sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Da ascensão relativa da extrema-direita, numa Europa dividida e sombria

Em artigo recente no Financial Times, que vale muito a pena ler e a que cheguei através do Ivan Nunes, Tobias Buck pergunta: por que é «uma década após o início da crise, a Espanha ainda não assistiu ao surgimento de um partido populista de extrema-direita como a Frente Nacional em França, a um movimento anti-imigração como a Alternativa para a Alemanha, ou a um movimento anti-União Europeia como o UKIP, no Reino Unido»?

Focando-se na recente história política do país e o seu perfil de desenvolvimento relativamente tardio, Buck resiste às leituras simplistas e encontra numa teia mais complexa e diversa de fatores a razão pela qual não surgiu até agora, em Espanha, nem um partido de extrema-direita nem movimentos relevantes contra a Europa e a imigração. Entre esses fatores, assinala a memória (e a vivência) ainda fresca da ditadura e do fascismo, a adesão à UE (e o ciclo de crescimento que a mesma impulsionou), ou a especificidade das recentes vagas de imigração (mais voláteis e que não disputam, como sucede noutros países, o recuo dos benefícios de um Estado Social menos desenvolvido e menos «incrustado»). Isto é, traços que coincidiriam em ampla medida com uma análise que tomasse como objeto o caso português.

Ao desenvolver o argumento, Tobias Buck faz referência aos interessantes resultados do inquérito realizado em setembro de 2016 pela YouGov/Demo e que apontam para «uma Europa mais sombria e dividida», na «era do medo» que estamos a atravessar. Refletindo os diferentes matizes, à escala nacional, em termos de expressão dos movimentos de extrema-direita, xenófobos e eurocríticos (por boas e más razões, naturalmente), o estudo assinala a existência de distintas vontades e expetativas quanto ao processo de integração europeia.


Como seria de esperar, o Reino Unido lidera a rejeição da UE, com 46% a defender a saída e 23% a optar por ficar, mas com uma redução dos seus poderes. Em França, sobressai a opção por permanecer, mas com um reforço dos poderes dos Estados membros, defendido por 1 em cada 3 inquiridos (e situando-se em 22% o peso relativo dos que defendem a saída). Na Alemanha, ficar na UE constitui a resposta dominante, mas com uma divisão equitativa entre os que querem que a Europa tenha menos poderes e os que desejam que os seus poderes sejam reforçados. No caso de Espanha, ficar na UE constitui a opção da maioria dos inquiridos (54%), mas com um peso maior dos que defendem a redução dos seus poderes (31%) face aos que defendem o reforço do poder da União (23% do total).

O cálculo da média simples destes resultados sugere algumas conclusões adicionais: manter o atual estado de coisas não parece ser uma opção a considerar (apenas 10% dos inquiridos a escolhem), à semelhança da solução federalista, com a constituição de um governo único europeu (a que aderem apenas 11% dos inquiridos). E se a vontade de permanecer na UE recolhe a opinião favorável de 43% dos inquiridos, entre eles apenas 16% defende que essa permanência se traduza num reforço dos poderes europeus. Isto quando quase 1 em cada 4 (24%) defende, no longo prazo, a saída da União.

Era bom que este inquérito fosse realizado regularmente e se estendesse aos 28 Estados membros da UE. De facto, custa bastante a perceber que o Eurobarómetro não inclua esta questão concreta nas sondagens e inquéritos de opinião que realiza regularmente.

4 comentários:

Jose disse...

No Reino Unido não seriam os dados do referendo a serem nomeados, ou não são satisfatórios?

Anónimo disse...


Vendo por esse prisma nota-se a escolha da Espanha, França e Alemanha eixo contínuo, motor e centro geográfico desta U.E. sem atender à periferia. Nesta analise tudo se resume às forças centrípetas e hegemónicas da política neoimperialista sem necessidade de recorrer ao todo. E´ claro que o RU não poderia deixar de ser contemplado nesta acervo de consulta.
Nota-se também um status esvaziado de personalidade própria em que aquilo que nos quiseram e querem impingir - a Grande Pátria Europeia – não vai existir mais. Os poucos estudos aflorados aqui e ali sobre este projecto com mais de meio seculo perdem-se na inautenticidade. Desculpem mas não estou nos meus dias, de Adelino Silva

Anónimo disse...

Qualquer estudante de nível médio sabe que só se deve comparar o que é comparável. O que se avalia são os resultados de um inquérito. Ponto final

O referendo no Reino Unido teve os resultados que teve e são conhecidos de sobejo. São estes que determinaram a saída do RU.
É curioso que no inquérito em questão, realizado cerca de três meses após o referendo, o sentimento de rejeição continua a dominar e por uma margem ainda maior do que a obtida no referendo.
Tais dados têm o valor que têm.Mas mesmo avaliados sob um prisma muito cauteloso dá para fazer ruir por terra as narrativas sobre os milhões de "arrependidos" no seu voto no Brexit e o carácter não democrático da escolha no referendo

Pelo que se percebe que sejam estes resultados que não são satisfatórios para o sujeito das 19 e 49, empedernido apoiante do Remain, à semelhança do grande capital da City

E como tal rabia, embora de forma não satisfatória

Anónimo disse...


De facto esta análise remete-nos para valores claros, mas insisto, não e´ por acaso que só foram citados os maiores países que sustentam esta EU.
E tal como diz no post, e´ pena que a análise não se estenda aos outros 24 paises…
Para quem acredita como eu que a independência e soberania nacionais estão acima de quaisquer moeda de troca, esquecer a verdade dos factos premeia a mentira e que nem meias verdades servirão para apoucar seja o que for.
Aqui em Portugal, aquando da atitude entreguista do PS e PSD, somente o PCP tentou levar o povo a manifestar-se nas ruas contra tal crime lesa-pátria. Talvez os povos estejam mais interessados no prato de lentilhas…talvez! De Adelino Silva