quarta-feira, 31 de março de 2021

A estranha aliança entre os "progressistas desempoeirados da academia" e a direita troglodita


Luís Aguiar-Conraria (sem surpresa) e Susana Peralta (com maior surpresa) decidiram partilhar um artigo do Observador, da autoria da autoria de Jorge Fernandes, transcrito aqui, que dá eco à tese de que Francisco Louçã e, por extensão, toda a esquerda à esquerda do PS, é negacionista do estalinismo. A tese é logicamente ridícula, porquanto parte dessa esquerda se construiu na crítica a essas mesmas experiências. Mas é fácil perceber esta tentativa da direita de eliminar o socialismo como alternativa democrática. Abaixo reproduzo o comentário que deixei no mural de Susana Peralta:

Por partes, que este tema está tão impregnado de falácias que enjoa. Mesmo que tomemos como bons os relatos históricos do Holodomor que a direita reclama, na linha de uma historiografia longe de consensual, há uma diferença substantiva entre uma política da liderança soviética que quis vergar setores da sua população como instrumento político, levando a situações de escassez a pontos de se ter praticado canibalismo, e a ideia de que os “comunistas comem criancinhas” como consequência de serem comunistas. Esta última ideia foi propalada pelos setores conservadores da sociedade portuguesa durante o Estado Novo e depois, pelos altares deste país, para evitar discutir alternativas para uma sociedade e explicar às pessoas que os comunistas eram muito maus, não gostavam de Deus e faziam coisas horríveis. Ligar uma coisa à outra é demagogia barata, que é o que a deputada municipal do PPM fez.

Segundo ponto: em termos estritamente lógicos, há uma diferença entre os atos cometidos por figuras em nome de ideias, mas cujos atos não decorrem diretamente dessas ideias, e atos que decorrem diretamente dos conceitos que defendem. Conceitos e ideias com séculos ou milénios de história têm mais propensão, por mera probabilidade, de terem sido capturados por pessoas com más intenções e ambições de poder. Exemplo: ninguém diz que um católico é a favor de queimar mulheres por serem bruxas e, no entanto, a igreja católica queimou hereges durante séculos. Por que motivo ninguém diz isto? Bom, porque em nenhum lado nas escrituras diz: ”amai e queimai o próximo”. É por isso que equiparar o nazismo e o comunismo é ridículo. O nazismo tem, na sua génese, uma ideia de segregação racial e religiosa que envolve cometer atrocidades contra minorias. Não foram homens que manipularam as ideias: seguiram-na apenas. O socialismo (e o comunismo) partem da ideia de que a igualdade jurídica entre os homens, como na sociedade liberal, não é suficiente. E apenas a igualdade no acesso aos meios de produção porá fim ao antagonismo entre classes e à injustiça económica e social que a partir dela se reproduz a partir da sociedade. Há aqui alguma tentativa de chacinar alguém? Não.

Finalmente, toda esta discussão é tanto mais ridícula quanto se faz contra setores que fizeram o seu percurso na esquerda a denunciar a distorção soviética de socialismo, em particular o estalinismo. Para estes setores, onde Louçã como trotskista obviamente se insere, mas também um vasto conjunto da esquerda à esquerda do PS, não há socialismo sem liberdade. Como diziam uns autocolantes da Política XXI, aquando da sua criação, o nosso socialismo tem “democracia sem fim”. É ridículo achar que alguém com um passado trotskista vem a público tentar branquear o estalinismo. Logicamente ridículo. Estes setores da esquerda têm dedicado muitos anos da sua história a apontar os erros do socialismo do partido único e de que como ele leva ao triunfo de apparatchiks e à morte de verdadeiros revolucionários. Os primeiros membros do comité central bolchevique que o digam, pois poucos sobraram depois dos Processos de Moscovo.

O que a direita quer fazer não é justiça na história. O que a direita está a fazer é a instrumentalizar uma tragédia humana para a colar ao conceito de socialismo e comunismo e neutralizar estas opções como legítimas no espaço público.

É deturpação tosca. E é surpreendente como pessoas alegadamente progressistas contribuem para o pagode.

15 comentários:

TINA's Nemesis disse...

Diogo Martins, no Antigo Testamento há claras incitações à violência.
No Novo Testamento, a vida de Cristo, tentaram-se redimir da ideia de um Deus punitivo.
Ainda assim, em nome de Cristo cometeram-se as maiores barbaridades e genocídios, os liberais não gostam de reconhecer isto...

Agora digam-me quem é que destes direitas segue os mandamentos de Cristo?
Alguns até gostam de dizer que são cristãos...
Onde estavam os valores cristãos de Paulo Portas quando se associou à invasão do Iraque?
Ou quando se deliciava com o tratamento de choque que a Troika e seu governo PAF estava a dar à maioria da população portuguesa?

Mário Reis disse...

Essa gentalha pseudo intelectual pretende é mascarar a total falência do indefensavel neoliberalismo e sistema "democratico" das corporacoes com a destruição irreversível e a guerra que o capitalismo causa aos povos e ao planeta.

Anónimo disse...

O progresso para esta gente é a eliminação do adversário. A mentira é o instrumento, não percebem nem reconhecem a necessidade da sociedade ser um local justo e inclusivo, são limitados na verdadeira acepcão da palavra, todo o seu discurso é um meio de apropriação e o seu poder assenta na força de uma arma. A ignorância não é culpa do ignorante, mas a sua expressão mata e isto é indesculpável.

Maria José disse...

para mim, ao ver aquele video da sra o que ali vejo é um ódio tremendo aos soviéticos, que nem sequer foi vivido por ela. Ninguém contesta que se praticaram actos de vandalismo naquela revolução, mas era bom que a sra viesse contar o que se passou no tempo dos czares. A riqueza faustosa dos nobres a que pertencem os pais e os avós maternos em contraste com a miséria do povo.
Este texto é mais uma contestação ao facto do Louçã ser de esquerda. Mais ódios acrescentados.

Anónimo disse...

Quanto mais atacam o chamado «estalinismo», mais esquecem de mencionar o que Hitler fez na sua campanha de Barbarossa na União Soviética.
Todos estes ataques que fazem ao socialismo, branqueiam os fascismos monstruosos vividos na Europa que contribuíram para um verdadeiro holocausto, como também o capitalismo e o imperialismo norte-americano (que ainda continua a praticar crimes no nosso planeta).

Veja-se, por exemplo, na nossa vizinha Espanha, as contribuição de alguns «progressistas desempoeirados» em atacar sempre as forças republicanas, enquanto branqueiam as matanças e os desparecidos por Franco.
Quando autores, como Artur Perez-Reverte e Juan Eslava Galán, disseram que «todos bebieron de la misma leche», apenas ajudaram a branquear os crimes de Franco e a esquecer as escavações arqueológicas que, todos os anos, revelam ainda mais as matanças praticada por Franco.

Jose disse...

«o socialismo como alternativa democrática»

Se se dessem ao trabalho de explicar, devagarinho, porque esse seu socialismo não é pura e simplesmente uma alternativa à democracia que conhecemos, como a experiência política sempre demonstrou, não correriam o risco de serem considerados negacionistas de uma experiência que sempre ou justificam ou não condenam.

Anónimo disse...

Recomendo « Fraud, Famine and Fascism - The Ukrainian Genocide Myth from Hitler to Harvard», de Douglas Tottle, para uma desmontagem rigorosa das mistificações historiográficas dos acontecimentos. Bem como dos interesseiros aproveitamentos reacionários, nada preocupados em averiguar e discutir realmente a veracidade histórica.

Pode ser obtido, gratuitamente, em

http://libgen.gs/ads.php?md5=357278305cdaaa4c3aea7b585f587664

Anónimo disse...

Muito bem a economista de esquerda a partilhar isto, e ainda a encaminhar os seus leitores para "a Mariana [que] transcreveu o artigo". Recomendo um passeio pelo mural da tal Mariana para que seja veja com quem convive bem.

Anónimo disse...

Jorge Fernandes é o típico exemplo de quem conspurca Stalin, para absolver os crimes de Hitler. Normalmente, esta gente admira toda a propaganda usada pelo regime nazi, desde as campanhas do exército alemão aos discursos de Adolfo Hitler. Sentem sempre algum constrangimento quando se critica os crimes de guerra do exército hitleriano. De modo a apaziguar essas fúrias, dedicam-se de corpo e alma à literatura contra Stalin. São muito unidos nestas campanhas sempre bem-vindas pelos meios de comunicação pagos. Por outro lado, são vaidosos e acabam sempre por ser antissociais.

Anónimo disse...

Quando ouvi a dita senhora originaria do Brasil, totalmente histerica, fiquei na duvida, do que afinal pretendia defender. Afinal a montanha pariu um rato, e fiquei a saber que a dita dirigente do PPM,confunde o Portugal de XXI , com o Portugal do seculo XIX, sendo uma fiel seguidora das praticas, e dos tiques dos TRAULITEIROS, do Miguel de Marialva....

Jaime Santos disse...

É verdade que a Esquerda trotskista portuguesa não pode ser acusada de defender o autoritarismo. Aliás, o BE, o herdeiro de todas as correntes não ou pós-estalinistas da Esquerda mais radical, não se coíbe de criticar todas as ditaduras de Esquerda, a começar pela angolana, sendo o único Partido em Portugal que não baixa as calças ao MPLA. Eles e algumas pessoas dentro do PS, honra lhes seja também feita.

Por oposição, o PCP defende-as, expondo o seu projeto soberanista como uma anedota nos seus próprios termos. Se é de soberania que gozam chineses, vietnamitas, norte-coreanos, venezuelanos, cubanos, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...

Mas o Diogo Martins passa toda a sua peça sem se referir ao óbvio ululante, a saber, se as derivas autoritárias do socialismo são um mero acidente, convenhamos que é um acidente que se repete com frequência. De todas as experiências socialistas, só a Guatemala de Arbenz e o Chile de Allende, e este porventura, que me lembre, é que não podem ser acusadas de esmagar a Liberdade na defesa da revolução.

Já Bakunine avisava para o perigo de o socialismo se transformar em ditadura em nome do comunismo...

E não vale a pena referir as experiências europeias porque essas caem no terreno da social-democracia e mesmo aí, convenhamos, os anos 70 e as crises petrolíferas foram o tudo o vento levou do modelo que efetivamente BE e PCP-PEV hoje defendem.

E enquanto não olharem para esse elefante na sala com honestidade, não se queixem das acusações da Direita porque elas carregam alguma razão, e não se façam por isso de virgens ofendidas...

Afonso VSá disse...

Excelente texto.

Anónimo disse...

«Quem dentre vós não tiver pecado, que atire a primeira pedra».

Em vez de acusarem o comunismo e Stalin de crimes contra a humanidade, esta direita e progressistas desempoeirados deveriam olhar para a nossa história, em particular para o período do reinado de D. João III e a origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal.
Deveriam também reler a obra de Alexandre Herculano que acusou (e bem) esses carrascos de canibalismo.

Ou será que vão continuar a olhar para os pecados dos outros e a pensar que esta terra (manchada de sangue) que é a nossa, sempre foi santa?

Anónimo disse...

O meu caro senhor está, com esse comentário, a propagar mentiras. Não é verdade que Arturo Pérez Reverte branqueie o franquismo, antes pelo contrário. O que o autor diz, e é comprovado pelo registo histórico, é que houve actos horríveis em ambos as retaguardas da Guerra Civil: tanto nas zonas partidárias da república, como naquelas onde o golpe triunfou. Arturo Pérez Reverte diz ainda que apesar que tenha havido matanças e repressão nos dois bandos, só um é que foi vítima ao acabar o conflito: o bando republicano. Ler as obras do autor que refere assim como acompanhar as suas opiniões ao longo do tempo é imprescindível para fazer um comentário desse tipo.

Anónimo disse...

O anónimo que escreveu o comentário em defesa do autor espanhol monárquico, Arturo Pérez Reverte, se esquece que o título da entrevista dada ao autor era o seguinte: «todos bebieron de la misma leche». Qual a ideia maior deste título que o autor aceitou para encabeçar a mesma entrevista?
Depois, Arturo Pérez Reverte, como sabe, nunca defendeu aquilo que chama de «bando» republicano. De facto, não foi nenhum bando aquele que combateu uma horda ou coligação de exércitos fascistas, como aquela que se apresentou em Espanha, nos anos de 1936 a 1939. Foi antes um exército popular, onde até participou uma brigada internacional que deu enorme ânimo à luta contra o fascismo em Espanha.
Infelizmente, este anónimo que escreveu o comentário de 2 de abril de 2021 às 20:14, não leu o que o mesmo autor Arturo Pérez Reverte foi dizendo, ao longo dos dias que se seguiram à mesma entrevista. Nem se quer leu as posições de Juan Eslava Galán, iguais a Pérez Reverte.

Felizmente, que as escavações arqueológicas que vão sendo feitas, estão a revelar a natureza cruel desse regime cruel, brutal e assassino que todos queremos nos ver livres da memória. As escavações vão dando uma ideia maior daquilo que aconteceu. Ao mesmo tempo, mostram como a mesma entrevista de Pérez-Reverte foi um ato precipitado.

Para o mesmo autor que escreveu o comentário de 2 de abril de 2021 às 20:14, o recente progresso da sociedade espanhola e as recentes descobertas de mais corrupção na monarquia espanhola, não se afigura nada bom para este autor vaidoso e oportunista que em 2019 se confessou de «republicano de corazón y monárquico de razón».