quinta-feira, 22 de abril de 2010

Todas?

"Todas as mais-valias geradas em 2010 vão ser tributadas já este ano", in Público

O Governo anunciou hoje a tributação de "todas as mais-valias" já em 2010. Mas serão mesmo todas? A isenção das mais-valias está regulamentada em dois diplomas: o Código do IRS, que incide sobre as mais-valias de acções detidas directamente por pessoas singulares e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, que incide sobre os Fundos de Investimento Mobiliário, as SGPS e a isenção sobre não-residentes. Neste momento, estão já apresentados três projectos sobre esta matéria: dois do Bloco (um sobre IRS, outro sobre EBF) e outro do PCP (que altera ambos os diplomas).

O Governo ainda não apresentou o seu projecto mas já entrou em contradição ao dizer que serão tributadas "todas as mais-valias" mas que ficarão de fora os não-residentes e as mais-valias abaixo dos 500€. Esperemos que as contradições e incoerências se fiquem por aqui, já que no debate recentemente realizado, a propósito de um dos projectos do Bloco, o PS se comprometeu com a tributação de todas as mais-valias já em 2010.

A verdade é que não tem sentido introduzir um regime desigual entre residentes e não-residentes. O argumento clássico é o da dupla tributação internacional mas o país já tem várias convenções que permitem eliminar esse problema quando ele se verifica. Quanto ao argumento da fuga de capitais, esse valeria para qualquer um e carece de qualquer tipo de fundamento, de acordo com a experiência de outros países. Isso mesmo foi dito, aliás, por um dos autores do relatório sobre política fiscal encomendado pelo próprio Governo.

O debate na especialidade iniciar-se-á em breve com base em todos os projectos já apresentados. A Direita, depois de perceber que a tributação irá mesmo para a frente, lá resolveu anunciar que também apresentará propostas. Veremos se se vai conseguir que esta reforma, de enorme importância para a justiça fiscal, se fará com a coragem que é necessária.

10 comentários:

João Galamba disse...

Zé,

Desculpa lá, mas isto:

"A verdade é que não tem sentido introduzir um regime desigual entre residentes e não-residentes. O argumento clássico é o da dupla tributação internacional mas o país já tem várias convenções que permitem eliminar esse problema quando ele se verifica"

Não me parece fazer grande sentido. É precisamente por existirem acordos sobre dupla tributação que os não residentes estão isentos. Que eu saiba - posso estar enganado - o que estes acordos determinam é que se é tributado no sítio onde se tem residência fiscal e não onde esses rendimentos são gerados.

Abraço

José Gusmão disse...

João,↲↲O que esses acordos determinam é que um mesmo rendimento não pode ser tributado duas vezes, o que normalmente se impede através de dedução do imposto pago na nova tributação.↲↲Parece que vai dar ao mesmo mas não vai, porque a isenção pura e simples faz com que os residentes que não estão isentos nos seus locais de residência não paguem. Nem onde obtem os rendimentos, nem onde residem.

Dias disse...

Espero que a discussão à volta da rectroactividade ou da rectospectividade na aplicação da lei, não ofusque, afinal, o que pode vir a acontecer. Ou seja, que se irá manter o actual regime de quase isenção para os grandes investidores. Seria a montanha a parir mais um rato…

De qualquer forma, também acho que ninguém pode ser tributado dua vezes.Há mecanismos para tudo, é preciso é ter vontade.

Dias disse...

Errata:
retrospectividade

Ricardo disse...

«Seja bem vindo quem vier por bem...»

Esta velha expressão popular não podia se mais oportuna. Seja bem vindo o BE à defesa da tributação das mais-valias das SGPS, dos Fundos e dos não residentes.
Pena é que, quando do debate da iniciativa do BE, esta força política não tenha admitido que o mesmo fosse valorizado com a discussão conjunta do projecto do PCP que, então, já previa a tributação das mai-valias mobiliárias para além do âmbito do IRS.
Fica a ideia que perante uma proposta mais completa a intenção do BE não tera sido a resolução de uma verdadeira injustiça fiscal, mas antes a marcação de uma agenda de objectivos e interesses próprios.
Quem tanto fala em unidades de esquerda, por vezes, esquece-se de outra velha expressão popular:
«Pela boca morre o peixe!!!»
Mesmo assim, bem vindo Zé...

José Gusmão disse...

Ricardo,↲↲O Bloco sempre defendeu a tributação de todas as mais-valias. O facto de o Bloco ter impedido arrastamentos nada teve a ver com a proposta do PC. Se aceitássemos o projecto do PCP teríamos de aceitar os projectos da Direita, que poderíam baralhar o âmbito do debate. Fizemos, aliás, o que o PCP também já fez montes de vezes: proteger um agendamento centrando o debate na questão em análise. Sobre sectarismo, é preciso ter lata. Sectário é quem quer fazer deste debate uma guerra entre dois partidos que defendem a mesma posição...↲↲Mas enfim: pela sua declaração, já percebi qual vai ser a postura do PCP nesta matéria. Obrigado pelo aviso.

Ricardo disse...

A postura do PCP nesta matéria, como em qualquer outra, é a de contribuir para a resolução de um efectivo problema.

Repito: ao PCP nada move que não seja a efectiva tributação de todas as mais-valias.

Não posso é deixar de reparar que existindo apenas iniciativas do BE e do PCP sobre tributação de mais-valias o partido que por sua iniciativa agendou uma discussão potestativa não tenha permitido que a outra (só existiem duas) não podesse ter sido discutida em conjunto (mesmo com todas as limitações regimentais). Já agora, ainda tenho presente os protestos da bancada do BE sobre o agendamento potestativo de outro partido que não autorizou o arrastamento de uma iniciativa do BE...

Aliás, é curioso, que o BE tomando a iniciativa de agendar uma discussão sobre mais-valias, e apenas tendo um projecto sobre tributação de mais-valias em sede de IRS, partido que defende a tributação de todas as mais valias, não visse com bons olhos a discussão conjunta de um outro projecto-lei (o único que então também existia) que, abordando a tributação das mais-valias mobiliárias numa perspectiva mais ampla (mesmo que incompleta), permitiria uma intervenção parlamentar mais completa e potencialmente que melhor servisse o povo português.

Não venha acenar com acusações de sectarismo que o que afirmei foi a estranheza do facto do Be não ter permitido que um debate e uma intervenção mais ampla se tivesse realizado. Aliás, saudei de forma sincera a recente adesão do BE à tributação de mais-valias mobiliárias no âmbito do EBF com a apresentação de um projecto próprio, que espero possa corrigir lacunas que o do PCP poderá ter.

Por fim, a postura que poderá esperar do PCP será a do apoio a todas as propostas que signifiquem um verdadeiro avanço no sentido da promoção da justiça e da equidade fiscal.

José Guilherme Gusmão disse...

Ricardo,

Como é evidente, se o BE abrisse o agendamento, outros projectos apareceriam.

Sobre sectarismo, felizmente as pessoas vêem e avaliam os discursos do Bloco e do PCP acerca um do outro.

JG

Ricardo disse...

Pois claro!

Mas como diz o povo, nem tudo o que luz é ouro...

João Aleluia disse...

1. As mais-valias devem de facto ser tributadas, uma vez que existir um tipo de rendimento que não é tributado, não só é injusto, como permite que outros tipos de rendimentos sejam recaracterizados como rendimento não tributavel.

2. A taxação das mais-valias não tem nenhum impacto significativo nas contas publicas.

3. Taxar não residentes é um obvio disparate. As convenções de dupla tributação têm como objectivo determinar a residencia do sujeito passivo, sendo que o estado da residencia tributa sempre e o estado da fonte pode ou não tributar consoante o tipo de rendimento e as provisões da convenção. Existem Acordos de Dupla Tributação(ADT) que permitem expressamente a dupla tributação efectiva em muitos casos. Existem muitos paises europeus que nem sequer taxam os não residentes desde que estes provem que pagam impostos noutro estado, e é esta a atitude correcta. O que se passa em Portugal é uma profunda estupidez, alguem que é não residente tem que pedir um formulario 21-RFI para estar isento de retenções na fonte em Portugal, sendo que este formulario tem que ser carimbado pelas autoridades fiscais do pais da residencia, que muitas vezes não carimba porque nem sequer conhece o formulario (que não esta previsto no ADT). Para mais, muitos paises não reconhecem sequer ao estado da fonte o direito de tributar, e portanto a taxa de 20% de tributação de não residentes acaba por se tornar em dupla tributação efectiva. Podia mencionar ainda outras situações em os ADTs são na pratica dificeis ou impossiveis de aplicar.
Ora, ainda que pareça um preciosismo, esta questão dos não residentes tem uma enorme importancia, porque, uma vez que a maior parte dos paises desenvolvidos tem taxas de imposto muito elevadas, a existencia de dupla tributação efectiva torna proibitivamente caro o destacamento internacional de trabalhadores, prejudicando gravemente os investimentos portugueses no estrangeiro e os investimentos estrangeiros em Portugal. A unica razão legitima para taxar não residentes é quando estes não estão sujeitos a imposto no pais da residencia ou são residentes em paraisos fiscais.