quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ainda há social-democratas no PS?

O antigo primeiro-ministro dinamarquês e inspirador da social-liberal flexisegurança deu uma entrevista à Lusa a que os socialista portugueses devem prestar atenção. Nela defendeu que a troika pode demolir a protecção laboral portuguesa. Não é só a troika, claro. Talvez por diplomacia ou ignorância não referiu a cumplicidade activa dos "negociadores" portugueses do bloco central neste objectivo, alimentando a ilusão de alguma atitude nacional dura nesta e noutras matérias. Não há dureza, até porque não há negociação e muito menos qualquer ajuda. Aqui ficam excertos da entrevista, destacando-se a importância da negociação colectiva relativamente centralizada, envolvendo sindicatos fortes, na economia política laboral dos modelos, apesar de tudo mais progressistas, de capitalismo: "Quando se ouve a Comissão Europeia a falar convosco, com Portugal, esse não é o meu caminho. Vocês precisam de negociar e de ser duros nas novas negociações (...) Há que perceber que não enfrentamos uma ditadura do FMI e da UE, são é negociações duras sobre o resgate e sobre as condições para receber a ajuda e auxílio (...) A negociação colectiva é parte fundamental da moderna democracia e, basta olhar para a Escandinávia, para o meu país. Nós temos tido acordos colectivos em todos os anos desde 1945 e somos uma das economias mais fortes da Europa. A Alemanha tem também acordos colectivos. Por isso, penso que [a 'troika'] tem de dizer - vamos para boas negociações com Portugal, vamos olhar para a economia, mas vamos perceber que os acordos colectivos vieram para ficar".

3 comentários:

João Carlos Graça disse...

Caro João Rodrigues
Deixe lá a lanterna, homem. Uma das coisas mais importantes para compreender a nossa relação com a UE (mais importante, creio, do que rótulos sobre quem é socialista, social-democrata ou afins) é mesmo o carácter marcadamente "dependentista" de que ela sempre se revestiu. Em boa verdade, reconheçamo-lo, desde o "a Europa connosco" inicial, de Soares. Acho que não é de facto necessário ser um Eduardo Lourenço para perceber que a nossa "entrada na Europa" correspondeu a um enorme "transfer" da nossa tradicional relação de dependência para com as ex-colónias. Destas dizia-se antes do 25A, recordemo-lo, que "Portugal não pode viver sem o Ultramar"... e esse dependentismo, aliás decididamente degradado em "mendacity", foi depois transferido para a CEE/UE.
De resto, a "entrada na Europa" teve inegavelmente um efeito de "árvore das patacas" para segmentos consideráveis da população portuguesa, o que sem dúvida contribuiu para o acumular de problemas estruturais, como os recordes de índice de Gini na repartição do rendimento que hoje são os nossos (mais “exit”, menos “voice”…). Em paralelo, a negociação colectiva permaneceu fraca, claro, o sindicalismo “socialista” e “social-democrata” permaneceu, bom, permaneceu aquilo que é – e o próprio “estado social”, uma vez ultrapassado com sucesso (pelas elites) o período de transição para a democracia, rapidamente evoluiu/involuiu para formas pouco mais do que caritativas, mesmo em governos oficialmente “socialistas” – como o dos últimos 6 anos, durante os quais o índice de Gini teve a trajectória que se sabe, típica de governação social-caritativa: ligeira atenuação da miséria dos "lower-lower", mas acompanhada de rebaixamento marcado da classe média a favor dos "upper-upper", pelo que o valor global do índice não diminuiu.
Em paralelo, depois da perda da independência (e da democracia) em política económica, com a adesão ao Euro, veio a marcada sobrevalorização monetária, o induzir do “viver acima das possibilidades” (com juro baixo e consumo “agonístico” induzido pela própria dinâmica das desigualdades, cf. o seu post de há algum tempo sobre o Robert Frank), e isso depois de - ou em paralelo com - a maciça desindustrialização e a guinada para os não-transaccionáveis…
Perspectivas? Face aos menos 7 de PIB da Grécia, aos menos 11 da Irlanda… poderemos ainda, pelo menos, aspirar a que se aproveite para “arrumar a casa”, diminuindo as desigualdades? Sinceramente, até mesmo isso me parece quimérico, dado que a retórica do “reajustamento” vem claramente associada à suposta inevitabilidade de bater mais nos mesmos de sempre: os que em definitivo não ganharam com o processo no seu conjunto, quando muito algo em consumo a crédito nos últimos anos, mas decididamente perderam muitíssimo em matéria de “capabilities”, sobretudo “capabilities” políticas; crença em si próprio, na sua capacidade para viver de forma independente e democrata, em que o governo (e não os bancos) dite a política económica, e aquele seja o governo “do povo, pelo povo e para o povo”, e não a miséria moral do “protectorado”.
Entretanto, num prazo algo mais dilatado, acresce a tudo isto o facto preocupante da previsível emigração em massa dos mais qualificados, o que aliás reproduzirá (de forma ampliada?) a própria fraca qualidade do debate político… Mas daí, por outro lado, desta vez o problema não é só nosso. E, se há coisa que “a história ensina”, é que a história ainda não acabou... “Vamos a ver, como dizia o cego”? Talvez. Mas daí, por outro lado, também temos o “mirad alto, vereis que miran otros ojos.”
Quem sabe?...

Anónimo disse...

Rendo-me a tanta sabedoria, man!
Qual Kierkgaard da economia!!

Anónimo disse...

ou Heidegger, com tanta Metafísica, man! Gosto particularmente do "Social-caritativo", do voice, do lower-lower, e do Eduardo Lourenço, man ... rendo-me!do involuiu/evoluiu e do Gini, man... do Gini, man.. é espetacular.