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Lê-se em toda a imprensa escrita e ouve-se na rádio e na televisão que Portugal está a ser atacado pelos especuladores financeiros, essas entidades que, na óptica de alguns analistas "sérios", fazem as suas escolhas racionais por inspiração divina e que actuam nos mercados à margem de quaisquer considerações políticas ou éticas. As apostas dos especuladores em torno da possibilidade de incumprimento por parte do Estado português traduzem-se na subida das taxas de juro da dívida pública, apoiado pelas sábias sentenças das todo-poderosas agências de rating, aumentando a instabiliade e gerando um clima de pessimismo generalizado.
Enquanto a Alemanha vai fazendo tardar a decisão de apoiar a Grécia, permitindo assim o estímulo do apetite dos abutres, o governo português e o maior partido da oposição fizeram convergir as suas posições, em nome do “interesse nacional”. Como resposta aos ataques dos especuladores, o governo decidiu, por sua vez, atacar aqueles que mais têm sofrido com a crise, cortando no apoio aos desempregados - e há até, quem lhe chame "moralização", como se "incentivar o regresso dos desempregados ao mercado de trabalho" não tivesse como pressuposto que o desempregado é um preguiçoso, um privilegiado, um "susidiodependente" cuja humilhação e rebaixamento necessita ser revista e aumentada, responsabilizando-o pela sua situação, retirando-lhe parte do seu dinheiro, forçando-o a fazer "trabalho a favor da comunidade", como se tivesse que expiar um crime; como se tudo dependesse de uma decisão pessoal da vítima e não da estrutura de oportunidades da oferta.
Qual Abraão, cego de obediência e desejoso de agradar ao poder divino dos mercados, o governo está prestes a imolar as principais vítimas da crise e, com elas, a sua última réstia de dignidade, se é que ainda lhe sobra alguma. O ataque aos desempregados a mando dos mercados financeiros tem um nome: cobardia política. Não sabemos se esta nódoa sairá com benzina eleitoral, mas palpita-me que Pinto Balsemão levará Passos Coelho – o próximo primeiro-ministro de Portugal - à próxima reunião do Clube de Bilderberg, tal como antes fez com Durão Barroso, José Sócrates e Santana Lopes. E não deixa de ser curioso pensar que há quem acalente a ilusão de que em 2011 a oposição à continuidade da selvajaria neoliberal se poderá vir a fazer a partir da Presidência da República… Mas nenhum anjo poderá já deter a violência do golpe.