Numa altura em que se discute o programa europeu para a Grécia, vale a pena fazer um pequeno ponto sobre os saldos primários excedentários gregos… e portugueses. Um saldo primário é a diferença entre as receitas e despesas do Estado antes das despesas com a dívida (juros e eventuais amortizações). Um excedente primário significa que o Estado está a receber mais do que gasta, antes da despesa com a dívida. O Estado está a poupar. Esta realidade tem implicações para a economia.
Uma economia pode ser dividida em sector público, sector privado (famílias e empresas) e resto do mundo. Os saldos entre eles têm que ser iguais a zero. Se um poupa então o outro tem que gastar mais do que recebe. Numa equação simples: saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado - saldo líquido com resto do mundo = 0. Se como acontece hoje na Grécia, e em Portugal, temos uma poupança do Estado, então o sector privado tem de gastar mais do que recebe (défice) e/ou o resto do mundo tem de gastar mais do que recebe do país em causa (excedente externo).
Aquando do início da crise, quer a Grécia, quer Portugal, acumularam gigantescos défices externos. O resultado foi por isso correspondentes défices nos sectores público e privados destes países. Com a austeridade violenta, os défices públicos e privado caíram em ambos países, logo o défice externo também caiu. Como a procura externa não aumentou o suficiente, a fonte externa de excedente foi pois a contracção do PIB e consequente redução de importações.
Hoje ambos os países têm saldos primários públicos positivos e pequenos excedentes externos. Há quem argumente que visto que o ajustamento já foi em grande medida feito, a manutenção do presente status quo não terá efeitos no produto destes países. Ou seja, uma pausa na austeridade tornaria o papel orçamental do sector público neutro em termos de impacto no sector privado (famílias e empresas). Tal conclusão é falsa. Na Grécia, com saldos orçamentais positivos superiores aos excedentes externos (que se mostram muito pouco sustentáveis), o resultado do primeiro só pode ser um: continuação da contracção da despesa do sector privado, recessão e redução de importações que possibilite o equilíbrio da equação. Conclusão, qualquer manutenção de saldos primários positivos implica sempre um impacto recessivo sobre a economia, tornando qualquer recuperação uma miragem.
Finalmente, há um bom contra-argumento: o que conta é o défice público total e não o saldo primário. Isto seria verdade se a despesa com juros e dívida fosse mera distribuição interna de rendimento entre o sector público e o sector privado. Não é o caso. A dívida é detida na sua esmagadora maioria por agentes estrangeiros, logo os seus pagamentos são perdas de rendimento nacional para o exterior. O défice público não permite um equilíbrio com a poupança privada nacional. A conclusão é óbvia: a austeridade não desapareceu, na Grécia ou em Portugal, e os seus efeitos negativos também não; andaremos assim entre estagnação e crise. Até que o que tem de ser feito seja feito...
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12 comentários:
fico mais ciente da realidade em que vivo, obrigado
de Adelino Silva
a reportagem sobre a troika, a não perder, está aqui:
http://e-konoklasta.blogspot.pt/2015/02/harald-schumann-diz-nos-qual-foi-o.html
Caro Nuno Teles,
Louvo a sua pedagogia mas pedia-lhe mais um esforço para elucidar um não-economista:
A determinado momento diz "a fonte externa de excedente foi pois a contracção do PIB".
Qual é a relação (matemática)?
Por outro lado, segundo percebi,
saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado = saldo líquido do resto do mundo
Quer isto dizer que é possível que os três saldos sejam positivos? Não seria esta a situação ideal?
O excedente pode-se conseguir de duas formas: mais exportações ou menos importações. Como as exportações cresceram pouco, foram as importações que caíram. Ora, isto só foi possível neste contexto com o empobrecimento geral.
Sim, é possível que os três saldos sejam positivos. A questão é saber a que custo. De qualquer forma idealmente os saldos externos deviam ser muito pequenos. Se há grandes excedentes de uns países, então há grandes défices de outros, numa relação que facilmente se torna insustentável. muitos são os autores, como, o martin wolf do Financial times, que aponta estes desequilíbrios como a causa da crise financeira de 2008. eu tendo a concordar.
Caro Nuno, sem pôr em causa dedução e a conclusão, tem um sinal errado na fórmula. Deveria ser
saldo líquido do setor privado + saldo líquido do estado + saldo líquido do resto do mundo = 0
ou então
saldo líquido do setor privado + saldo líquido do estado - saldo líquido com o resto do mundo = 0
O raciocínio está correto. Enfim, para quem se entretenha com estas fórmulas.
Repito, porque fiz copy/paste e não estou seguro de ter alterado o sinal na segunda sugestão de correção (e não tenho como verificar até à publicação).
Devia ser
saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado + saldo líquido do resto do mundo = 0
ou então
saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado - saldo líquido com o resto do mundo = 0
ou, escrito ainda mais simplesmente,
saldo líquido do sector privado + saldo líquido do estado - saldo externo = 0
Exactamente. Com o resto do mundo. erro corrigido.
"Se há grandes excedentes de uns países, então há grandes défices de outros, numa relação que facilmente se torna insustentável"
Peço desculpa mas não me parece que isso seja um argumento para que Portugal não procure ter excedentes, principalmente porque já se viu que não é fácil e que todos os outros países procuram estar do lado dos excedentários.
A economia vista em fotografia é realmente deprimente. Produtividade,racionalização de processos, investimento, tudo o que é vida, tudo o que é desafio e acção, fica fora do quadro do irremediável recurso ao calote.
Meu caro Nuno Teles
A saida do euro seria uma solucaonpara fim de austeridade? Julgo que a curto prazo isso nao atenuaria austeridade nos paises.Mas posso no entanto estar equivocado quanto a isso.
Cumprimentos
Rui
Caro Rui,
Pelo que tenho percebido aqui nas discussões, a saída do Euro não seria uma cura para a austeridade, o que permitiria era outra forma de a gerir. No fundo quando se debate a permanência ou não na moeda única o que se está a debater é se queremos levar um pontapé bem dado, por uma biqueira de aço, nas virilhas todas as semanas, ou se queremos que nos pisem as mesmas virilhas com uns saltos agulha todos os meses. Nenhuma das soluções é indolor...
A saída do euro É o fim da austeridade. O défice público é financiado pela poupança interna ou pelo banco central com criação de moeda. Enquanto houver capacidade produtiva subtilizada, não há risco de a inflação acelerar. Um governo focado na criação de emprego pode lançar um grande programa de empregos socialmente úteis em colaboração com autarquias, cooperativas, associações de desenvolvimento local, IPSS, ..., além de obras em infra-estruturas indiscutivelmente úteis, renovação do espaço público, dos bairros históricos, energias alternativas, etc. Isto é política keynesiana e funciona mesmo. Isto é o que o governo grego ainda não pode fazer ao abrigo do acordo que assinou.
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