segunda-feira, 22 de maio de 2023

Expectativa racional


Na semana passada, faleceu Robert Lucas (1937-2023), prémio “em memória” de Alfred Nobel, atribuído pelo Banco Central da Suécia, em 1995. A seguir a Milton Friedman, foi o mais influente economista de Chicago, pai de Chicago Boys mais dados à construção de modelos.  

Contribuiu para que a macroeconomia convencional fosse reduzida a uma microeconomia, marcada pela seguinte hipótese “comportamental”: “o” agente económico é um demiurgo, omnisciente e omnipotente; as “expetativas racionais”, no fundo. Os mercados sem fim, povoados por este agente representativo, são eficientes e autorreguláveis e a melhor política económica é a ausência de política e daí a sua proclamação da morte do keynesianismo em 1979, ano do choque de Volcker. Só na mais policiada das ciências sociais é que fantasias ideológicas, disfarçadas por símbolos matemáticos, passam por ciência. E a morte de Keynes foi manifestamente exagerada. Afinal de contas, a realidade tem um enviesamento que lhe é favorável.

Em 2003, num revelador discurso, enquanto Presidente da American Economic Association, saudava a estabilidade do capitalismo neoliberal, a capacidade dos economistas e das economias para superar em definitivo o problema da depressão, focando-se no que importa: políticas económicas a favor dos ricos, perdão pela imprecisão, “políticas da oferta orientadas para o longo prazo”, que “aumentem o incentivo para poupar e investir”, porque a sabedoria convencional diz que o investimento depende da poupança (é ao contrário, logicamente, numa economia monetária de produção centrada no crédito). 

A sua complacência, chamemos-lhe assim, foi a de uma comunidade inteira, com cada vez mais poder para atirar para a margem a tradição marxista e keynesiana, que insistia em estudar a realidade genuinamente macroeconómica, feita de conflito distributivo, incerteza radical, instabilidade financeira dos mercados liberalizados, moeda endógena, falácias da composição, racionalidade contextual, euforia e pânico, mecanismos causais reais, etc. 

Os factos brutos do capitalismo realmente existente, a prática da política económica ou a passagem irreversível do tempo histórico, numa época de “policrises”, também graças ao poder deste estado de espírito, tornam estas ideias de novo visivelmente irrelevantes, exceto para os académicos (e são muitos) que construíram carreiras e reputações em torno delas e dos seus “desenvolvimentos”. Haja, apesar do retrocesso das últimas décadas, confiança no progresso nas próximas, expectativa que creio racional em contexto de incerteza radical.

1 comentário:

Jose disse...

«a sabedoria convencional diz que o investimento depende da poupança (é ao contrário, logicamente, numa economia monetária de produção centrada no crédito)»

...como se vê pelos bancos que não precisam de aceitar depósitos...