sexta-feira, 22 de abril de 2011

Ata-me!


Público: "Reservas de ouro portuguesas já valem 12,5 mil milhões de Euros". A valorização é consequência, entre outras coisas, da sobre-abundância de capital especulativo e da perda de confiança no dólar como activo de reserva. São, tão simplesmente, as 14.as maiores reservas do mundo em termos absolutos. Isto num estado que não tem moeda própria, nem será com certeza accionista maioritário do Banco Central Europeu (que tem as suas próprias reservas, aliás, superiores em apenas 20% às do Banco de Portugal) (cf. World Gold Council).

Não fôssemos nós pensar que a alienação de parte dessas reservas claramente excessivas (a não ser, é claro, que para os lados da Almirante Reis se esteja a considerar a possibilidade de des-dólarização) poderia ser equacionada no quadro de um processo de reescalonamento de parte da dívida e renúncia de outra parte, o Público adverte que “de qualquer forma, os bancos centrais são, por princípio, desfavoráveis ao recurso às reservas de ouro para dar resposta a situações conjunturais e têm, até, acordos que limitam drasticamente essa possibilidade”.

Ah, sim? Presumivelmente, para evitar que a utilização das receitas resultantes obedeça aos ‘caprichos' do ciclo político, esse empecilho democrático... Mas pergunto-me por que motivo a decisão de privatizar vastos segmentos do sector empresarial do Estado (e assim aprofundar a mercadorização de mais e mais esferas da vida social) não há-de estar também ela dependente de princípios mais gerais e objectivos mais estratégicos do que fazer frente a “situações conjunturais”. Quais são mesmo os constrangimentos legais que vedam a possibilidade de alienação de ouro? Quais os requisitos políticos necessários para os alterar? E qual é a posição das diferentes forças políticas face a essa possibilidade? É que a comparação é tanto mais pertinente quanto, a título de exemplo, a avaliação do encaixe financeiro até 2013 que poderá resultar da venda total ou parcial dos CTT, EDP, ANA, TAP, GALP, REN, etc. etc. etc., é de... 4,8 mil milhões de Euros.

Queremos mesmo colocar mais monopólios naturais nas mãos de grupos económicos preguiçosos e rentistas, abdicando definitivamente da possibilidade de prossecução de objectivos públicos em termos de uma política industrial que apoie a necessária reconversão da economia e da satisfação de necessidades sociais? Queremos mesmo continuar a minar e eliminar serviços públicos, e assim cortar nos salários indirectos, tornando ainda mais miserável o quadro da desigualdade que nos rodeia? Queremos mesmo privatizar a Segurança Social e sujeitar à lógica do lucro o direito ao apoio na dificuldade?

É claro que a alienação de reservas de ouro deverá ser apenas uma parte de uma muito mais ampla estratégia que possa impôr-se como alternativa decente e de bom senso à selvajaria anunciada. Essa estratégia pode e deve incluir alternativas diversas (em termos de renegociação da dívida, eventual des-dolarização, promoção da eficiência do sector público e modalidades fiscais bem mais fortemente progressivas), mas, fundamentalmente, o necessário é que garanta que a repartição dos sacrifícios não penaliza adicionalmente os trabalhadores e classes populares em benefício das elites deste país. É isso que está em causa e é isso que é necessário que seja claramente explicado. E é também nesse plano que, lamentavelmente, a sequência dos acontecimentos trouxe já sucessivos retrocessos e faz temer derrotas ainda mais expressivas pela frente, as quais anunciam tempos negros num país cada vez mais anómico, mais desigual e menos decente.

5 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

As reservas de ouro ainda podem servir para pagar alimentos se, por alguma razão, sairmos do euro e ficarmos sem crédito. Convém não esquecer que não produzimos alimentos suficientes para a nossa subsistência.

Os 5000 milhões são um bom contributo para o magnífico TGV, alegremente apoiado por PS, PCP e BE quando a rotura financeira já era mais do que óbvia.

Não poderíamos, para variar, ter uma trajectória sustentável em termos financeiros, que nos assegurasse uma verdadeira independência política?

Maquiavel disse...

Carlos, podíamos... mas näo era a mesma coisa!

Para tal, teríamos de ter um povo inteligente, educado, laborioso.

Em vez disso temos as "Soluçöes à Portuguesa" täo brilhantemente compiladas pelos mercadeiros do Licor Beiräo...

... já se bloqueou a construçäo do TGV entre Poceriäo e Lisboa! Para libertar fundos para melhorar a ferrovia "normal"? Nääääääääääääääääo, para pagar o buracos das Estradas de Portugal, a tal que custa 600 milhöes/anos por via das auto-estradas vazias e SCUTs... a linha ferroviária normal? Vai-se fechar, já está escrito.

The Mother of Mothra of ALL Bubbles disse...

É que a comparação é tanto mais pertinente quanto, a título de exemplo, a avaliação do encaixe financeiro até 2013 que poderá resultar da venda total ou parcial dos CTT, EDP, ANA, TAP, GALP, REN, etc. etc. etc., é de... 4,8 mil milhões de Euros

TAP REN ANA REFER CP CARRIS METROS VÁRIOS RTP
custam mais de 4,8mil milhões ao ano

a venda do ouro parcial poderia ser realizada até porque o poderiamos recomprar daqui a 5 ou 6 anos a preço inferior

mas num país onde a mina de Jales foi fechada por se prever que o ouro extraído não desse para pagar os custos de extracção...


é esperar demais...

João Carlos Graça disse...

Caro Alexandre
Tem evidentemente (e infelizmente) razão no que diz quanto ao que parecem ser as tendências que nos estão apontadas.
Quanto ao problema dos apertos de liquidez - que fazem parte deste ambiente encenado em que parece ser necessário discutir "com a corda na garganta" - faz de facto todo o sentido a sua chamada de atenção. Sim... tudo o que foi já dito... para além das próprias reservas de ouro, é claro!
Houve outra coisa que acabei por não conseguir tirar de todo a limpo em matérias das urgências de liquidez (nem eu nem, acho, ninguém). Não é verdade que, estando o BCE impedido "constitucionalmente" de emprestar aos estados europeus, ele pode entretanto emprestar aos bancos privados? E, nesse caso, tendo o estado português ainda a CGD, não podia o empréstimo ser contraído formalmente por esta, evitando-se assim o "Tony Soprano bailout" do FMI?
Mas, se é assim, se para além disso ainda há efectivamente a questão das reservas de ouro, como lembra e muito bem - tudo isto é um absurdo e uma impostura indizível... De facto, nem mesmo quanto ao curtíssimo prazo a aflição era a que nos foi pintada!...
Mas tem também razão em chamar a atenção para este aspecto quanto às perspectivas de evolução a médio e longo prazo. Como é que estaremos daqui a um ano? Menos 7 de PIB, como a Grécia? Menos 11, como a Irlanda? E continuaremos então ainda no Euro, cada vez mais como na canção do Sérgio Godinho sobre a "sardinha, metida, entalada na lata, arrumadinha... pronta a ser comida, engolida, digerida e cagadinha?"... (desta vez a conselho de toda a gente, esquerda incluída, note-se).
E se ousarmos então sair da UEM, se, depois de muita "guerra de todos contra todos" (artificialmente criada, entenda-se), de muito cansaço de "voice" e de muito resvalar para o "exit" (emigração em massa, como alguém aliás por aí sugeria, e "emigração subjectiva" de cada um de nós), perdermos então o medo e ainda nos sobrar colectivamente o discernimento suficiente para fazer "tarde, pero en tiempo" (como na fórmula do Lorca) o que devíamos já ter feito agora ou antes - como será com a organização do nosso sistema de pagamentos à escala não apenas europeia, mas global? Haverá decerto mais vida para além de tudo isto... pelo que haverá também mais problemas.
Obrigado por no-lo relembrar, Alexandre!

Anónimo disse...

As reservas de ouro devem ser para uma emergência, por exemplo, uma tragédia como o sismo de 1755. Mas ao ritmo que estes socialistas destroem toda a nossa riqueza, um dia teremos uma tragédia em cima de outra quando já formos miseráveis.