terça-feira, 1 de novembro de 2011

Agonia

Fiquei agoniado com o editorial do Público de hoje. Nunca pensei que alguém pudesse saudar o “legado” de Jean-Claude Trichet. Mas qual legado? Milhões de vidas destroçadas pelo desemprego é só uma das heranças de alguém que não viu a crise a tempo e horas, toldado que estava pelas teorias e pelos interesses do capital financeiro, pela obsessão com a inflação. Alguém que, portanto, esteve sempre atrás dos acontecimentos – desde a descida tardia e insuficiente das taxas de juro até às relutantes intervenções no mercado secundário da dívida dita soberana, naturalmente incapazes de barrar a especulação. O BCE, sob a sua direcção, travou uma batalha contra a ideia de banco central, para retomar os termos de Bradford DeLong. Mas o pior de tudo talvez tenha sido a aposta, expressa em vários artigos e pressões políticas, na desgraça de uma austeridade dita expansionista, mas negada por toda a evidência disponível. Uma austeridade que, na realidade, está a destruir a Europa a partir das suas periferias. O BCE, sob a sua direcção, foi o elemento mais ortodoxo das troikas, fazendo com que o FMI pudesse parecer heterodoxo. Não esqueçam também a sua correspondente aposta na redução dos direitos laborais e sociais ou a sua defesa de um sistema bancário que nos trouxe até aqui. Trichet não é o único responsável, claro, mas as acções e omissões do BCE que dirigiu não serão esquecidas. O seu nome ficará indelevelmente associado à crise, ao desemprego e à desesperança. E nenhum panegírico apagará isto.

8 comentários:

João Carlos Graça disse...

E que tal a do "j'irai cracher sur vos tombes", do BV? (Aplicado ao Trichet e ao Público, claro). E ainda por cima, "alentejanando":
http://alentejanando.weblog.com.pt/arquivo/152516.html

Pedro Veiga disse...

Tenho estado a seguir as notícias económicas e constato que a crise do euro está a progredir a uma velocidade vertiginosa (instabilidade política na Grécia, juros italianos a subir, reuniões de emergência dos vários lideres europeus, bolsas a cair,...). Será isto o princípio do fim do euro?
A este propósito, uma das últimas crónicas de Paul Krugman é muito preocupante (http://krugman.blogs.nytimes.com/2011/11/01/eurodammerung/).

o meu MBA sempre serve para algo... disse...

O mandato do BCE é assim:

1 - manter inflaçäo baixa
2 - ver ponto 1

Seja o Trichet, o Draghi, o Prof. Karamba.

A crise näo é causada pelo Euro, é causado pelos especuladores, com a conivência alemä de näo querer as obrigaçöes europeias nem mudar o mandato do BCE. E PONTO FINAL.

Trichet poderia ter actuado de forma diferente? Sim, se essa "actuaçäo diferente" näo gerasse inflaçäo. Logo violaria o mandato do BCE.

A chave para a saída da cryse das dívidas soberanas näo está no BCE, está no PE e CE (leis de controlo financeiro)... porque o BCE näo tem mandato para emitir obrigaçöes.

O que é facto é que se näo existisse o Euro o Sul da Europa agora teria a austeridade E hiperinflaçäo E depressäo E poupanças reduzidas em >20%.

O Trichet vai pro esquecimento, como o resto dos presidentes do BCE...

Anónimo disse...

Se a inflação tivesse disparado, não teriamos dívidas de 90 ou 144% do PIB na europa e sim de 150 ou 200% do PIB.

O crescimento do peso do estado na economia, que decresceu desde 1961 apenas em Hong-kong e desde os anos 90 na Ásia nos países do leste e na China

O Ulster já está nos 81% a G.b no seu todo o peso do estado é 53%

no Ulster em 1991 (john Major time)
o peso era de 50 e quê?
os estaleiros fecharam o aço foi-se restaram serviços serviços serviços

e serviços são consumidores secundários de impostos

não geram receitas...adios

a crise permanecerá...é simples

Green Polpot disse...

Temos de meter os velhotes em campos de reeducação e reeducá-los em bifes e ração para o gado.
Soylent Green forever

Miguel disse...

Irra, até que enfim que vejo um post que consegue sintetizar o que interessa!
Bom, pormenorizando mas não muito (que isto é só uma caixa de comentários), há que conceder, como disse o outro comentador ali em cima, que Trichet não poderia fazer muito mais. O mandato do BCE não o permite, ao contrário, por exemplo, do mandato da FED, que tem mais um ponto além do que concerne à inflação, e que é... o crescimento por via da criação de emprego. Enfim, isto agora levava-nos longe! Epá, mas obrigado pelo teu posto, é de valor.

João Carlos Graça disse...

Robert Peel foi um conservador que, sendo rato sábio e "pragmático", como todo o político inteligente tende em determinadas circunstâncias a ser, se adaptou entretanto a parte significativa das reivindicações "cartistas" e "radicais" do seu tempo, ultrapassando com isso "pela esquerda" os então liberais oficiais “of the day”.
O parlamentarismo, de facto, sobretudo se associado a tendências de fundo democratizadoras, pode produzir resultados interessantes. A questão de a elite política poder e dever proceder propriamente de forma política - isto é, criadora e não meramente “cretino/silogística”, por oposição ao que tende a fazer um mandarinato ideologicamente fanatizado, ou pior ainda um simples grupo de mandaretes ao serviço de “vested interests”, que já nem sequer têm ideologia enquanto "falsa consciência", porque na verdade não têm consciência de todo - é ela própria sem dúvida também muito interessante.
Por estas e por outras, os British, que não têm constituição escrita, tendem realmente em parte a proceder como se tivessem, e como se essa tal constituição (inexistente) os mandasse pôr o poder político a favor da "greatest happiness of the greatest number"...
E por cá? Bom, por cá é, como se sabe, o grande, tremendo problema dos perigos da hiper-inflação, as enormes vantagens da “estabilidade de preços” e outras patacoadas semelhantes... Ohohoh... seria de facto supracómico, se não fosse trágico.
E ainda há quem lhes lave a roupa. E quem lhes leia os livros. E quem lhes frequente os MBA. E quem acredite no "nobre projecto europeísta", ou pelo menos na possibilidade de o “corrigir” democraticamente. E em “rebéubéu, sparrows to the nest”, etc.
O Tory oitocentista Robert Peel como modelo daquilo que, dadas as circunstâncias, até seria um político porreiro, pá... Está, realmente, tudo dito.

o meu MBA sempre serve para algo... disse...

O JCG é adepto da inflaçäo, está visto. Eu näo, porque fui poupando ao longo da vida, näo devo NADA ao banco, sou LIVRE.
Uso um telemóvel e PC velhos (chamam-lhes "velhos" um ano depois de os comprar), alugo carro, viajo de comboio... näo me gabo das minhas escolhas, mas é graças a elas que näo ando aí a chorar pelos cantos "ai a minha vidinha". Aos bancos e seus especuladores há que dar rédea curta, mas isso só marginalmente tem a ver com o euro. Eu vivi várias Crises do escudo, obrigado mas näo tenho saudades.

Claro que quem viveu acima das próprias possibilidades quer é que os bancos onde têm as dívidas väo à falência, pensam que desse modo as dívidas ficam saldadas.

Era bom, era...