quarta-feira, 4 de março de 2009

Mentiras, segredos e escapatórias

[intervenção na apresentação pública da lista do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu. Teatro de São Luiz, Jardim de Inverno, 2 de Março]

1. Mentiras
Na profusão de declarações do passado fim-de-semana passou quase despercebida a que foi proferida por Luís Amado, ministro dos negócios estrangeiros. Ficou aliviado, confessou, por não ser candidato e acrescentou: "Nunca gostei da actividade do Parlamento Europeu". Devemos compreendê-lo.
Esta instituição terá os seus defeitos, mas a investigação que levou a cabo sobre os voos e o transporte ilegal de prisioneiros, honrou a democracia. Luís Amado está habituado às conversas sussurradas entre ministros e comissários europeus, onde a transparência não é o fundamento da política e onde os direitos humanos são invocados quando é conveniente e descartados quando são incómodos.
Como pode Luís Amado gostar da “actividade do Parlamento Europeu”, se este lhe deu tantos trabalhos e dores de cabeça? Ainda muito recentemente ele teve que mover todas as influências para que o nome de Durão Barroso desaparecesse do mais recente relatório sobre os voos da CIA. Para limpar o nome de Portugal de um dossier indecoroso. Para manter incólume a razão de Estado qualquer que seja o governo.
Reparem, o que verdadeiramente preocupou o governo português neste caso foi a remoção do nome, a limpeza da nódoa, e não a relação da política com o apuramento da verdade. Para a diplomacia portuguesa, a política é como um detergente ou um tira nódoas. Para nós, pelo contrário, a democracia justifica-se quando põe a claro o que se passou para que não se repita.
Os centros secretos de tortura e a prisão de Guantánamo são a vergonha das democracias. Por isso é tão importante “tirar a limpo” o que se passou e apurar responsabilidades. Entre 2001 e 2007, o espaço aéreo europeu e respectivos aeroportos foram usados pelos serviços secretos norte-americanos. Isto não se fez sem autorização e conivência. O que nos honra é a busca da verdade e não a razão de Estado. Percebe-se agora melhor o desabafo do responsável máximo pela diplomacia nacional. Ele desvaloriza o único órgão europeu democraticamente eleito e não é por acaso.
No Conselho e na Comissão, uma mão lava a outra. Ministros e comissários prezam a lei da continuidade das políticas, mesmo quando estas põem em causa e violam os direitos humanos. O presente defende-se colocando pedras sobre o passado. Como poderia Luís Amado gostar da actividade parlamentar, se o fundamento da democracia é a transparência e não o sussurro e as trocas de favores? Não é pequena a diferença.
Conseguirá a Europa da democracia surpreender a Europa dos sussurros? Nós queremos que assim seja. O sucesso ou o fracasso da construção europeia depende disso.
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19 comentários:

Anónimo disse...

Cara Marisa,

Dei-me por mim a elogiar este blogue e logo dois dias depois aparece este artigo.

Passo a explicar: Neste artigo só existem insinuações e presunções. E pior "colocam palavras na boca" do nosso ministro dos NE.

Como pode ser credivel que um partido defende a verdade quando tem a intervenção deste tipo?

E cito exemplos:

O ministro disse o seguinte:

"Nunca gostei da actividade do Parlamento Europeu"

Como qualquer pessoa depreende a actividade do PE não é uma actividade diplomática e sim partidaria, neste contexto é perfeitamente normal que o actual MNE prefira a actividade diplomática em detrimento da actividade partidária (e ainda bem).

E desta simples afirmação concluem que:

"Luís Amado está habituado às conversas sussurradas entre ministros e comissários europeus..."

e que esse orgão é:
"a transparência não é o fundamento da política e onde os direitos humanos são invocados quando é conveniente e descartados quando são incómodos"

E insinuam o seguinte:
"Como pode Luís Amado gostar da “actividade do Parlamento Europeu”, se este lhe deu tantos trabalhos e dores de cabeça?"

Não esquecer que isto veio de uma simples e racional afirmação!

"O que nos honra é a busca da verdade..."

Lamento dizer, mas depois de um artigo como este de certeza que não é a busca da verdade que vos honra!

É por estas e por outras que infelizmente não poderei votar B.E.!

Anónimo disse...

A sensível Stran não sabe da misa metade...

Marisa Matias disse...

Caro Stran,

Deixo-lhe aqui apenas duas notas:

1. A afirmação não foi "colocada na boca do MNE", mas dita por ele. Ouviu-se nas rádios, saiu em alguns jornais e estava disponível no site do Partido Socialista Lumiar, onde, alías, a fui buscar. Do mesmo site, deixo agora a citação completa:

«(...) afirmou Luís Amado, que recusou qualquer interesse em ser ele próprio candidato. «Sempre disse que não, nunca gostei da actividade do Parlamento Europeu».

2. A referência ao facto de o Parlamento Europeu ter dado "trabalhos e dores de cabeça" ao MNE não vem de uma "simples afirmação" mas do trabalho que tanto o MNE como a deputada Edite Estrela tiveram para poder retirar o nome de Durão Barroso e limpar o nome de Portugal da última resolução do Parlamento Europeu sobre os voos da CIA.

Havendo muitos documentos (do Parlamento Europeu e outros) que dão conta das muitas escalas que voos da CIA, com prisioneiros ilegais, fizeram na Base das Lajes, é também uma atitute racional alguém poder ficar chocado com o facto de a actividade diplomática desenvolvida pelo MNE servir para esconder factos e não para os clarificar.

Marisa Matias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dias disse...

É facto que Amado pretendeu “encobrir” a situação dos vôos. Cada um fará a sua leitura política… A pedra que Amado tentou colocar no passado de cumplicidade na guerra, fazendo o jeito a Barroso, é afinal uma extensão da política do centrão, neste caso o deste nosso rectângulo. Os tais casamentos de conveniência que levam à desgraça. Real politik, pá!

Mais Europa, outra Europa!
Este é um ponto-chave que muito a propósito é abordado na posta.
Para desmistificar a afirmação dos mesmos que dizem que a Esquerda é anti-europeísta, e que na sua verborreia radical apregoam “Ou querem esta, ou nenhuma”. Como se fossem eles os detentores dum modelo intocável e inquestionável, tratando os cidadãos de seres menores. Só que o modelo deles falhou. As recauchutagens estarão a caminho, a não ser que sejam muitos a quererem a mudança de rumo, e já agora…em democracia.

José M. Sousa disse...

«a actividade do PE não é uma actividade diplomática e sim partidaria»

O caro Stran tem um entendimento da função de um Parlamento algo redutora...

Anónimo disse...

Peço desculpa por me intrometer, mas a verdade é que os nossos caros "comentadores"continuam a esquecer factos essenciais. 1) Quando os voos começaram, quem governava este pais era o PS. 2) Quando os americanos andaram pelas chancelarias dos países amigos a comunicar que iam transportar prisioneiros raptados (em Janeiro de 2002) quem estava no MNE, em lugares que para o efeito interessa, eram as seguintes personalidades: Jaime Gama, Luis Amado; Santana Carlos (tudo gente do mesmo partido). 3) A "guerra" da Ana Gomes parece mais dirigida contra Barroso do que a favor dos prisioneiros (enfim, quezílias mal resolvidas no MRPP; 4) Ninguém deu o devido realce a uma entrevista de AG - numa altura em que ela "batalhava" contra o actual governo, que segundo ela escondia informação comprometedora para Barroso - na qual disse (cito de memória) “Eu vou continuar a chateá-los. Se não me reconduzirem no PE volto ao MNE e se não me colocarem no estrangeiro, ficarei aqui a vegetar com uns míseros 400 contos por mês”.
Desta "democracia" é que eu gosto...Já agora, a AG, mesmo no PE, sempre vai ganhar um pouco menos do que a sua bête noir na Comissão Europeia... A luta continua...

Luisa Vasconcelos disse...

Excelente, cara Marisa!
Parabéns e bjs,
André FReire

CS disse...

Um argumentário final para matar o capitalismo desregulado:
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/03/uma-refutacao-do-argumentario.html
Convido a ler.

João Pedro Santos disse...

Parece-me, no minimo excessivo, associar a frase "nunca gostei da actividade do Parlamento Europeu" com a questão das rendições. Principalmente quando se reconhece que "a instituição terá os seus defeitos".

Rui Fonseca disse...

Não comento o interesse ou desinteresse de Luis Amado.

Lendo este e outros posts e comentários de idêntico cariz, o que me impressiona é tanta preocupação à volta dos prisioneiros de Guantánamo (que eu não enjeito serem muito pertinentes) mas nenhuma reflexão sobre as vítimas do 11 de Setembro.

Não eram pessoas? Não eram inocentes?

Se um acto terrorista não justifica outro, lembrar um deveria fazer lembrar o outro.

Mas ninguém se lembra!

L. Rodrigues disse...

Rui Fonseca, isso é o tipo de comentário que só serve para desviar a atenção do essencial.

Trágico como foi o destino das vitimas do 11/9, não coloca em causa os valores mais elevados da democracia e do estado de direito, nem a superioridade moral de que o ocidente tantas vezes se arroga.

A resposta ao acontecimento, pelo contrário, fez tudo isso.

Rui Fonseca disse...

"...isso é o tipo de comentário que só serve para desviar a atenção do essencial".

Portanto, para L Rodrigues o essencial é a questão dos voos da CIA a caminho de Guantanamo.

O 11 de Setembro é acessório. Provavelmente, nem existiu!

Só há vítimas em Guantanamo.

A isto eu chamo democracia vesga.

Anónimo disse...

Cara Marisa,

Dois comentários iniciais antes da minha resposta:

1. Desculpa ter demorado a responder ao teu comentário;

2. Obrigado pela resposta.

Agora não posso concordar com o que afirmaste.

"1. A afirmação não foi "colocada na boca do MNE", mas dita por ele. Ouviu-se nas rádios, saiu em alguns jornais e estava disponível no site do Partido Socialista Lumiar, onde, alías, a fui buscar. Do mesmo site, deixo agora a citação completa:"

Não me expressei correctamente, ou não entendeu: Eu não faço referência à frase que ele concretamente disse mas referência à ideia que vocês transmitem que o MNE não gosta daquele trabalho por causa do que aconteceu (daí a minha utilização de aspas).

"...mas do trabalho que tanto o MNE como a deputada Edite Estrela tiveram para poder retirar o nome de Durão Barroso e limpar o nome de Portugal da última resolução do Parlamento Europeu sobre os voos da CIA."

Conseguem fundamentar a ligação que criaram no texto entre o facto do MNE não gostar da actividade do Parlamento Europeu e os trabalhos do Parlamento Europeu com dados concretos e objectivos? Ou está apenas a supor?

E se é uma suposição como é que querem ser uma força credível?

"...é também uma atitute racional alguém poder ficar chocado..."

Assim também perfeitamente racional que uma pessoa ficar chocada com este declaração oficial que transcreveram aqui.

Pior é que esta declaração levanta sérias duvidas quanto à competência do BE para exercer o cargo no Parlamento Europeu.

Passo a explicar: A unica forma de ficarem "chocados" com a afirmação do MNE é se acharem que o papel do MNE e de um deputado ao PE é identico, se assim for então acham que o deputado é um mero representante de Portugal. E se for este ultimo caso, como querem que nós confiemos quando afirmam que querem uma Europa mais democrática? É que uma Europa mais democrática implica que os seus deputados exerçam a sua actividade colocando a Europa em primeiro plano, em detrimento da representação e interesses nacionais (por exemplo, quando voto para assembleia da republica eu espero que o deputado eleito por listas locais actue para zelar o interesse nacional mesmo que em detrimento do interesse da região na qual foi eleita) o que é oposto à noção de "deputado-embaixador".

P.S. Apenas um esclarecimento, por favor não interprete esta critica como vinda de uma pessoa que é anti-bloco, por que não sou. Não sendo apoiante do BE sou de um quadrante ideológico muito próximo do BE, sendo que apenas não concordo com alguns pontos.

Anónimo disse...

Caro José M. Sousa

"O caro Stran tem um entendimento da função de um Parlamento algo redutora..."

Pelo contrário. O que é que entendeu pela minha afirmação "actividade partidária"?
O Parlamento é o expoente máximo da actividade partidária, não concorda?

L. Rodrigues disse...

Rui Fonseca,
Se ler o que eu escrevi, o essencial é a preservação de valores que, pelo menos alguns, ainda consideramos fundamentais.

Há vitimas sim, no 11/9 e porventura em Guantanamo, mas há uma vitima maior no meio deste processo, que é a ideia de estado de direito, algo a que vc parece ser indiferente.

José M. Sousa disse...

Caro Stran

Depende do que entende por "actividade partidária". Eu diria antes que é o centro da "actividade política".

Do contexto e da comparação que fez, parece-me que estava a desvalorizar o Parlamento. Este também desenvolve actividades de carácter diplomático, por exemplo. Se calhar, até de forma mais transparente que os governos.

Anónimo disse...

Boas,

Desculpem a intromissão na conversa, mas achei necessário tocar neste ponto:

"Conseguem fundamentar a ligação que criaram no texto entre o facto do MNE não gostar da actividade do Parlamento Europeu e os trabalhos do Parlamento Europeu com dados concretos e objectivos? Ou está apenas a supor?"

Caro Stran, quando um MNE profere uma afirmação destas, certamente se refere a uma situação do foro da sua pasta. Não acredito que esteja a falar do tamanho da assembleia ou da comida servida, se não seria muito mais explicito para não criar interpretações ambíguas. Daí o MNE parecer "desabafar" mostrando a sua indignação mas não a explicando. No entanto, não é necessário muito para entender o que está implícito no que disse.

Tomando isto como facto - em que o "desabafo" é relativo à sua pasta - veremos que o "espinho encravado" do MNE em relação ao parlamento é o vir a descoberto as várias mentiras relacionadas com a responsabilidade do nosso país nos voos da CIA.

Não é uma questão de suposição meu caro. É isso sim uma questão de dedução.

Guilherme Pereira disse...

Em abstracto, é claro que subscrevo posições do PCP ou do BE sobre a EU, sobretudo nas matérias da coesão social, da organização económica, da ditadura do BCE ou das off shores – a questão é de saber COMO é que o cidadão comum pode acolher e COMPREENDER essas teses, sem as algemas da diabolização;

Outra coisa complementar da anterior é de solução ainda mais complicada. Chegado o capitalismo selvagem ao estado a que nos conduziu, na EU e um pouco por todo o mundo, com uma EU desregulada nos seus sistemas financeiros, ou regulada a várias velocidades, importará também reflectir sobre o COMO FAZER – e é aqui que está o busílis da questão, na minha opinião modesta e expressa ao estalar da tecla. Ou seja: para além de partidos de atalaia e vigilantes, o que só os enobrece, tanto o PC como o BE são claramente minoritários para levar a àgua àqueles moinhos todos que se semearam numa EU que, muitas vezes, vista de fora, muito se comporta como um saco de gatos assanhados.
A assinatura do Tratado de Lisboa, por exemplo, foi um autêntico cabo das tormentas para várias diplomacias
(portuguesa incluída e principal responsável ou interessada) e não é também por acaso que já se questiona em alguns corredores da EU, de Estrasburgo a Bruxelas, a própria continuação do Durão Barroso à frente da Comissão Europeia.
O assunto é delicadíssimo e o molho de bróculos, porventura, ( quem sabe?) poderá começar a ser desatado com a próxima visita do Obama à EU e, porque não dizê-lo, através de algumas declarações vertebradas de líderes dos chamados países emergentes, como é já por exemplo o caso do Presidente brasileiro Lula da Silva, que já mandou recados q.b. á EU sobre as políticas de emigração e os fluxos financeiros entre este nosso mega-mercado e o Mercosul.
Há ainda muita àgua para correr debaixo de muitas pontes.