quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

CTT: um modelo de privatizações desastrosas

 

Os CTT voltaram ao debate público com a notícia de que o Estado adquiriu 0,24% das ações da empresa há três anos. Se é difícil perceber o motivo pelo qual o governo decidiu adquirir uma fração tão residual da empresa, mais difícil ainda é perceber o alvoroço dos partidos de direita com esta decisão. No entanto, esta é uma boa oportunidade para revisitar a história de uma privatização desastrosa que tem tido custos significativos para o país. 

A privatização dos CTT, inscrita no memorando da Troika, foi feita em duas rondas pelo governo PSD-CDS: no fim de 2013, o Estado vendeu uma participação de 70% da empresa e, já em 2014, os restantes 30% foram vendidos a investidores institucionais, entre os quais alguns grandes bancos de investimento, como a Goldman Sachs ou o Deutsche Bank e gestoras de ativos como a Standard Life ou a Allianz Global Investors. Nesta operação, o Estado recebeu €909 milhões.

Um dos principais argumentos para a privatização era que a gestão privada seria mais eficiente. A realidade foi outra: apesar de ter encerrado balcões e despedido trabalhadores, os lucros diminuíram (de €61 milhões em 2013 para €29,2 milhões em 2019). O encerramento de balcões agravou os problemas de isolamento de algumas regiões do país. Além disso, a gestão privada piorou a qualidade do serviço: ano após ano, os CTT falharam todos os indicadores de qualidade definidos pela entidade reguladora.


A auditoria da Inspeção-Geral das Finanças aponta no mesmo sentido: houve uma degradação do serviço desde a privatização dos CTT, sobretudo no que diz respeito a prazos de entrega, densidade de pontos de acesso, regularidade e fiabilidade do serviço.

Outro argumento para a privatização era o de que os privados assumem os riscos do negócio. Mas este é novamente um equívoco: em 2021, os CTT foram uma das várias empresas privadas que pediu uma compensação financeira ao Estado pelo impacto da pandemia na sua atividade, embora, no mesmo ano, não tenha abdicado de distribuir dividendos.

Apesar de os lucros terem diminuído, a gestão privada foi bastante generosa na distribuição de dividendos aos acionistas. Até 2021, foram distribuídos €375,8 milhões aos acionistas (90% dos lucros acumulados) e houve anos em que os dividendos foram superiores aos lucros. A gestão privada tem-se revelado extremamente eficiente... para si própria: o CEO dos CTT recebe 26 vezes mais do que a média dos trabalhadores da empresa, seguindo a tendência que se verifica nas grandes empresas em Portugal.



Além disso, a gestão privada criou um novo banco - o banco CTT - que funciona em instalações dos correios. Há indícios de que a empresa tem recorrido a contabilidade criativa para subvalorizar os custos da atividade bancária e sobrevalorizar os custos do serviço postal com o intuito de distorcer os preços fixados pelo regulador, que se tornam mais elevados que o necessário.

Apesar de oito anos de gestão privada terem resultado em pior qualidade do serviço e preços mais altos, o governo do PS recusou recuperar o controlo público da empresa e renovou a concessão do serviço postal até 2028, numa decisão que dificilmente se consegue justificar. A privatização destruiu uma empresa lucrativa e que prestava um serviço importante à população do país. Em dez anos, a qualidade do serviço piorou, os preços aumentaram e o Estado perdeu mais um ativo, tudo em benefício de um grupo de acionistas privados. Recuperar o controlo público é o mínimo.

1 comentário:

António Alves Barros Lopes disse...

Quando andava na tropa, se danificasse uma arma ou um cantil estava a danificar Propriedade Nacional (do estado) e pagava o estrago.
Desbaratar património deveria ser crime ( Digp eu! - E quem sou eu para dizer algo???)