O interesse intelectual não é função do posicionamento ideológico, como nos ensinou o grande historiador marxista Perry Anderson, que escreve com mais entusiasmo sobre pensadores reacionários do que sobre pensadores ditos progressistas. Nada do que Anderson tem escrito está editado em Portugal, tirando os seus trabalhos dos anos 1970, o que é revelador.
Digo isto sobre posições intelectuais também com conhecimento de causa, e nem gosto deste momento ensimesmado, dado que passei vários anos a estudar Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Francis Fukuyama ou o bem menos interessante Milton Friedman.
Miguel Morgado é professor da Universidade Católica Portuguesa, tradutor de Montesquieu e ideólogo do PSD que é definitivamente de Passos Coelho. E é liberal até dizer chega, como se viu no último episódio de violenta convergência à direita. Houve um tempo em que passei muitas e boas horas a estudar na biblioteca João Paulo II. A quantidade de livros sobre socialismo e marxismo que ali havia foi uma das coisas que me surpreendeu e ensinou.
Estudar o adversário, tentar suspender por algum tempo o juízo crítico, assumir que fizeram o melhor que conseguiram, sentir empatia até. Afinal de contas, na Viena vermelha, nas mais radicais condições dos anos 1920, eles discutiam uns com os outros em seminários. Falo dos austromarxistas e dos proto-neoliberais, antes de os últimos usarem a força das armas para suportarem o argumento económico, como denunciou Karl Polanyi.
E, claro, sujeitar tudo à razão crítica, sabendo que alguma coisa se pode levar para o outro lado sempre. O inimigo tem ganho, e não só por questões de poder, afinal de contas. E nem os mortos estão à salvo, meus amigos, nem os mortos estão a salvo.
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