“O problema é evidente, mas a lentidão e a debilidade da resposta põem em causa a sobrevivência do euro. Os mercados não são propriamente uma fonte de sabedoria: são predadores, muitas vezes são estúpidos, são completamente imprevisíveis, se a Alemanha e a Europa não encontrarem soluções, podem provocar estragos.”
Joseph Stiglitz em entrevista ao El País. Qual é o problema? É simples de descrever, mas muito difícil (impossível?) de resolver politicamente no actual contexto: basta ver o que acontece às mais modestas propostas de taxação da banca para que esta internalize parte dos custos sociais das crises financeiras. E, no entanto, vale a pena repetir, até porque nem todos os defensores da integração europeia partilham do europeísmo feliz que deu origem a este desastre institucional: não há moeda única segura sem orçamento federal redistributivo com peso, sem dívida pública europeia (euro-obrigações), sem convergência na fiscalidade e na regulação robusta do sector financeiro e com um BCE que pode ajudar os bancos, mas não pode ajudar os Estados que tiveram de segurar as economias no contexto de uma crise financeira global causada pelos bancos (estatutos…). Não há moeda única segura enquanto o financiamento dos Estados em crise depender dos humores dos mercados financeiros liberalizados, do turbilhão da especulação ou de linhas de crédito público a taxas de juro elevadas e com condições de ajustamento geradoras de depressão (isto é pior do que os planos do FMI nos anos oitenta porque nem sequer existe a hipótese da desvalorização cambial). Não há moeda única segura enquanto coexistirem excedentes e défices exagerados nas relações comerciais como resultado da aposta da burguesia alemã na competitividade obtida por via da compressão salarial. Na Alemanha, onde os salários já são elevados e onde existe um Estado Social robusto, esta estratégia de promoção das exportações à custa dos défices das periferias é mais fácil de aceitar pelos trabalhadores (a ameaça de deslocalização empresarial para leste também ajuda à “persuasão”: sempre a economia do medo), mas, mesmo na Alemanha, esta estratégia não tem gerado grandes resultados em termos de crescimento. Em Espanha ou em Portugal, com níveis salariais absolutos tão baixos – cerca de 40% dos assalariados portugueses ganha 600 euros líquidos por mês ou menos –, com desigualdades salariais bem mais elevadas e com um Estado social mais fraco, imitar a Alemanha é utópico. De qualquer forma, esta estratégia deprime o mercado interno europeu (para onde vão as nossas exportações?), esmaga os países mais fracos, sem instrumentos de política para transformarem as suas economias, e aprofunda a crise europeia geral. Enfim, não há moeda que sobreviva sem mecanismos de solidariedade construídos com alianças políticas. Estamos todos juntos nisto - países credores e devedores - ou então vai cada um para seu lado. E este cenário não será bonito para ninguém. Para ninguém.
[Publicado, em simultâneo, no Arrastão]
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4 comentários:
Essa da burgesia alema como culpada da situacao portuguesa é genial.
Como se os portugueses fossem obrigados a comprar BMWs, Mercedes, etc e tal.
Os unicos responsáveis pelo actual estado de coisas sao Portugal, o Governo Portugues e os Portugueses.
"não há moeda única segura sem orçamento federal redistributivo com peso"
Ainda mais transferencias para os PIIGS? Decadas de fundos de coesão que foram esbanjados num nivel de consumo completamente artificial e insustentavel não é já suficiente? Ainda quer esbanjar mais? Se se criar um orçamento federal quero entregar a governação de Portugal a Berlin, que pelo menos seriamos governados de forma mais responsavel.
", sem dívida pública europeia (euro-obrigações),"
Euro-obrigações? Para os países responsaveis pagarem mais caro por estarem a subsidiar a divida dos PIIGS? E já pensou que a médio prazo os países responsaveis, mesmo que não se fartassem de subsidiar, iam ineviatavelmente reparar que a parte dos PIIGS nas ditas Euro-Bonds já era infinitamente superior aquilo que poderiam pagar? E o que aconteceria então? Ou começavam a fazer transferencias adicionais e crescentes para os PIIGS até ao default geral dos euro-bonds, ou então limitavam o endividamento dos PIIGS. Isto é o que já se está a passar agora. Criar Euro-Bonds seria um profundo disparate, seria só adiar o problema, e os custos do euro-bond seriam por certo superiores à soma dos custos dos bonds dos varios paises, uma vez que o risco está positivamente correlacionado. (nota: estou a utilizar o termo euro-bond como obrigações europeias e não no seu sentido habitual)
"sem convergência na fiscalidade"
A convergencia na fiscalidade é bem vinda mas não é condição necessaria ao sucesso do euro.
"e na regulação robusta do sector financeiro"
Isto é um problema global, não é um problema só da UE. E já agora só regulação não chega, é preciso uma presença publica neste sector com poder para influenciar o mercado. Mas mais uma vez, isto não é uma condição necessaria à subsistencia do euro.
"e com um BCE que pode ajudar os bancos, mas não pode ajudar os Estados que tiveram de segurar as economias no contexto de uma crise financeira global causada pelos bancos (estatutos…)."
O BCE já conduz expansões monetarias suficientes, os bancos compram obrigações dos PIIGS (que não valem mais que titulos do Maddoff) e depositam-nas como colateral no BCE para receber dinheiro fresquinho! Ora, você ainda queria que o BCE emprestasse directamente aos PIIGS? Isso em primeiro lugar não era emprestar, era dar! Em segundo lugar isso precipitaria ainda mais uma crise generalizada e uma inflação incomportavel.
"Não há moeda única segura enquanto coexistirem excedentes e défices exagerados nas relações comerciais como resultado da aposta da burguesia alemã na competitividade obtida por via da compressão salarial. "
Sobre esta asneirada do "Blame thy Neighbour" já me pronunciei N vezes. Aliás, so me pregunto se ainda vai continuar a culpar a alemanha no dia em que a alemanha deixar de exportar para Portugal porque os Portugueses já não têm dinheiro para comprar nada.
"não há moeda única segura sem orçamento federal redistributivo com peso"
Ainda mais transferencias para os PIIGS? Decadas de fundos de coesão que foram esbanjados num nivel de consumo completamente artificial e insustentavel não é já suficiente? Ainda quer esbanjar mais? Se se criar um orçamento federal quero entregar a governação de Portugal a Berlin, que pelo menos seriamos governados de forma mais responsavel.
", sem dívida pública europeia (euro-obrigações),"
Euro-obrigações? Para os países responsaveis pagarem mais caro por estarem a subsidiar a divida dos PIIGS? E já pensou que a médio prazo os países responsaveis, mesmo que não se fartassem de subsidiar, iam ineviatavelmente reparar que a parte dos PIIGS nas ditas Euro-Bonds já era infinitamente superior aquilo que poderiam pagar? E o que aconteceria então? Ou começavam a fazer transferencias adicionais e crescentes para os PIIGS até ao default geral dos euro-bonds, ou então limitavam o endividamento dos PIIGS. Isto é o que já se está a passar agora. Criar Euro-Bonds seria um profundo disparate, seria só adiar o problema, e os custos do euro-bond seriam por certo superiores à soma dos custos dos bonds dos varios paises, uma vez que o risco está positivamente correlacionado. (nota: estou a utilizar o termo euro-bond como obrigações europeias e não no seu sentido habitual)
"sem convergência na fiscalidade"
A convergencia na fiscalidade é bem vinda mas não é condição necessaria ao sucesso do euro.
"e na regulação robusta do sector financeiro"
Isto é um problema global, não é um problema só da UE. E já agora só regulação não chega, é preciso uma presença publica neste sector com poder para influenciar o mercado. Mas mais uma vez, isto não é uma condição necessaria à subsistencia do euro.
"e com um BCE que pode ajudar os bancos, mas não pode ajudar os Estados que tiveram de segurar as economias no contexto de uma crise financeira global causada pelos bancos (estatutos…)."
O BCE já conduz expansões monetarias suficientes, os bancos compram obrigações dos PIIGS (que não valem mais que titulos do Maddoff) e depositam-nas como colateral no BCE para receber dinheiro fresquinho! Ora, você ainda queria que o BCE emprestasse directamente aos PIIGS? Isso em primeiro lugar não era emprestar, era dar! Em segundo lugar isso precipitaria ainda mais uma crise generalizada e uma inflação incomportavel.
"Não há moeda única segura enquanto coexistirem excedentes e défices exagerados nas relações comerciais como resultado da aposta da burguesia alemã na competitividade obtida por via da compressão salarial. "
Sobre esta asneirada do "Blame thy Neighbour" já me pronunciei N vezes. Aliás, so me pregunto se ainda vai continuar a culpar a alemanha no dia em que a alemanha deixar de exportar para Portugal porque os Portugueses já não têm dinheiro para comprar nada.
Os alemães estão mas é a precisar de levar uma martelada na mona para ver se acordam.
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