A citação pode ser encontrada aqui.
Na realidade, ela retrata bem o que acontece quando se coloca um contabilista liberal a gerir uma economia. Pagar menos salários reduz os custos das empresas, mas reduz ainda mais os rendimentos de outras que vivem dos gastos de quem recebe salários. Mas tentemos fazer um resumo.
A 2 de Março de 2013 e fazendo jus às manifestações de 15 de Setembro de 2012 (contra as mexidas na TSU que cortavam os salários em 7% para os transferir para as empresas), realizaram-se mais manifestações de protesto no país contra as políticas de austeridade, traçadas no Memorando de Entendimento com a troica e que o Governo PSD/CDS de Pedro Passos Coelho abraçara como suas. Mais: abraçara como sendo as políticas estruturais que iriam salvar a competitividade do país.
Foi, aliás, exactamente isso que Passos Coelho foi dizer no debate parlamentar quinzenal que se realizou no dia seguinte, surdo às vozes da rua.
Durante desse debate, Passos Coelho autoelogiou-se por a União Europeia ter aceite uma flexibilização no pagamento do empréstimo à troica (ver aqui), sem perceber ainda aquilo que a UE já percebera: a encrenca que estavam a ser os programas de austeridade.
“Só é possível obter esta disponibilidade dos nossos parceiros para nos ajudar a regressar a financiamento não oficial na medida em que formos bem sucedidos a executar o nosso programa de ajustamento”, destacou Passos Coelho. “É preciso prosseguir com firmeza e resiliência o caminho que temos vindo a seguir”, acrescentou. Uma flexibilidade que vai surgir na medida em que “formos credíveis a corrigir os desequilíbrios, e na medida em que a nossa atitude não seja, como alguns querem, a de mudar de caminho e renegociar tudo, mas cumprir o essencial dos nossos objectivos. Esta é a primeira conclusão” que se retira da decisão tomada em Bruxelas, que ainda não forneceu “uma solução final, do ponto de vista técnico”. A outra conclusão que se deve retirar é que os parceiros europeus “instam-nos a seguir o caminho das reformas porque sabem que este resultado só será duradouro para futuro na medida em que seja acompanhado de uma reforma estrutural importante”, prosseguiu Passos Coelho. “Foi a ausência dessa reforma, aliada a falta de competitividade económica, a um nível elevado de endividamento” que conduziu o País a esta situação.
Um tipo de discurso que volta a ouvir-se de novo.
A questão da competitividade essa nunca chegou. E ainda esperamos por ela, apesar de o governo de António Costa insistir no grosso do pacote laboral de Passos Coelho (Agosto de 2012), para não ferir susceptibilidades em Bruxelas. Já sobre o salário mínimo, a frase de Passos Coelho surgiu depois de o secretário-geral do PS António José Seguro ter defendido o seu aumento como condição para a economia crescer. Como defendia a CGTP, o salário mínimo deveria ter chegado aos 500 euros em 2011, mas ainda estava abaixo disso:
"Estamos em Março de 2013 e o salário mínimo continua nos 485 euros, o que, retirando as contribuições obrigatórias para a segurança social, significa qualquer coisa perto de 432 euros", disse na altura o sceretário-geral da central sindical Arménio Carlos. Sobre a importância de aumentar o SMN ver aqui (procurar Barómetro nº12).
No Parlamento, Passos Coelho defendeu-se contra-atacando, leviana e cegamente, como faria qualquer crente deputado do partido da "Ilusão Liberal".
“Faço eu e o meu Governo mais para combater o desemprego naquilo que ele tem de estrutural do que o senhor deputado faz”, quando diz que “a primeira condição para ter política de crescimento é aumentar o salário mínimo”.
No 1º trimestre de 2013, segundo o INE, havia 927 mil desempregados, mas o número dos trabalhadores subutilizados atingia 1,419 milhões de trabalhadores.
“Quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exactamente a oposta. Foi isso que a Irlanda fez no início do seu programa”, recordou o primeiro-ministro. “Mas a Irlanda tinha um nível de salário mínimo substancialmente superior ao nosso”, reconheceu. “Foi por isso que o anterior Governo não incluiu essa cláusula” no Memorando de Entendimento, projectou Passos Coelho, e foi também por isso que o actual Governo não o fez.
Só faltou esclarecer o seu valor, mas não o fez. Como descreveu o jornalista Bruno Simões no mesmo artigo:
"a Irlanda estabelece legalmente o salário mínimo por hora trabalhada e por escalão de idade e de formação. Desceu o seu valor de referência para os adultos qualificados em 2010, que passou de 8,65 euros por hora para 7,65, e repôs agora o valor de então. Nos cálculos do Eurostat – feitos a partir de um método que permite comparações entre os vários países e que não coincidem com os valores legais (paridades do poder de compra) – a Irlanda é dos países europeus que garantem salário mínimo mais elevado: 1462 euros mensais, que comparam com 566 euros em Portugal".
Passos Coelho, mais a diante no debate, chegou mesmo a defender - naquele mantra sempre dito pelos deputados à direita - que aumentar o SMN provocaria o desemprego e que só se deve discutir o aumento do SMN quando o País tiver condições para tal, quando "o tecido
produtivo tenha condições para o fazer".
"Não deixaremos em sede de concertação social de discutir o aumento do salário mínimo nacional levado pelos aumentos de produtividade, numa altura em que o país esteja em condições de estar a ultrapassar, a dobrar o nível de atividade, que nesta altura ainda é recessivo e que nós queremos inverter para recuperação".
Na verdade, isso nunca aconteceu. O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira - que chegou depois a ser economista-chefe interino da OCDE até 2016 - ano em que foi agraciado por Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D.Henrique e passou para responsável dos estudos por país da OCDE - prometeu
uma ronda na concertação social para discutir o salário mínimo. O que nunca se realizou. O salário mínimo seria apenas aumentado para 505 euros em 2014 e parcialmente pago com verbas da Segurança Social...
Procure-se aqui o Caderno nº9 (pag.43 e 45) que se dedica às actas das reuniões da Comissão Permanente da Concertação Social e revela os subterfúgios usados para adiar sem prazo a questão:
O debate sobre o Salário Mínimo Nacional, no período do Governo PSD/CDS, é um caso paradigmático de como se adiou um assunto muito importante, mas tido como problemático. Repetidamente, o tema foi proposto por diversas confederações. A sua abordagem foi sendo prometida pelo governo, mas nunca aconteceu. Na reunião da CPCS de 17/04/2012, o secretário de Estado do Emprego disse que o governo pretendia discutir o SMN a 04/05/2012 e que estudos estariam a ser ultimados. Entretanto, na reunião de 02/05/2012 constatou-se que, ao arrepio da lei, ainda não se tinha formado a Comissão Interministerial responsável pelo estudo sobre o SMN. Realizou-se uma reunião da CPCS a 18/05/2012 para discutir esse tema, mas os estudos não foram previamente divulgados, com a exceção de um, considerado pelos parceiros sociais como “ultrapassado”, nomeadamente porque se baseava em estatísticas atrasadas e não avaliava “qualquer impacto” do aumento do salário mínimo. O secretário de Estado do Emprego acrescenta que “o principal problema reside porém no elevado nível de desemprego, sendo que os diversos estudos produzidos sobre a matéria se têm vindo a pronunciar desfavoravelmente ao aumento” do salário mínimo. Na reunião da CPCS de 01/06/2012, a CGTP criticou o consecutivo do adiamento do tema. Dois anos depois, mantinha-se o mesmo tipo de prática. Na reunião de 09/09/2014, esperava-se que o assunto estivesse sobre a mesa, mas nada se passou apesar das fortes críticas sindicais. Nessa reunião, a UGT referiu “o desconforto” por o Salário Mínimo não constar da ordem de trabalhos. Solicitou que fosse agendada “com a máxima urgência”. A CGTP lembrou que enviara um ofício ao ministro, propondo o agendamento e que não teve qualquer resposta: “Isto não é diálogo social: se a CGTP apresenta uma proposta, deve merecer uma resposta”. O ministro disse que fora distribuído um relatório sobre políticas de rendimentos e que a CGTP não fizera comentários. A CGTP respondeu que tinha de se pronunciar sobre relatórios, mas sobre propostas. O ministro propôs que o grupo de trabalho reunisse. A UGT disse que o tema deveria já vir à CPCS. A CGTP disse que é “um processo que se anda a arrastar e que deve ter um timing, não devendo ir além da apresentação do OE/2015”.
A discussão do Salário Mínimo Nacional constituiu-se também como um caso flagrante de substituição do espaço de diálogo tripartido por reuniões bilaterais cujos contornos, amplitude e conteúdos acordados não são plasmados em quaisquer documentos e, logo, sem conhecimento dos outros parceiros ou do público. A 24/09/2014 foi assinado o acordo tripartido entre o governo, as confederações patronais e a UGT, para o aumento do salário mínimo, sem a presença da CGTP e sem que o tema tivesse sido formalmente abordado em reunião prévia convocada para o efeito em sede de CPCS. Na reunião de 06/10/2014, o ministro da Solidariedade justificou essa decisão alegando que queria um acordo “o mais lato possível com os parceiros sociais” e que o novo Salário Mínimo entrasse já em vigor a 01/10/2014, o que “não permitiu a convocação de uma reunião da CPCS em tempo útil, razão pela qual submetia agora a ratificação o Acordo”. A CGTP acusou o governo “de falta de transparência e má-fé negocial”, pois o seu secretário-geral teria sido informado pelo primeiro-ministro “telefonicamente, uma hora antes da assinatura do acordo subscrito com outros parceiros e numa altura que o assunto já era público”, sendo inconsequente o pedido de ratificação já que o decreto-lei fora previamente publicado a 01/10/2014.
A CCP referiu que “não negociou com qualquer central sindical o acordo, mas sim com o Governo, estando em causa uma negociação um pouco atípica”. A UGT disse que não participou em quaisquer reuniões de concertação sobre aquele tema e que apenas tiveram contactos telefónicos com o Governo, achando que o correto teria sido a obtenção do acordo na CPCS. A CGTP enfatizou que “este é um momento negro para o diálogo social e a CPCS e confirma a falta de respeito do Governo para com os parceiros sociais e o presidente do CES”. O ministro respondeu que “era da maior importância que a atualização do SMN fosse feita por acordo com os parceiros sociais, capazes de assumir compromissos. A CGTP considerou que o ministro devia “respeitar a inteligência dos representantes dos parceiros sociais” e reafirmou que a CGTP “não se auto-excluiu, mas que foi excluída pelo Governo”. Que “não aceitam juízos de valor, mormente quando o Governo afirma que assinou com as organizações que têm capacidade de compromisso”. Esta é uma questão que a CGTP não irá deixar passar em branco”. O ministro pôs à votação a ratificação do acordo assinado a 24/09/2014, e votaram a favor a CCP, CIP, CTP e UGT. A CGTP votou contra, tendo feito a seguinte declaração de voto: “Naturalmente que votam contra o Acordo, pela insuficiência do valor e pela forma como todo o processo decorreu, mas não contra a atualização do SMN”.De 01/01/2011 a 01/10/2014, o consecutivo adiamento do debate sobre a atualização do SMN teve como consequência que o seu valor tivesse permanecido nos 485 euros. Esse valor fora decidido no final de dezembro de 2010 pelo governo socialista e – já por imposição externa – ficando aquém do acordo tripartido de 05/12/2006 que fixava o valor do salário mínimo para 2011, em 500 euros. O governo PSD/CDS começou por alegar as dificuldades económicas das empresas para não subir o salário mínimo e, nessa linha de raciocínio, o seu primeiro-ministro Pedro Passos Coelho chegou a defender que “quando um país enfrenta um nível elevado de desemprego, a medida mais sensata que se pode tomar é exatamente a oposta”, ou seja, descer o salário mínimo (debate parlamentar a 03/03/2013). Ao longo do período analisado, o governo socorreu-se igualmente – e de forma contraditória – do argumento de que não tinha sido o governo PSD/CDS a negociar o Memorando de Entendimento que congelara o seu valor em 485 euros.
Foi assim no reinado de Passos Coelho. Será parecido para os seus herdeiros, estando no PSD ou não.
7 comentários:
Pergunto-me se estamos em mais um episódio do psicodrama: "Estamos na merda, mas com o PPC estaríamos pior".
Mentiras atrás de mentiras é o que temos assistido em Portugal, na verdade o que esta gente diz é que um salário é um custo e como tal deve ser reduzido ou completamente eliminado, por vezes dizem-no evocando estudos que são um logro outras vezes nem isso, estes sociopatas têm de se tratar ou de ser tratados não há espaço para esta gente no reino da dignidade.
Caro José,
Creia-me que o problema das repetições da História é que as segundas versões são sempre um pouco "farsolas" e, por isso, mais perigosas, pelo desânimo que acarretam a quem não perde a memória ou a quem tem de viver com eles.
Só tento que não se esqueça o mau que já se viveu para que não se repitam políticas de comissários políticos, ignorantes, cegos e encharcados numa ideologia tecnicamente mal sustentada que não os deixa ver mais à frente que os dois chavões que aprenderam do que lhes imposto de fora.
João Ramos de Almeida é sempre tão cordial.
Comissários políticos canalhas claramente mal-intencionados encharcados numa ideologia assente em aldrabices ajudados por um exército de abutres comentadores mediáticos que de economia nada sabem e de austeridade para todos menos para eles e seus donos sabem tanto!
A questão do salário mínimo tem por principal relevância não se adequar à produtividade mínima mas sim a um qualquer padrão de rendimento tido por 'mínimo'.
Esse padrão sempre ignora o salário hora mínimo, quase incalculável por uma teia de direitos e garantias em que pelo menos 3/14 do rendimento é seguramente abrangido.
A esta má conta do quanto custa, corresponde a má conta do quanto produz, que praticamente ninguém calcula; daí que o calaceiro faz bom negócio e o trabalhador sai a perder...mas como desejavelmente somos todos muito 'iguais' há que padronizar muito e medir pouco, que isto de medir diferencia e pode ser visto como atentado à dignidade, que é matéria de largo espectro emocional.
De novo caro José,
Só alguém muito inviesadamente mal intencionado poderá achar por bem estabelecer a "calansice" dos trabalhadores como bitola para fixar um rendimento considerado mínimo para ele poder sobreviver. Mais um pouco e está a achar que o escravisão sempre deu melhores condições de vida do que um trabalho subordinado pago com a mísera quantia do ordenado mínimo e tinha a vantagem de impedir a peguiça laboral!
Cuidado com as escadas que está a descer...
Agradeço muito ao João Ramos Almeida esta memória dos anos de pesadelo, com Pedro Passos Coelho no poder.
De facto, se há coisas que não agradam às pessoas de direita, como o Jose, é precisamente a história e a memória.
Memória é coisa que a direita não usa. Só assim se percebe, como tentam regressar ao poder, dizendo mentiras e mais mentiras.
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