terça-feira, 18 de setembro de 2007

O nirvana de Greenspan

O primeiro post deste blogue dava conta da crescente divergência entre os salários e a produtividade nos E.U.A. Hoje, Alan Greenspan, em entrevista ao Financial Times (publicada pelo Diário Económico) mostra-se surpreendido com esta tendência:

«O mundo que Greenspan descreve parece-se mais com um "mercado-nirvana global" com uma curiosa peculiaridade: os lucros são muito superiores aos que se esperaria num mundo onde a concorrência global é cada vez mais apertada. "Em termos contabilísticos até sabemos o que provocou tudo isto" - o peso dos salários, em termos de percentagem do rendimento nacional, nos EUA e noutros países desenvolvidos é invulgarmente baixo comparativamente aos padrões históricos -, "mas em termos económicos desconhecemos que processos isto envolveu", refere».

Quanto a esta última confissão de ignorância, talvez possamos dar uma ajuda. Devagarinho, para ser mais fácil: Ne-o-li-be-ra-lis-mo!

Reproduzo em baixo o gráfico, anteriormente publicado, que ilustra a gritante divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas:


15 comentários:

Diogo disse...

«a gritante divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas: Ne-o-li-be-ra-lis-mo!»


Lamento informá-lo Nuno Teles, mas o seu raciocínio está errado. No gráfico podemos ver que a produtividade do trabalhador quase duplicou de 1972 até agora. Donde, segundo o seu ponto de vista, ou os trabalhadores de 1972 eram uns calaceiros incorrigíveis, ou os de hoje são uns autênticos super-homens. Bom, nem uma coisa nem outra:

Foi o desenvolvimento tecnológico que possibilitou este boom produtivo per capita. Um trabalhador com um computador ou outra ferramenta avançada produz hoje o dobro do que produzia em 1972. Amanhã produzirá o triplo ou mais.

É a interacção homem-máquina que fez disparar os níveis de produtividade. Mas se uma empresa continua a vender apenas 100 unidades (tal como em 1972), embora tenha agora capacidade para produzir 200, então precisa apenas de metade dos empregados. Esses desempregados vão-se somar a outros que saíram igualmente de empresas que se modernizaram. Como resultado surge um exército de mão-de-obra barata disposto a trabalhar por menor remuneração (e aqui sim, entra o neoliberalismo).

Em suma, Nuno Teles, o gráfico que apresenta reflecte isso mesmo: aumento de produtividade com a introdução de novas tecnologias e a consequente diminuição de salários (induzida pela primeira).

Nuno Teles disse...

"Donde, segundo o seu ponto de vista, ou os trabalhadores de 1972 eram uns calaceiros incorrigíveis, ou os de hoje são uns autênticos super-homens. Bom, nem uma coisa nem outra:"

Não sei de onde é que tirou esta ideia.

"Foi o desenvolvimento tecnológico que possibilitou este boom produtivo per capita. Um trabalhador com um computador ou outra ferramenta avançada produz hoje o dobro do que produzia em 1972. Amanhã produzirá o triplo ou mais."

Aqui estamos de acordo.

Quanto ao resto, a discussão acho que já foi muito bem feita pelo Ricardo.

Diogo disse...

Diogo: "Foi o desenvolvimento tecnológico que possibilitou este boom produtivo per capita. Um trabalhador com um computador ou outra ferramenta avançada produz hoje o dobro do que produzia em 1972. Amanhã produzirá o triplo ou mais."

Nuno: Aqui estamos de acordo.

Diogo: Onde não estamos de acordo é nas causas. Você afirma que a causa principal «do peso dos salários, em termos de percentagem do rendimento nacional, nos EUA e noutros países desenvolvidos ser invulgarmente baixo» se deve ao Ne-o-li-be-ra-lis-mo. Eu defendo que se deve ao desenvolvimento tecnológico. E foi graças ao excesso de trabalhadores que aquele causou, que houve descida de salários. O neoliberalismo é um fruto amargo do desenvolvimento tecnológico. Cabe-nos a nós adoçá-lo (ao neoliberalismo) até a tecnologia o extirpar por completo.

P. Lumumba disse...

Desculpem interromper, mas diogo, se dizes:

1- aumento de produtividade com a introdução de novas tecnologias

2- consequente diminuição de salários

so' vejo ligacao entre (1) e (2) numa lo'gica simplesmente neoliberal. A lei do mercado leva a que os sala'rios fiquem baixos pela existencia de mao-de-obra excedenta'ria. Se a lo'gica nao fosse neoliberal, haveria mecanismos de regulacao laboral que levariam a um aumento de sala'rios correspondente ao aumento de lucros da empresa (ver o que se passou em Abril-Julho na Alemanha), ou de regulacao social.

Por isso, nao sei que argumentacao e' a tua, mas acabaste simplesmente por apoiar a citac,ao com que comec,as...

Diogo disse...

Lumumba,

Não sei se percebi bem o que queres dizer. Mas todos os países têm seguido, uns mais outros menos, modelos liberais. Donde, o aumento de produtividade com a introdução de novas tecnologias tem conduzido à diminuição de salários.

Defendo que isto deve ser combatido. Mas nunca com neoliberalismos. A fase intermédia poderá passar pela redução da carga horária sem redução do salário. No limite será o fim do emprego.

jcd disse...

"Em suma, Nuno Teles, o gráfico que apresenta reflecte isso mesmo: aumento de produtividade com a introdução de novas tecnologias e a consequente diminuição de salários (induzida pela primeira).

Não estão-se a esquecer dos 40 milhões de imigrantes que fizeram a grande pressão de contenção salarial no trabalho não especializado?

Procurem esse gráfico incluindo apenas os nascidos na América e vão ver como é diferente.

Depois façam o mesmo gráfico só para os imigrantes (incluindo as remunerações nos países de origem.

Afinal, quem ficou a perder?

Diogo disse...

JCD

«Procurem esse gráfico incluindo apenas os nascidos na América e vão ver como é diferente.»

Middle class barely treads water
(A classe-média mal consegue respirar)

By Christine Dugas, USA TODAY

Millions of middle-class families can no longer afford to live on two incomes.

A generation ago, a typical American middle-class family lived on the income of a single breadwinner. In recent years it has taken two working spouses to live the modern middle-class dream.

Caro JCD, parece que mesmo a malta nascida nos EUA com trabalho especializado não anda bem de finanças.

P. Lumumba disse...

diogo,

acho que estamos desencontrados. Vamos por pontos para nos percebermos bem.

1- Tu dizes que é errado afirmar que a divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas nao é por culpa do neoliberalismo.

2- tu dizes que a culpa é do desenvolvimento tecnológico que leva a um aumento do desemprego e portanto a uma queda nos salários.

Certo?

O problema é que só numa economia liberal é que a lógica do ponto (2) faz sentido. Quando só as regras do mercado se aplicam, e como tu dizes, ai entra o neoliberalismo.

Se houve um aumento de produtividade, mas os salários estao na mesma, para onde foi o excedente? O avanco tecnológico é apenas uma desculpa, o motor por trás da diferenca continua a ser o neoliberalismo (seria sempre possivel distribuir o excedente por desempregados ou pelos trabalhadores, por isso poderia haver desenvolvimento tecnológico e mesmo assim nao se ver a disparidade que se verifica no gráfico).

P. Lumumba disse...

perdao, no ponto 1 deveria-se ler:

1- Tu dizes que é errado afirmar que a divergência entre a produtividade e o salário horário nos E.U.A. durante as últimas décadas é por culpa do neoliberalismo.

Diogo disse...

Meu caro João Dias,

Façamos um recuo de 10.000 anos na história e voltemos ao pré-neolítico (anterior à agricultura). Para o objectivo desta tese vamos subestimar o peso da tecnologia desse tempo. Nessa altura existem duas grandes forças de trabalho: o homem e a natureza.

Por um lado a natureza produzia as plantas (árvores que forneciam madeira, frutos, cereais, legumes, erva para os animais, etc.), a natureza produzia os animais (reproduzia-os, alimentava-os e desenvolvia-os), e a natureza produzia os minerais (minérios de vários tipos). O homem nada tem a ver com esta produção. É uma produção totalmente autónoma. É a natureza que coloca o fruto na árvore, que faz crescer o cereal, que põe o coelho na toca e o veado na floresta. Tudo isto aconteceria mesmo que o homem não existisse.

Por outro lado temos o homem. O homem pega na madeira das árvores e nas pedras e constrói a sua casa. O homem caça o coelho, o veado, o javali e alimenta-se. O homem colhe o fruto, o cereal, o legume e alimenta-se. Com peles de animais e com determinadas plantas tece as suas roupas. Com as peles cose os seus sapatos. Com madeira e minérios produz os seus utensílios e as suas armas.

Em suma, a natureza produz de forma totalmente autónoma determinados bens e o homem recolhe-os e com mais ou menos alterações consome-os.

A estas duas forças de trabalho (a natureza e o homem), junta-se uma terceira que ganha peso a cada século que passa: a tecnologia.

A civilização vai evoluindo com a tecnologia e surge a roda, o moinho, o barco à vela, a carroça, a caldeira a vapor, o caminho de ferro, o motor de combustão interna, o motor eléctrico, as ferramentas eléctricas, o computador, o software, as telecomunicações e a automação.

Na soma do trabalho total (natureza + homem + tecnologia), esta última vai ganhando cada vez mais peso e autonomia.

Da espada que tinha de ser empunhada e brandida pelo homem, passou-se para o míssil que dispara automaticamente assim que percebe uma ameaça. Da conta feita à mão passou-se ao bilião de cálculos por segundo em computador. Da manufactura básica passou-se à fábrica crescentemente automatizada. Em qualquer processo produtivo a tecnologia tem um peso exponencialmente maior.

A automação e a inteligência artificial têm tido um desenvolvimento avassalador. A máquina, cada vez mais, possui mais dados, tem mais conhecimento e melhor capacidade de decisão. Cada vez é mais inteligente e cada vez é mais autónoma. E cada vez menos precisa de ser dirigida pelo homem.

Tal como a natureza produzia sozinha há 10.000 anos (e ainda o faz em muitos produtos que utilizamos), também a tecnologia está cada vez mais próxima de produzir sozinha. O desenvolvimento tecnológico é exponencial em todos os campos que se considere. Donde, no binómio homem-máquina na produção, o homem tem cada vez menos peso. Em breve não terá nenhum e a máquina produzirá sozinha.

Nessa altura, a fábrica totalmente automatizada não poderá ser privada. Porque não existirão trabalhadores com salários, e sem salários não há poder de compra. Sem poder de compra não há vendas. Sem vendas não há lucros. Sem lucros não há empresas privadas. Qualquer empresa automatizada, seja o que for que produza, pertencerá à sociedade.

Este novo paradigma será um faça-você-mesmo numa nova base tecnológica. A cada indivíduo será atribuído um determinado crédito para um certo período e ele poderá servir-se da tecnologia dentro desses parâmetros. Poderá chegar ao pé uma máquina que serve bebidas, pagar e pedir um café. Ou poderá escolher e personalizar a planta da sua casa num programa avançado de CAD que será depois construída por robots. Etc.

Isto não é ficção científica. O número crescente de desempregados e o desenvolvimento exponencial do hardware e do software estão aí para prová-lo. Vamos acelerar a transição ou vamos permanecer agarrados a um passado de emprego que cada vez existe menos?

jcd disse...

"(A classe-média mal consegue respirar)"

Com 70.000 USD de rendimento e queixam-se como toda a gente.

Sabes, um tipo que ganhe 50.000 contos por ano também tem muitas dificuldades em pagar o leasing do iate, do Ferrari e da moradia na Quinta da Marinha.

Diogo disse...

JCD,

«"(A classe-média mal consegue respirar)" - Com 70.000 USD de rendimento e queixam-se como toda a gente.»

Ingratos!

The diminishing Middle Class

A large population occupying the economic strata between the rich and the poor is a relatively recent -- and potentially fleeting -- post-war phenomena. There have been merchants and craftsman for thousands of years, but they were much closer in lifestyle to the poor than the rich. On a scale of 1-10, with the poor at 1 and the rich at 10, I'd put this group at a 3. It wasn't until the post WWII period where the middle really moved towards, well, the middle, occupying a range from 4-6. (These #s are not quantifiably derived -- they are rough estimates).

I wonder if today we are at the onset of this group becoming a considerably smaller. Think about the jobs that used to pay a comfortable wage + benefits, from manufacturing to postal workers, that are going away or getting downsized or simply replaced by technology and/or the private sector.

Consider also the reasons why GM and Ford have such competitive legacy problems -- they are competing against Korean and Japanese companies who's government pays for many of the expenses of their rising middle class -- healthcare, child care, retirement accounts, etc. And the competition from Chinese firms is so intense because their workers are willing to accept wages that moves them from the 0/1 range on the 1-10 scale to a 2-3.

Some Americans have adapted by throttling back their lifestyle -- in effect becoming lower income. Others have gotten the entrepreneurial spirit, started their own gigs, and moved further upstream. But for the most part, the middle class is getting squeezed smaller, with each end of the bell curve distribution moving (up or down) into the adjacent class.

Filipe Melo Sousa disse...

Estranho, se a actividade empresarial é tão lucrativa, e a mão de obra tão barata, porque não existem mais pessoas a abrir empresas?

L. Rodrigues disse...

Porque até agora havia mais dinheiro a fazer na especulação financeira?

Mar Verde disse...

Alemanha 2007-09-24 10:12

Salários líquidos na Alemanha são iguais aos de há 20 anos atrás

Os salários líquidos na Alemanha são tão baixos como há 20 anos e têm sofrido um contínuo retrocesso nos últimos três anos, segundo um estudo estatístico do Ministério de Assuntos Sociais alemão.

Rita Paz

Revelado hoje pelo jornal alemão "Bild" e citado pela agência Efe, o mesmo estudo revela que apesar do processo de recuperação económica, os rendimentos líquidos dos trabalhadores continuam a descer, enquanto os impostos aumentam.

A estatística oficial mostra que o salário médio de um trabalhador na Alemanha em 2006, após o desconto de todos os impostos e taxas sociais, era de 1.320,42 euros por mês.

Em 1986, equivalia a 1.315,40 euros.

Além disso, um trabalhador na Alemanha paga por ano uma média de 9.291 euros em impostos salariais e taxas sociais, face aos 5.607 euros de há 20 anos atrás. O aumento neste período foi de 66%.

Como se não bastasse, apesar dos salários terem aumentado em média 4,1% nos últimos três anos, os preços subiram 7,1%.

Fonte: http://diarioeconomico.com/edicion/diarioeconomico/internacional/economia/pt/desarrollo/1039013.html