No final da semana passada, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC) publicou a primeira versão da revisão do Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030), o principal instrumento de política energética e climática para esta década. O documento, que terá de ser avaliado pela Comissão Europeia e posteriormente alterado em função dessas recomendações, fixa em 85% a meta de incorporação de energias renováveis na produção de eletricidade em 2030 (o objetivo inicial era de 80%).
O governo pretende duplicar a capacidade instalada de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis até ao final da década. O maior crescimento virá do solar fotovoltaico (centralizado e descentralizado): Portugal tem, atualmente, 2,6 GW em operação, o objetivo para 2030 é de 20,4 GW (14, 9 GW de produção centralizada e 5,5 GW de produção descentralizada) – esta meta duplica os valores previstos na versão prévia, aprovada em 2020. De acordo com o comunicado do governo, a estratégia de transição energética representa um investimento de 75 mil milhões de euros em projetos de produção de energia verde (eletricidade e gases renováveis, como o hidrogénio verde e o biometano).
Também na semana passada, Christine Lagarde, aquando da sua participação no Fórum do Banco Central Europeu (BCE) que decorreu em Sintra, atribuiu à recuperação dos salários reais (não do seu, evidentemente) a responsabilidade pela eventual persistência da inflação acima dos valores considerados adequados pelo BCE. Mais do que declarações polémicas que “incendiaram” as redes sociais, as afirmações erróneas de Christine Lagarde são sintomáticas de uma política monetária, assente na combinação perniciosa de taxas de juro elevadas e de compressão salarial, que poderá condenar a transição energética ao fracasso.
Não se espera, obviamente, que o BCE resolva a crise climática, mas sem um Banco Central alinhado com o avultado investimento público e privado no sistema energético, a transição dificilmente ocorrerá. Ao elevar os custos de investimento, através das suas medidas, esta instituição influencia, necessariamente, as opções de política climática e energética. Com efeito, as energias renováveis exigem investimentos iniciais substanciais e são sensíveis à deterioração das condições de financiamento e ao aumento das taxas de juro.
Como exemplificam Philipp Heimberger e Lea Steininger, enquanto uma central termoelétrica alimentada a gás natural pode utilizar as suas receitas presentes para pagar novos combustíveis, um projeto de energias renováveis de grande escala, como um parque eólico offshore, ou até mesmo uma central de hidrogénio verde ou uma mega central fotovoltaica, utiliza as receitas presentes para pagar o serviço da dívida contraída para despesas de capital. Deste modo, quanto mais elevado for o custo do capital, menos atrativo é o investimento neste tipo de projetos.
Por conseguinte, taxas de juro elevadas poderão impedir investimentos urgentes para atenuar a crise climática e realizar a transição energética. Além disso, a concomitante compressão salarial impede qualquer tipo de justiça social ao longo deste processo, esvaziando o slogan da Comissão Europeia de “não deixar ninguém para trás”. Não esqueçamos: fim do mundo, fim do mês, a mesma luta.
As políticas climáticas e energéticas deverão ser conduzidas à escala nacional, por representantes políticos democraticamente eleitos. Os investimentos têm de ser impulsionados pelo Estado através de instrumentos de planeamento robustos e investimento público em energias renováveis, na modernização da rede elétrica, na eletrificação da ferrovia e dos transportes públicos rodoviários, ou ainda na reabilitação e renovação energética do edificado. Isto exige um Banco Central subordinado às prioridades orçamentais democráticas, não impondo restrições financeiras.
O agora ex-editor de energia do insuspeito Financial Times é perentório: “o capitalismo não conseguirá concretizar a transição energética com a rapidez necessária”. Terão de ser os governos a liderar este novo “Plano Marshall”, acrescenta, o que implicará incorrer em “défices orçamentais significativos”.
Com a sua política, o BCE e as restantes instituições europeias são parte do problema social e ecológico. A análise e a solução têm mesmo de ser sistémicas.
Crónica publicada no setenta e quatro na semana passada.
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