terça-feira, 30 de julho de 2024

Como uma fresta de luz


Por entre os inúmeros artigos e textos de opinião assentes na ideia de que a atual crise de habitação se resume a uma mera falta de casas, que se resolve simplesmente com o aumento da construção e a subsidiação da procura, eis que, de quando em quando, na imprensa mainstream, surge uma análise a distanciar-se dessa linha, tão hegemónica quanto frágil. É o caso do recente artigo de João Silvestre, no Expresso, que sublinha duas ideias essenciais: que o imobiliário constitui um setor de investimento financeiro e que se trata de um setor de investimento financeiro muito atrativo.

«Muitos portugueses acreditam que as casas são o melhor investimento que existe. Que os seus preços sobem sempre e o retorno é garantido», e «mais ainda após anos com o mercado imobiliário a valorizar a grande velocidade», assinala João Silvestre, dando nota de um valor médio de valorização a rondar, desde 2009, os 5,1%, «superior, por exemplo, à taxa média dos depósitos a prazo (1,3%) ou à yield média das obrigações do Tesouro a 10 anos (3,9%)».

É certo que o editor do Expresso se refere a estes investimentos, nos quais as casas funcionam como ativos financeiros (para lá, portanto, da sua função residencial), sem identificar a sua intensificação e internacionalização desde a crise financeira), a par dos impactos, nos sistemas de habitação nacionais, associados à expansão do turismo internacional. Mas a noção de que a atual crise se explica pelo surgimento e recrudescimento destas novas procuras no seu conjunto - e não de um alegado desajuste entre o número de famílias e de alojamentos (que nem sequer existe), é uma fresta de luz no debate, que importa assinalar e saudar.

1 comentário:

Anónimo disse...

As casas são compradas como um ativo financeiro, mas isso não explica porque não são colocadas no mercado. Para um investidor tanto se dá que o seu ativo seja alugado a um casal nacional ou que fique fechado sem ninguém. A pergunta é porque é que não se usam os ativos financeiros para construir para alugar, como se fez entre os anos 50 e 70 do século passado. A minha convicção não fundamentada é que não há casais com dinheiro para alugar casa. Anos de degradação dos salários tinham de ter efeitos.