É conhecida a anedota - adaptada para diversos ambientes políticos - em que um professor primário pede à turma um exemplo de um animal que voe. Depois dos óbvios condores, canários, corvos e patos, um dos meninos lembra-se de outro: o crocodilo. “Crocodilo?!” indigna-se o velho professor. “Quem foi que lhe ensinou tamanha burrice?!”. "”Foi o meu pai”, responde o petiz. “E o que é que faz o seu pai?” “É da polícia.” O professor atalha de imediato: “Bem, voar, voa, mas baixinho”.Não sei porquê, mas ao ler os posts do Nuno Serra, do Paulo Coimbra e do Vicente Ferreira lembrei-me de uma sugestão a dar ao economista e professor Ricardo Reis, para que possa sair da situação em que está, ao insistir - como disse na RTP, no programa É ou não é? - que “os salários acompanham o que é a produtividade” (ver aos 22m33s, mas convém ver o programa inteiro).
Da próxima ver, talvez possa responder: “Bem, lá acompanhar, acompanham, mas por baixo...”
Nota para leigos
A questão de saber se os salários acompanham ou não a produtividade não é discipicienda. É, aliás, uma questão fulcral. Trata-se de definir como se reparte entre trabalhadores e capital o bolo do rendimento criado. Basta ouvir os deputados à direita e os dirigentes das confederações patronais para perceber a importância que lhe é dada. Dizem eles:
“Os salários não podem subir mais do que a produtividade”, “não se pode distribuir o que não se tem”, “primeiro cria-se e depois distribui-se”, “as empresas é que criam emprego”.Porque dizem isto?
Porque sabem que se os salários subirem menos que a produtividade, a parte do capital na repartição do rendimento sobe. Se os salários subirem mais do que a produtividade, é a parte salarial no rendimento que sobe. E pretendem fazer crer que, até aqui, os salários têm subido mais do que a produtividade ou que, pelo menos, têm acompanhado a produtividade (e assim é que deve ser).
E o que é que tem acontecido? Os gráficos expostos nos posts referidos são mais do que claros.
Os salários em Portugal são, por diversas razões, demasiado baixos. E apesar disso, ainda foram expoliados pelas alterações à legislação laboral aprovadas no mandato Passos Coelho/Portas (ver aqui o 1º relatório) - cujos efeitos se estenderam, na sua maior parte, pelo Governo PS. Depois, sofreram um novo corte durante a pandemia (ver aqui) e, pior ainda, foram delapidados pela inflação, cujos efeitos não foram combatidos, alegadamente por receio de "uma espiral inflacionista" que, pelo que foi exposto, não havia forma de ter existido.
A vida dos trabalhadores está a tornar-se impossível.
Não foi por acaso, aliás, que o Governo quis fazer aprovar um acordo de médio prazo para a recuperação dos salários no PIB (ver aqui no ano 2022) cuja eficácia está - sublinhe-se - cada vez mais longe de se verificar. E, por isso, o mantra de deputados à direita e dirigentes patronais - e Ricardo Reis - visa criar um verdadeiro anátema à mais que expectável e justa subida salarial.
Nem sei como é que os trabalhadores não se zangam ainda mais.
Talvez graças às ideias repetidas e ampliadas diariamente por uma comunicação social adormecida e impregnada de ideias erróneas, passadas diariamente aos milhões de espectadores, por diversas formas e através de uma maioria de comentadores escolhidos a dedo que, sem pensamento próprio ou sem tempo de estudar, repetem o que está mais à mão.
Como se vê, ele há crocodilos que voam, mesmo sem polícias.
3 comentários:
Uma coisa são divergências de pensamento, outra é sanha. Parece ser o caso do blog com Ricardo Reis. O pouco que leio sobre ele é aqui. Calma, já parece vingança de pessoal lgbti. Sejam mais CIS, mais straight.
Caro anónimo,
Não se trata de nada pessoal. Não discutimos pessoas, mas ideias. Por vezes, algumas pessoas são elevadas a certos níveis, o que acabam por enobrecer também as ideias que defendem, mesmo quando essas ideias podem estar erradas e socialmente enviesadas.
E depois, por muito que possa parecer excessivo, acho que mesmo assim pecamos por defeito face à cacafonia com que essas ideias - erradas e socialmente enviesadas - são repetidas vezes sem conta.
Talvez devamos fazer uma promessa: iremos repetir, repetir e repetir até que a ideia de aumentar os salários se torne oficial.
Claro que não o faremos. Mas já viu o que iria demorar, não já? ;-)
Anónimo 17:05, li pouco sobre o Ricardo Reis aqui, ao contrário do que diz. Vi antes uma crítica incisivamente manifestada contra as afirmações falsas de Ricardo Reis. Neste aspecto, de facto, é inseparável criticar ideias de autores. Não há volta a dar. RR pode fazer pode fazer o mesmo ou até mais (dadas as facilidades que tem com a comunicação social) sobre os autores do Blog, que são reconhecidos, se tiver capacidade para isso.
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