terça-feira, 30 de maio de 2023

Talvez o BCE tenha começado a perceber


Há cerca de seis meses, no seu Relatório de Estabilidade Financeira, o BCE viu «sinais de que a expansão do mercado imobiliário dos últimos anos» poderia «estar a chegar ao fim», prevendo uma «inversão do ciclo», com os financiadores de crédito imobiliário «mais cautelosos» face ao risco de a correção significativa de preços poder gerar «perdas entre os investidores». Entre os fatores que estão na base dessa inversão, o BCE destaca a sua própria opção pelo aumento das taxas de juro, que retrai as famílias na «intenção de comprar ou construir casa».

Curiosamente, e pelo menos em relação ao caso português, o BCE vem agora anunciar que os preços das casas vão continuar a aumentar, mesmo que a um menor ritmo, afirmando ser «improvável» que os valores desçam de forma acentuada nos tempos mais próximos. A justificar esta previsão, o BCE assinala dois fatores: escassez de casas no mercado e «forte procura por parte de investidores estrangeiros». E, nem de propósito, a Confidencial Imobiliário assinalou entretanto que os preços no 1º trimestre de 2023 revelam «uma intensificação face ao 4º trimestre de 2022» em Lisboa, com a variação homóloga a «superar os 15% na esmagadora maioria dos concelhos» da AML.

Talvez o caso português, entre outros, ajude de facto o BCE a perceber que o efeito da subida das taxas de juro é apenas uma das variáveis na equação do aumento ou descida dos preços das casas. Isto é, que sendo inegável o seu impacto nas opções de muitas famílias, levando-as, para já, a suster o investimento na compra ou construção, tal não significa que essa medida tenha o mesmo efeito em todos os investidores, e nomeadamente nos que, nacionais ou estrangeiros, operam a partir de lógicas especulativas.

Ou seja, e como já referimos aqui, «a expectativa do BCE quanto a um "arrefecimento" do mercado imobiliário, a ponto de o mesmo se traduzir numa "viragem" relativamente à expansão registada nos últimos anos, estará muito dependente da saúde financeira de segmentos da procura que olham para as casas como ativos de investimento». Até porque, tudo o indica, a questão da alegada «falta de casas», tanto em Portugal como na Europa - num contexto em que os salários não acompanham o aumento do preço das habitações - resulta sobretudo dessas novas formas de procura (e da sua internacionalização), e não do aumento do número de famílias ou da redução do número de alojamentos, ao longo da última década.

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