais e o «contributo» da austeridade aproximadamente 1,3 pontos percentuais. Ou seja, crise e austeridade explicam conjuntamente cerca de 2,4 pontos percentuais da estimativa de Taxa de Desemprego em sentido lado obtida para o final de 2014.


Nota: Este comentário do Pedro Romano ao estudo do OCA sobre emprego e desemprego, no blogue Desvio Colossal, seria suficiente para demonstrar que é possível fazer um debate crítico e construtivo sobre estas matérias, evitando assim as «análises» ignorantes e preguiçosas, ideologicamente entrincheiradas e motivadas pelo insulto gratuito (como esta). Aliás, os oportunos comentários do Pedro Romano a um exercício anterior de estimativa do «desemprego real» contribuíram para aperfeiçoar, justamente na questão dos migrantes activos, os cálculos então efectuados.

7 comentários:

Unknown disse...

As analises têm um valor sobre os empregadores e criadores de emprego o mesmo efeito que as medidas de promoção da natalidade sobre as possiveis mães: zero.
Já o efeito subjectivo (estamos a fazer muito) esse é bastante palpável.

Jose disse...

Especialistas em análises de desemprego pululam num deserto de especialistas em promoção de emprego!!!

Pyros disse...

Caro Nuno,

Este tipo de especulações "quantitativas" (ficção económica) é muito discutível devido a metodologias e pressupostos, apesar do seu eventual interesse, embora habitualmente seja pouco. (nota técnica: dá-me um pouco vontade de rir os ",1%" - lembra-me uma velha piada de índios*).

Pelo início: "se tivessem permanecido, os emigrantes que saíram do país por não encontrar trabalho seriam forçosamente contabilizados nos contingentes de população activa e de desemprego". Seriam? depende se procuravam emprego ou não. Depende se achavam trabalho ou não. E em que ritmos é que fariam qualquer destes. (já agora, porquê 20% de regresso ao mercado de trabalho e não 80%? ou 50% ou 99%?)

Extremamente especulativo.

Depois a questão de construção e cenários. "Sem crise". "Sem austeridade". Gostaria de sugerir "se se achasse petróleo". Ou se "Portugal fosse um país bem gerido". Ou ainda "Portugal sem Euro". Quanto aos anos, 2008 não marca o início da nossa crise. Essa começou bem mais cedo. Ou mais tarde. Seja como for não será o ano em que efeitos se terão começado a sentir no bolso.

Resumindo, os elemtos apresentados não explicam de forma integral a modelização utilizada, bem como a sensibilidade às diferentes variáveis e respectivos impactos nos resultados.

Já agora, qual seria a taxa de desemprego de 2014 no sentido amplo no mundo dos 10% de défice externo anual?


Enfim.

*Estava um soldado de sentinela ao forte no velho Oeste, quando vê se aproximar um bando de índios. Chama pelo General e diz : - “Meu General, os índios estão se aproximando!!!”.
Pergunta o General: - “E quantos são?”
- “1004 meu General!!!!”
- “1004 ? Como você sabe?”
- “Vêm quatro na frente e uns 1000 atrás...

Anónimo disse...

A confrangedora pobreza argumentativa dos neoliberais está aqui bem espelhada num comentário azedo.

Já sabíamos que os axiomas neoliberais não passam no crivo da realidade dos factos e mais não são que pretensas verdades inquestionáveis ao serviço de coisas sórdidas e repugnantes.

Mas os seus ideólogos têm todavia uma característica. Quando perante factos e números vão de abalada e fogem.
E atiram para canto ou insultam ou praguejam ou respondem com nadas ou travestem as respostas com slogans publicitários ocos e vazios ou atiram sobre o mensageiro em vez de se concentrarem na contra-argumentação que tenham por bem

Confrangedor ver confirmado o aqui já dito. Na ausência de algo concreto, mais não resta que isto.

Há quem deteste a filosofia. Ou as artes. Ou a simples capacidade de pensar. Utilizar o termo "especialistas" da forma como outrora a inquisição ostracizava e perseguia quem não lhes obedecesse aos credos, define um estilo velho de séculos e que continua a ser utilizado pelas forças mais retrógradas e obscurantistas da actualidade.

De

Nuno Serra disse...

Caro Pyros,

Duas ou três notas:

- A ponderação de 20% não cai do céu: é a aplicação, ao universo de migrantes, da taxa de regresso ao mercado de trabalho dos desempregados que não emigram (na verdade essa taxa até e mais baixa: 18%);

- Se os emigrantes regressarem ao país passam a integrar a população activa (emprego ou desemprego), pelo que creio que a sua especulação em torno do «se procuravam emprego ou não» e «se achavam trabalho ou não» faz menos sentido do que pode parecer. Se não regressarem, são activos que o país dispensou. E se o saldo migratório voltar a valores positivos, este factor deixa de ser relevante para os cálculos do desemprego em sentido amplo;

- Os cenários visam apenas estabelecer em que grau a crise e/ou a austeridade contribuem para dilatar os valores do desemprego em sentido amplo. Isto é, para tentar estimar (e diferenciar) a dimensão do seu impacto;

- Sim, 2008 não assinala o início da nossa crise. Em contrário seria estranho que o saldo migratório estivesse já em queda gradual até esse ano. A entrada no euro e o crescimento anémico da economia portuguesa desde então podem ajudar a explicar essa primeira fase. O acelerar da queda do saldo migratório, a partir de 2008, explica-se fundamentalmente com o impacto da crise e da austeridade (entra em valores negativos em 2011).

Como é referido no início, estas estimativas têm limitações (a maior das quais talvez seja o não ser possível distinguir com precisão a emigração «forçada» da emigração «voluntária»). Mas não me parece que as principais limitações sejam as que o Pyros assinala.

Nós sabemos que era muito mais fácil ignorar em absoluto as migrações de activos, quando se fala de emprego e desemprego. No limite até seria bastante mais cómodo manter artificialmente a taxa de desemprego: quem perdesse o emprego era expatriado ou convidado a sair do país e não se falava mais nisso...
Espera, acho que me lembro de alguém ter sugerido isso mesmo, de ter «convidado» os desempregados a sair do país e a abandonar a sua «zona de conforto». Não, não pode ser. É confusão minha com certeza.

Anónimo disse...

"Mas vamos por partes. A razão que leva a considerar a emigração nas estimativas de desemprego em sentido lato é bastante simples. Basta pensar que, se tivessem permanecido, os emigrantes que saíram do país por não encontrar trabalho seriam forçosamente contabilizados nos contingentes de população activa e de desemprego."

Em que medida é que uma pessoa que foi forçada a emigrar para arranjar emprego (e portanto deixou de constar das estatísticas oficiais de desemprego) se distingue de uma pessoa que foi forçada a aceitar um trabalho nos Açores sendo de Vila Real (p. ex.)? Ou foi forçada a aceitar um emprego numa área que não é da sua preferência?

Anónimo disse...

"Em que medida é que uma pessoa que foi forçada a emigrar para arranjar emprego (e portanto deixou de constar das estatísticas oficiais de desemprego) se distingue de uma pessoa que foi forçada a aceitar um trabalho nos Açores sendo de Vila Real (p. ex.)? Ou foi forçada a aceitar um emprego numa área que não é da sua preferência?"

Isto deve ser brincadeira. Sem desprimor para o horror que constitui a deslocalização dos trabalhadores, confundir a ida para os Açores ou para Vila Real com a emigração para o estrangeiro só pode ser fruto de alguém que nunca foi emigrante e que nunca sentiu na pele o racismo larvar ( ou patente) dalgumas das sociedades ditas democráticas. Ou que nunca sentiu a barreira da língua a queimar-lhe as entranhas ,dele, do trabalhador e/ou dos seus familiares.
Raia o obsceno.

Não se sabe se tais barbaridades resultam do desconhecimento da vida , se do desconhecimento da vida de quem trabalha ou se de posições ideológicas neoliberais mais ou menos fundamentalistas. Claro que isto está tudo ligado mas agora não interessa ir por aí

De