Dada a falta de pluralismo no jornalismo e o declínio editorial geral, sou tentado a concordar com Vital Moreira – “Não se pode ter o sol na eira e a chuva no nabal”. Não se pode defender o liberalismo e depois, quando as coisas apertam, o socialismo.
Mas devemos resistir à tentação de aderir às ficções liberais que a própria comunicação social dominante veicula. O jornalismo é demasiado importante para a democracia para ser deixado “ao mercado”, entidade vaporosa que disfarça mal certos e determinados capitalistas com projetos políticos tantas vezes abertamente antidemocráticos. O ministro Pedro Adão e Silva tinha a obrigação de saber isto.
Não vou, obviamente, discutir constitucionalismo com Vital Moreira. Faço-lhe uma pergunta direta, dada a ambiguidade com que embrulha o seu argumento dito constitucional: a Constituição permite ou não a propriedade pública de jornais, e, já agora, o apoio à constituição de cooperativas nesta área?
E por falar em ficções: “numa democracia liberal não cabe ao Estado gerir órgãos de comunicação, por serem reserva de entidades privadas, como garantia da liberdade e do pluralismo da imprensa”. A nossa Constituição fixa uma democracia sem adjetivos, creio: um Estado de Direito Democrático e Social, como gostava de dizer Jorge Leite. Faço-lhe então outra pergunta: já atentou na precariedade laboral liberticida na comunicação social, já atentou na falta de pluralismo?
A corajosa proposta nacionalizadora de Ana Sá Lopes merece ser apoiada e desenvolvida, ao invés de apoucada. Para lá do reforço do pólo público, com garantias de independência, fixadas por jornalistas com contratos estáveis, em redações organizadas, é preciso apoiar os projetos cooperativos na imprensa: o importante é mesmo o controlo jornalístico do processo de produção noticioso. Seria bastante melhor do que dar dinheiro, como já se fez, a vendilhões, os que têm negacionistas das ciências, caso de José Gomes Ferreira, como responsáveis de “informação”.
Mas, lá está, uma economia mista nesta área deve ser muito radical para o ordoliberalismo de Vital Moreira. E, agora, este ordoliberalismo é cruzado com a tradição austríaca, dado que cita apologeticamente Schumpeter, de resto um adversário denodado da social-democracia.
1 comentário:
Teoricamente a proposta é correcta, só que a garantia de independência, rigor informativo, pluralismo é diariamente e com contumácia desmentida pelo serviço público de comunicação social. Basta compulsar os noticiários e outros programas informativos dos vários canais da RTP, listar os comentadores, os participantes nos programas de debate político, para se verificar que as diferenças entre a comunicação social pública e a detida pelos grupos económicos é mínima e está completamente alinhada com o pensamento dominante. Nacionalizar a Global Média, como propõe a Ana Sá Lopes, movida por solidariedades corporativas, pouco ou nada garante sobre um radioso futuro de independência e pluralismo informativo. O exemplo pode ser colhido na casa onde ela trabalha que desde 1990,quando Belmiro de Azevedo decidiu investir num "perdócio", até hoje tem um percurso de clara degradação do pluralismo, independência e rigor informativo. São cada vez menos os jornalistas padronizados, são cada vez mais residuais, ainda que brilhantes e assertivos, os colaboradores externos não alinhados com os parâmetros editoriais que vão derrapando num sentido de todos nós conhecido.
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