O actual debate sobre as opções do PEC é importante porque clarifica as posições dos actores políticos (num sentido lato que inclui alguns jornalistas 'formatadores' de opinião) e permite a muitos cidadãos fazer escolhas eleitorais melhor informadas. No entanto, estou convencido que o PEC não vai ser executado e vou tentar dizer porquê.
Como o Primeiro-Ministro grego tem afirmado repetidamente, as actuais dificuldades financeiras da Grécia não residem (pelo menos até agora) na impossibilidade de encontrar compradores para títulos da dívida pública. O problema está sobretudo nos juros proibitivos que tem de pagar. Entretanto, o acordo obtido há dias na cimeira da UE em Bruxelas para ajudar a Grécia tinha apenas em vista reduzir o elevado risco que o mercado atribui à dívida grega. Tratava-se apenas de manipular as expectativas dos especuladores. As notícias têm dado conta de que o resultado desta manobra foi nulo. A Grécia continua a pagar juros proibitivos nas novas emissões de títulos.
Ainda ontem o Diário Económico noticiava que a "Alemanha recusa apoio à Grécia abaixo do preço de mercado", o que significa que os empréstimos dos parceiros europeus são apenas o último recurso quando a procura do mercado ficar aquém das necessidades de financiamento do governo grego. O que vai acontecer à Grécia é previsível. Com a recessão que a UE está a provocar à escala do continente, o crescimento da dívida grega vai intensificar-se e criar um efeito "bola de neve", por muito que tente reduzir a despesa pública e aumentar impostos. Aliás, essa "austeridade" é um factor adicional de agravamento do défice grego e terá repercussões também sobre a própria Alemanha. Assim, paradoxalmente, também a Alemanha não vai cumprir o seu PEC!
Como diz Wolfgang Münchau no Financial Times de 29 de Março, "nestas circunstâncias chegará o momento em que o governo grego concluirá que o incumprimento é, do ponto de vista financeiro, a melhor solução disponível." E mais adiante faz várias perguntas: "O que acontecerá se Portugal também passar por esta dificuldade? E a Espanha? E a Itália? Existe uma agenda para lidar com os actuais desequilíbrios nas balanças de transacções correntes? Alguma vez aceitará a Alemanha qualquer responsabilidade pela coesão na eurozona que não se reduza a esperar que os outros convirjam com a Alemanha?"
E termina o seu artigo desta forma: "Como actor político, a senhora Merkel em particular é muito persuasiva. Mas a política de fumo e espelhos não consegue enganar toda a gente o tempo todo. Isto não vai acabar bem."
Também eu estou convencido (por muito que isso me desagrade) que esta crise vai ter graves consequências sobre a 'moeda única', ou seja, sobre a vida de todos nós. Por isso, entendo que as esquerdas devem dar início a um diálogo tendo em vista preparar uma alternativa política e um programa de governo à altura do que nos espera. Esse passo significaria um grande salto qualitativo na vida política portuguesa e revelaria um grande sentido de responsabilidade que a generalidade dos cidadãos saberia valorizar. Será isto uma miragem?
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11 comentários:
Ontem li um artigo escrito por Gilles Raveaud, cronista na revista Alternatives Économiques, e que se intitula assim: "Face aux déficits et à la crise de l’euro, l’Allemagne décide d’accroître les salaires" (link: http://alternatives-economiques.fr/blogs/raveaud/2010/04/01/face-aux-deficits-et-a-la-crise-de-leuro-lallemagne-decide-daccroitre-les-salaires/ ).
E o que ele lá diz, se bem percebi, é que os alemães, por força das circunstâncias, se preparam para mudar radicalmente as políticas que têm imposto aos restantes países europeus - políticas essas que, se percebi o texto, farão as delícias de pessoas como, por exemplo, os bloguers do Ladrões de Bicicletas (julgo eu...) e de muita gente da esquerda.
Será que podem confirmar ou desmentir o que lá está escrito?
Eu próprio desejo a pés juntos que aquilo que lá está dito seja verdade.
Obrigado.
Excelente artigo, amigo Bateira: falta Europa, falta convergência entre as esquerdas, para quando?
abraço
AF
Caro Xavier Brandão
Lamento desiludi-lo. O texto de Gilles Ravaud é excelente ... mas foi escrito para nos fazer pensar na alternativa à actual situação. Foi escrito no dia 1 de Abril, "dia das mentiras".
Veja o Post Scriptum!
Obrigado pela sua participação.
http://ruadopatrocinio.wordpress.com/2010/04/06/voces-sao-as-proximas-vitimas-disse-theodoros-pangalos-mas-o-problema-nao-esta-no-sector-publico/
Isto não vai acabar bem, não vai, não!!!
por cá, enquanto o ps não se identificar, realmente, com a esquerda não há possibilidade de governo à Esquerda!!! certo?? porque A Esquerda está pronta e com alternativas, certo?!?
O mesmo se passa na Europa! com os ps's da lá enfranquecidos, pois todos eles têm feito uma politica neo-liberal, certo??
se estamos reféns da politica neo-liberal, só há uma solução!! Parar a europa com greves e manifestações!!! só assim!!! não esqueçam que todas as cnquistas nunca foram dadas mas sim obtidas pela Luta dos Povos!!! Povo da Europa!!
agora, esta sensação de anestesia que se vive, é de morte!!! lenta...
ISTO SÓ ACABA BEM, QUANDO TODOS QUISEREM!!! certo?!?!
p.s.você disse que 1 de Abr. é dia das mentiras?!?! ... e os outros?!?!?
Caro Jorge Bateira,
Obrigado pelo esclarecimento.
Ao Gilles Raveaud não falta sentido de humor, e a mim ingenuidade (e desatenção). Parece que vou ter que voltar aos antidepressivos...
Cumprimentos.
Nem vale a pena comentar essa lapalissada da quantidade vs preço no mercado de dívida da Grécia...
Mas vale a pena referir-me à "alternativa de esquerda" que deve ser proposta: neste momento a dívida global do Estado está em 100% do PIB e o mesmo Estado gasta 50% do Produto. Qual será então a tal "alternativa de esquerda" a esta situação? Levar a dívida a 150% do PIB e por o Estado a gastar 75% do Produto???
É que, não sei se sabem, mas esse caminho tem vindo a ser tentado - na Grécia, essa mesmo! - e o resultado está à vista para quem quiser ver...
caro Miguel,
Como bem sabemos, um Estado não pode ser alvo de processo de insolvência se deixar de conseguir pagar as suas obrigações. Mas não convêm que deixe de as conseguir pagar não é? Todos temos a certeza que é necessário mudar a situação do défice das contas públicas e do desequilibrio comercial externo, mas, a forma de o conseguir não é única.
Uma alternativa à esquerda pede uma solução integrada no contexto da UE. Por exemplo, a Alemanha não se pode esquecer que o desequilibro do comercio externo dos países do sul é feito de fortes excedentes comerciais de outros países como a propria alemanha.
Se Portugal não pode ir à falência, pode, das duas uma, ser abandonado à sua sorte, sair do euro, ficar com sanções económicas para as próximas décadas, tudo para pagar as dividas que foi contraindo.
Ou pode agora decidir-se, em conjunto com a UE, por um plano económico que promova o pleno emprego e o crescimento, que nos deixe sair do sufoco a prazo. Só com crescimento económico se pode sair do sufoco.
É esta a alternativa de esquerda...
O PEC é uma miragen... para a outra margem (tal como na canção)!
Na sua parte final, diz, referindo-se ao diálogo da esquerda: "Esse passo significaria um grande salto qualitativo na vida política portuguesa e revelaria um grande sentido de responsabilidade que a generalidade dos cidadãos saberia valorizar. Será isto uma miragem?"
A minha resposta é: É. É uma miragem. Tantos anos de governo à direita deixou sequelas terriveis. Uma delas é a incapacidade, a curto prazo, de parte significativa dos cidadãos valorizarem esse diálogo. Lembro que 63% de pessoas são tolerantes com a corrupção, a corrupão passou a fazer parte do sistema e tem suporte significativo em rostos de "esquerda". Mas o diálogo é o caminho...
Também estou convencido de que os PECs não vão ser cumpridos, como aliás já é costume em muitos paises. Mas isso não é algo de bom, antes pelo contrário, é o caminho do apocalypse.
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