Ficha da PIDE de Vasco Granja
Vasco Granja (1925-2009) faz parte da minha memória mais querida, de tantas horas passadas em frente ao pequeno grande ecrã, em liberdade. Tenho uma dívida política e cultural imensa. Temos. Era um tempo em que os nossos pais, felizmente para eles e para nós, não tinham “escolha”, algo muito sobrestimado hoje em dia, mas em que havia mais diversidade.
Era um tempo em que o serviço público de televisão podia ser visto como um prolongamento da melhor ideia de escola pública: educar o gosto, formar, interpelar e, claro, divertir. E a escola era para todas as idades, naturalmente.
Este tempo não foi totalmente derrotado, ainda faz parte de uma parte tão liberalmente apoucada do nosso presente, bem sei. Mas se tivesse deixado sempre o meu filho sozinho à frente do ecrã, com tanta “escolha” em torno do mesmo no cabo, ele teria acesso a muito menos diversidade e sobretudo a deseducação.
A desigualdade aumentou, portanto.
Atentai no facto bruto, que só pode ser superado pela ação coletiva: quando as crianças dependem mais das “escolhas” dos pais retrocedemos civilizacionalmente. A direita egoísta não quer outra coisa.
Lembro-me das explosões “fáceis” de cor e de desenhos “difíceis”, com um ponto e um traço ao lado, que se mexiam ocasionalmente. Lembro-me do que vinha dos EUA, mas também da animação que vinha do socialismo onde fazia frio frio (União Soviética) e do socialismo onde fazia calor (Cuba).
Lembro-me da voz e do olhar de Vasco Granja, um amigo e camarada que nunca conheci pessoalmente. E não, não é no sentido partidário, caro a este militante do PCP desde os anos 1950, mas no sentido talvez mais profundo, partindo da definição dada por Jodi Dean: “alguém com quem contas”.
A luta pelo florescimento humano, pelo acesso aos bens culturais, nunca termina. É uma luta contra o mercado sem fim, contra as preferências dadas, como defendeu Russell Keat num livro raro, que podem encontrar em acesso livre por aí. Sim, é uma luta contra a “ciência” mais esquálida, a que ofusca que as “preferências” são sempre formadas ou deformadas pelos aparelhos sempre ideológicos; e preferências não são valores.
É sabido que a luta por bens culturais, acessíveis a todos, fez parte da vida de Vasco Granja. E luta melhor não houve, há ou haverá.
3 comentários:
Mais escolha e menos diversidade, muito acertado.
E eu que preferia o Tex Avery, recordo agora aqueles rabiscos a tomarem forma e vida.
E a enorme divulgação que ele fez da banda desenhada particularmente na revista "Tintin". E como era importador de bd possibilitava-nos adquirir muitas obras que não se encontravam em Portugal. Comigo foram centenas...
Que bela homenagem. Também me recordo bem das horas a ver a animação que ele apresentava e, um dia, na Faculdade de ciências, tive o prazer e a honra de o conhecer e ouvir.
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