1. Quando se referiram à carta de Varoufakis, que solicitava a extensão do acordo de empréstimo com o Fundo de Estabilização Financeira, como um perigoso «cavalo de Troia», talvez os delegados alemães que participaram na reunião do Grupo de Trabalho do euro, realizada na passada quinta-feira, não tenham dado conta do alcance profundo da metáfora a que recorreram. Desconfiados de que a carta do ministro das Finanças grego poderia visar apenas a obtenção de um «financiamento de ponte», «pela porta das traseiras», os representantes do ministério das Finanças alemão, mandatados por Schäuble, decidiram exigir à Grécia «compromissos mais claros e convincentes».
2. Mas o que estava e continua a estar em causa, como assinalou o Manuel Esteves num artigo lapidar no Jornal de Negócios, é a determinação da Europa em «garantir que a Grécia prossegue o rol de políticas que foram prescritas a Portugal, Espanha, Irlanda e Chipre, entre outros», e que incluem «privatizações, flexibilização do mercado laboral, contenção de salários, desregulamentação dos mercados ou redução dos gastos do Estado com serviços públicos». Isto é, as sacrossantas reformas estruturais, essa «espécie de guia de boas práticas que qualquer governo sensato e realista deve seguir». O que obriga a que se faça tudo, mesmo tudo, para que o governo grego não consiga ser bem-sucedido.
3. A austeridade, enquanto solução para a crise, é um conto de fadas que já não convence nem uma criança de cinco anos, minimamente atenta ao mundo que a rodeia. Tal como não convencem as fábulas que se lhe associam, da «austeridade expansionista», das «gorduras do Estado Social», do «empreendedorismo» salvifico ou da «ética social na austeridade», entre outras. Essas são as fissuras que se foram formando nas muralhas do castelo e que, com o tempo, se vão tornando cada vez mais indisfarçáveis. A receita da austeridade, que infligiu um sofrimento tão atroz quanto inútil a milhões de pessoas, fracassou: na Grécia, a dívida pública passou de 133 para 175% entre 2010 e 2014 (quando a previsão inicial da troika apontava para que se atingissem os 144% em 2014); e em Portugal galopou, no mesmo período, de 93 para 129% (quando a versão inicial do memorando estimava um valor de 115% para 2014).
4. Como se torna cada vez mais evidente, a austeridade nunca serviu de facto para combater a crise, mas antes para criar o ambiente necessário à concretização da agenda ideológica que a direita neoliberal, entre nós, jamais conseguiria sufragar em eleições. Da liberalização do mercado de trabalho à destruição dos serviços públicos de saúde, educação e protecção social; das privatizações e mercantilização destes serviços ao aprofundamento da pobreza e das desigualdades como condição necessária para competir, mesmo que tal signifique um processo de subdesenvolvimento económico e de regressão civilizacional. A austeridade é apenas um meio, um instrumento necessário para prosseguir a proclamada «transformação estrutural» do país.
5. É por isso que o grego «cavalo de Troia» constitui um enorme perigo para governos como o europeu e o português, que tentam proteger e preservar um castelo já de si fissurado. Ele enuncia caminhos alternativos e decentes para a superação da crise, quebrando o status quo e ameaçando devolver aos Estados a capacidade de definir políticas de desenvolvimento económico e social, deslaçando assim os fios que a «federação» tece, «para condicionar o poder do povo». Sem a arma da dívida, do défice e da austeridade, como poderá a nossa direita conseguir chegar ao «fundo do pote»? Percebe-se bem que é aqui que radica o pânico e a histeria que se instalaram em Belém e em São Bento logo a seguir ao resultado das eleições gregas, e que tiveram continuidade no servilismo repugnante a que se prestou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, aninhada aos pés de Schäuble em Berlim. Se reconhecerem o fracasso, tendo que abdicar da camuflagem da austeridade, não lhes sobra nada. Nem programa, nem ideologia, para vencer eleições.
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8 comentários:
Essa é a questão, e o vírus continua lá!
Nem um mês decorrido e tanto ódio ao Syriza por parte das instituições europeias e seus cúmplices, como se fosse ele o responsável pelo descalabro na Grécia, pelas políticas aí seguidas…Percebe-se porquê.
Os tempos que aí vêm vão ser decisivos.
Uns querem manter-se à tona custe o que custar (como assinalado no ponto 5), a outros resta-lhes lutar para (sobre)viver.
Caro Nuno Serra,
Queira desculpar mas há um erro na imagem que ilustra o texto: é o novo Governo Grego que não quer mais dívida (nem pagar a anterior) mas pede um novo empréstimo.
Falharam, Falharam, Falharam...
Alguma coisa estava mal nas políticas da Grécia...silêncio.
Alguém conhece as políticas de crescimento do novo governo...silêncio.
Uma casa penhorada por dívidas é leiloada por razões ideológicas...Sim, como nas privatizações.
Falharam, Falharam, Falharam!
4. Sucede porém que a austeridade nunca serviu para combater a crise mas antes, como se torna cada vez mais evidente, para criar o ambiente necessário à concretização da agenda ideológica que a direita neoliberal, entre nós, jamais conseguiria sufragar em eleições. Da liberalização do mercado de trabalho à destruição dos serviços públicos de saúde, educação e protecção social; das privatizações e mercantilização destes serviços ao aprofundamento da pobreza e das desigualdades como condição necessária para competir, mesmo que tal signifique um processo de subdesenvolvimento económico e de regressão civilizacional. A austeridade é apenas um meio, um instrumento necessário para prosseguir a proclamada «transformação estrutural» do país.---e acima de tudo o sistema financeiro(com alguns bancos do norte europeu à cabeça)
Ana Draghi, Daniel Oliveira e o medíocre Rui Tavares exultam. O Syriza terá de ceder. Só não estão mais felizes porque o PASOK grego desapareceu e por isso o Syriza não pode salvá-los. E o Tempo de Recuar ainda escreve aquela carta cínica: aguentem que vamos ajudar, coligados com o PS daqui (que quer o afundamento das políticas anti-austeritárias).
Não concordo nem acho coerência nestes pontos de vista.
A independência é sempre desejável e possível, desde que se ganhe para os gastos.
O problema só existe porque os países deficitários querem ter direito ao excedentário dos outros. A mentira é que apresentam isso como um direito consuetedinario, baralhando os argumentos da falta de liberdade. A liberdade até seria uma prova de coerência e não a seiguir é uma capitulação que não abona.
"agenda ideológica que a direita neoliberal, entre nós, jamais conseguiria sufragar em eleições"
Faz-me lembrar o Valls em França: mesmo com maioria no parlamento teve de fazer o que tinha de ser feito através de decreto.
Fianlmente está provado o que tanta esquerda "democrática"tem evitado admitir<: e extrema-direita está a tomar conta da Europa, mandatada pelos interesses do grande capital e da finança, com a Alemanha à cabeça que mais uma vez quer dominar a Europa inteira, agora sem precisar de tamques e soldados;
Finalmente está provado que a UE não é reformável, como defendiam os PS's, incluindo o português, quando se lhes fazia ver que aqueles tratados eram o requiem do estado social, e como continuam a defender, naquela lenga-lenga cretina, mas entorpecente e por isso eficaz, que lhes garante o conforto e as mordomias.
Finalmente está provado que a único caminho é o da saída do Euro, e da implosão UE.É um camiho difícil, mas é a única alternativa à escravatura, ao governo único e gloabl das transnacionais, nas mãos de uma elite cada vez mais reduzida, mais poderosa e mais violente.
E é urgente, se não for já tarde demais.
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