sábado, 13 de julho de 2024

Gramscianos


Não podemos aceitar a falsa antinomia – colocada e utilizada pela própria ditadura – entre nacionalismo e democracia. Não se trata de contrapor medidas liberalizantes, a um suposto nacional-estatismo de fundo autoritário, mas sim de opor um autêntico nacionalismo democrático e popular às manobras demagógicas e “patrioteiras” de um fascismo objetivamente entreguista. 

No ano em que nasci, 1977, Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) fazia, a partir do Brasil, uma distinção com validade para lá desse grande país. Coutinho foi talvez o principal gramsciano brasileiro – coeditor dos vários volumes dos Cadernos do Cárcere, integralmente traduzidos no Brasil, e autor de pelo menos uma clarificadora introdução à vida e pensamento de Gramsci, disponível em pdf numa das suas primeiras edições (tem tido várias). 

Hoje em dia, uma parte da intelectualidade de esquerda gosta muito de mobilizar Antonio Gramsci (1891-1937). Foi um dos fundadores do Partido Comunista Italiano e morreu nas prisões do fascismo, não sem antes legar à posteridade os tais cadernos e tantos outros escritos anteriores. 

Provavelmente influenciados por alguns usos e abusos a que o pobre Gramsci tem sido submetido na academia, julgo que muitos, sobretudo deste lado do Atlântico, tendem a ignorar uma das principais mensagens dos seus escritos: é preciso encontrar os sinais deixados pelos subalternos nas peculiares e contraditórias tradições nacionais. 

Trata-se de uma condição político-cultural necessária para criar uma vontade geral nacional-popular hegemónica, capaz de saltar das sempre parciais lutas económicas para o plano mais abrangente da liderança ético-política, criadora de uma nova ordem, de uma sociedade regulada de cariz socialista. 

Hegemonia é em Gramsci a articulação entre coerção minimizada e consenso maximizado, uma congruência entre as sempre interligadas relações sociais de produção e superestruturas político-ideológicas, digamos. 

E é para a mudança progressiva, mas radical, que serve o “novo príncipe”, o intelectual coletivo, o Partido, segundo o particularmente atento leitor de Maquiavel. Tudo tem de ser pensado e organizado no fluxo da história: leninismo para guerra de posição, para lá de Outubro, no fundo. 

Aprende-se isto lendo Gramsci, ajudado pelos seus principais intérpretes. Álvaro Cunhal também escrevia como Coutinho deste lado do Atlântico. O historiador João Arsénio Nunes já sublinhou o momento gramsciano no seu pensamento desde a juventude. Desculpem, mas recuámos tanto nesta área. 

Entretanto, o discreto, mas consistente, trabalho de Carlos Carujo, intelectual do Bloco de Esquerda, é incontornável para pensar com Gramsci em Portugal, até porque coordenou a mais recente edição dos Cadernos do Cárcere escolhidos, embora não sublinhe tanto esta dimensão nacional-popular, creio. E a enciclopédia Einaudi, que está tão bem traduzida, tem um volume sobre política, onde pontificam excelentes textos gramscianos italianos.

Aprender sempre, mas sempre.

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