sexta-feira, 30 de maio de 2008

Especulação II

Como já argumentei, um especulador no mercado de futuros não é obrigado a deter qualquer contacto directo com as mercadorias que está a manipular. Num contrato de futuros de petróleo comprometo-me, por exemplo, a comprar petróleo a 130 dólares em Julho. Como não quero ter petróleo no meu quintal, planeio vender o meu contrato a quem realmente precisa durante o mês de Junho. A minha aposta especulativa é que, até lá, o preço do petróleo irá ser superior aos 130 dólares. Se muita gente raciocinar da mesma forma, como parece estar a acontecer pelo gráfico abaixo, então o preço futuro do petróleo aumenta. Este aumento esperado, num mercado onde a informação é particularmente opaca e a procura é razoavelmente inelástica (as quantidades procuradas variam pouco em função do preço), deveria conduzir a maiores compras no presente da parte de quem «realmente» precisa de petróleo (como, por exemplo, a GALP). Os preços no presente aumentariam. O resultado esperado seria assim um aumento dos stocks de petróleo. Existem indícios nesse sentido. O uso de petroleiros para armazenar petróleo por parte do Irão parece estar a colocar alguns entraves nos canais de distribuição do «ouro negro». No entanto, segundo os dados disponíveis, esta não parece ser a tendência geral.

Os stocks globais de petróleo estão aparentemente a diminuir. Será isto um indício que afinal não há especulação alguma? Não. Do lado da procura, se as petrolíferas avaliarem os preços como especulativos, irão adiar as suas decisões de compra o máximo possível, esperando que, entretanto, a bolha especulativa rebente. Até lá, vão vivendo dos seus stocks. Mas, no caso do petróleo, não devemos olhar só para a sua procura, mas sobretudo para quem o vende e, sobretudo, o controla. Se a quase monopolista OPEP observa os preços futuros a aumentarem, é natural que não esteja disposta a vender a sua produção por preços muito mais baratos...

Nota: O aumento dos preços nunca poderá dever-se na sua totalidade à especulação. Mas esta pode ajudar e muito. Para a especulação existir, têm que existir elementos razoáveis que apoiem a aposta num aumento dos preços futuro. O aumento da procura mundial e a instabilidade dos países produtores parecem ser, neste caso, duas das razões «reais» para o aumento da procura.

4 comentários:

José M. Sousa disse...

Não se iluda, os factores fundamentais para o aumento do petróleo são bem reais!


«O resultado esperado seria assim um aumento dos stocks de petróleo. Existem indícios nesse sentido»

Pelo contrário a produção de petróleo tem estado a cair este ano na Rússia, México e Nigéria, por exemplo. E os stocks americanos estão abaixo da média:

Speculation

Financial speculation in oil futures is being offered increasingly as the reason for high oil prices. True, speculation is rife. However, the futures market is a zero sum game. For every long position there is a short position and the price is ultimately struck by the individual who takes delivery of the oil - which is then refined and purchased by a consumer. For so long as consumers keep demanding oil at ever higher prices, the price will continue to rise.
The only way speculation could impact the oil price is under accumulation. Inventories of crude oil and refined products have been falling for a year (see figures 14 to 17).

«But it's a big mistake to conclude that speculation is the most important part of the longer run trend we've been seeing.»
http://www.rgemonitor.com/globalmacro-monitor/252692/oil_price_fundamentals

Em relação ao Irão, o problema prende-se com um excesso de produção de um tipo de petróleo (pesado) cuja capacidade de refinação instalada é insuficiente, daí as dificuldades.

Recomendo a entrevista de Fatih Birol (AIE)

Luís disse...

Especular ou não especular?

Hipótese de partida: o que guia a recente subida no preço do crude não pode ser reconhecido numa categoria tradicional de especulação (acumulação de stocks -vide "especular com a fome" ou, de forma mais geral, acumulação de valores - vide especulação em câmbios fixos); para os mais atentos já sobressaria aquela contradição latente entre uso e valor.

Constatação: Num mercado de derivados, como acertadamente foi afirmado, apenas se realizam ganhos de soma nula; ao contrário de todos os outros mercados do capitalismo, inclusivé o mercado de acções. Isto, claro está, desde que esteja garantido o risco de contrapartida; que de facto está, em todos os mercados regulamentados(Clearing House). Corolário 1: na maior parte do tempo, os ganhos que se apuram são mínimos (só nos últimos dias é que se viram saltos de 6 dólares de uma só vez num contrato de futuros de crude, para 2014, sabe-se lá o que vai acontecer até 2014, mas todos sabem o que vai acontecer a esse contrato, mas isso é outra história...). Corolário 2: Como os intervenientes nesses mercados são sensivelmente os mesmos ao longo do tempo, que funcionam num misto de arbitragem e compras/vendas programadas, os ganhos/ perdas de hoje serão os perdas/ganhos de amanhã; só existem duas estratégias ganhadoras: parar agora (meter os ganhos ao bolso e ir para La Valletta passar 15 dias) ou fuga para a frente (fazer subir os preços na esperança de realizar maiores ganhos amanhã/compensar as perdas de hoje). Corolário 3: O valor transaccionado "em mercados de papel é 15x maior ao transaccionado no mercado físico" (Ferreira de Oliveira); assim, é por demais evidente, que não há, nem haverá, petróleo para essa gente toda. A distinção está bem feita, por quer dizer isso mesmo, os contratos do "mercado de papel" nunca se efectivam, são apenas transaccionados como um activo/instrumento financeiro, as posições são eventualmente compensadas e o putativo ganho/perda apurado.

Hipótese desenvolvida: não existe especulação, porque não está ninguém a acumular stocks; não existe especulação, porque a diferença ganhos-perdas são demasiado reduzidos para que um estratégia especulativa fosse, na globalidade dos agentes, atraente ou sustentável. No entanto, a bolha está formada. Porquê? O petróleo e outra commodities tornaram-se reservas de valor: o dólar a cair, os imóveis a cair, as acções a cair, os juros a cair; os EUA em recessão; onde aplicar o excesso de poupança mundial? O petróleo parece ser a única commoditie que todos garantem não vai desvaloriazar nos tempos mais próximos; a oportunidade faz o ladrão: a súbida do petróleo deve-se a investimentos refúgio em títulos, não de uma suposta compra/venda a realizar, mas puros títulos financeiros; de uma mercadoria que garante o seu valor.

Ernest Mandel afirmava a dada altura que todos as crises do capitalismo resultavam de uma desarticulação entre a esfera da circulação e da produção. Quando a produção está em crise, o que fazer aos capitais entrentanto acumulados? Acumulados não será o termo certo; não será, em vez, realizados? Seja como for: a saída é sempre a mesma: é sempre necessária uma (re)acumulção, uma (re)realização.

Epílogo: Será por isso mesmo que entramos, afinal, num estado de desrealização; é por isso que da OPEP dizem que os "mercado estão loucos"; ou da PARTEX que "que a irracionalidade humana" comanda. Entretanto, porque é que os preços subiram? Pela mesma razão que antes o ouro subia, e pela razão que o dólar (antiga? reserva de valor) desvalorizou. Wall-Street aliou-se, derradeiramente, a Chicago: velhos papéis, novos cenários, 'cause the show must go on.

Anónimo disse...

Parabéns pelo blog!

A recente subida de preços de petróleo, com origem na especulação financeira, está a mascarar o problema de fundo: a sua excassez, como é demonstrado em toda a abundante documentação que existe sobre o pico petrolífero.

Os governos dos países ocidentais estão a ignorar/esconder esta questão (veja-se que contrastando com a quantidade de documentação sobre o pico petrolífero, as referências na comunicação social são praticamente nulas), esquecendo que este modelo social exige uma fonte de energia abundante e barata.

Luís disse...

A história rezaria mais ou menos assim: um mercado de futuros deve a sua razão de ser à existência de incerteza quanto à evolução futura do preço de determinada mercadoria: serve, de facto, para o agente económico se proteger quanto a ela. Caso típico: o produtor de trigo teme, aquando da colheita, preços muito baixos; o panificador de cereal teme, aquando do abastecimento, preços da matéria-prima muito altos. Corolário: ambos recorrem ao mercado de derivados e estabelecem o preço a que vão trocar determinada quantidade de trigo numa data futura. Até aqui tudo bem; os problemas começam justamente agora: os dois agentes podem não sentir essa necessidade de cobertura ao mesmo tempo: surge, teoricamente, a possibilidade de um terceiro intervir no tempo que medeia entre um e outro agente irem ao mercado fazer a cobertura de preço, um agente neutral que, digamos, exigisse uma comissão.

Mas a intrusão deste terceiro abre a porta a todas as possibilidades. Pois se os terceiros fossem, afinal, muitos terceiros, e estes decidissem comprar/vender entre si na busca de ganhos especulativos, sem intervenção nenhuma dos antigos agentes "reais"; aqueles que verdadeiramente necessitam do mercado; quase que podíamos dizer que fechavam o mercado para si mesmos. (Público, Suplemento de Economia 24/05/08)

1. Como a designação dá a entender, o mercado de futuros é um mercado de derivados. Derivado de quê? Do mercado spot evidentemente. É este que origina aquele, que lhe subjaz; ou será que não? Seja como fôr, o que a teoria ensina é que sendo um derivado, o mercado de futuros deve estar em linha com que se julga irá acontecer no mercado spot à data de transacção: mau sinal, porque, de facto, procura de petróleo a subir, oferta estagnada... que vai ser de nós.

2. A não ser que o mercado tenha saído um pouco dos eixos, e seja neste momento já não uma derivação, mas uma projecção: o mercado de futuros retroagiu sobre o mercado spot que agora comanda; os valores negociados são como que valores de simulação, a servir uma desígnio obscuro.

3. Pois quanto custa extrair petróleo? Não custa certamente o mesmo na Arábia Saudita, na Venezuela ou no Canadá: 2$, 40$ e 60$ dólares por barril, respectivamente. Com um pouco de marginalismo o preço era facilmente calculado: o preço de mercado deveria ser sensivelmente igual ao custo de extracção do último barril extraído para satisfazer a sacrossanta procura; isto por muito que nos custem as rendas exponenciais que a A. Saudita recebe..

4. Agora o que não vale é dizer o que a procura vai ser (há três meses) quando a procura é (passado os três meses)! Que o petróleo subiu porque algúem deu dois tiros numa refinaria na nigéria, e passado três dias, porque alguém deu dois tiros a uma refinaria na Nigéria! Ou porque o dólar voltou a desvalorizar, quando entretanto valorizara o dobro! Ou porque a Lehman Brothers fez um relatório com o crude a chegar a 150$ quando a JP Morgan já escrevera outro a chegar a 200$! Tal é simplesmente para fazer notícia; os mercados têm que emitir em muitas direcções: as justificações avançadas é só para construir à posteriori o "racional", quando o que é racional já há muito se desvaneceu.

Conclusão: como já avancei, os mercados de futuros são jogos de soma nula; esta subtileza é bem real e contrária ao que normalmente se costuma dizer quanto ao mercado de acções. No mercado de futuros, quando uma posição é aberta, dá origem, simultaneamente, a ganhos e perda potenciais para os dois agentes envolvidos; a diferença que uma parte vem a ganhar corresponde ao que a outra acabou de perder, e reparem que essa diferença deve ser apurada até, no máximo, à data transacção do contrato. Isto é bem diferente de um mercado de acções: porque as posições são, por assim dizer, sempre fechadas, o ganho/perda (mais/menos-valia) é desde logo realizada para uma das partes; sem prejuízo daquele que agora compra poder vir a ganhar no futuro, e isto sem o limite temporal inerente aos contratos de futuros. Numa bolha especulativa de acções, na fase ascendente, temos só ganhos em cascata; numa putativa bolha especulativa de futuros não podemos ter ganhos sem termos, ao mesmo tempo, perdas simétricas; eis toda a diferença.
(Cont.): Se me tiverem acompanhado até aqui, acabarão por ver, enfim, revelado o segredo da mercadoria: pois se a sucessão de estádios enunciada estiver correcta, Derivação seguida de Projecção, acabaria arriscando que entrámos entretanto no estádio da Reciclagem. Pois o capital carece de valor, mais ainda do que carece de se valorizar, e em fases de aperto há uma coisa que ele sabe: parar é morrer; se as oportunidades de investimento escasseiam, se as fontes estrangeiras de recursos naturais se vêem fechadas ao investimento produtivo e o sistema mundial começa a perigar, a única coisa que resta é a fabricação de sucedâneos; uma valorização factícia.