sábado, 17 de abril de 2010

Escândalo dos salários e bónus dos gestores, ou o predomínio do poder económico sobre o poder político democrático?



Parece que as Assembleias de Accionistas da EDP e do PT votaram maioritariamente a favor de que não se mexa um milímetro que seja nos chorudos e escandalosos salários e bónus dos seus gestores, os Mexias, os Bavas, os Granadeiros, etc., etc.

Os salários e bónus destes senhores são escandalosos porque:

Primeiro, contrastam com a generalidade dos salários dos trabalhadores, os quais, além do mais, estarão congelados por vários anos (lembram-se do PEC?);

Segundo, porque numa altura em que numerosos trabalhadores perdem o emprego, estes senhores só pensam em remunerar a sua excepcional competência (gerar lucros em áreas protegidas da concorrência internacional e que são monopólios naturais: grande excelência, sem dúvida…);

Terceiro, porque muitos trabalhadores ganham tão mal, tão mal, tão mal que têm que receber ajuda da Rendimento Social de Inserção (RSI): cerca de 1/3 destes beneficiários (do RSI) trabalham;

Quarto, porque estes gestores ganham num mês mais, muito mais, do que o Presidente da República ganha por ano; imaginam a distância face aos salários médio e mínimo dos portugueses?

Quinto, porque este país pobre e muito desigual (entre os 3 campões da desigualdade na Europa) é dos que paga salários e bónus mais altos aos seus gestores (das empresas públicas e privadas).

Há por aí alguns que, porém, louvam estas coisas como um exemplo da separação do mundo da economia face ao mundo dos negócios – vide o editorial do Público de hoje… ou as declarações de António Lobo Xavier, Pacheco Pereira e António Costa num dos útimos programas da SICN “Quadratura do Círculo”... Etc., Etc.

Pelo contrário, eu creio que isto evidencia um forte sintoma de que algo vai mal, muito mal mesmo, nas nossas democracias, sobretudo na portuguesa (a propósito, e na mesma linha, veja-se "Ill Fares the Land", de Tony Judt, em The New York Review of Books).

Porquê? Não só porque isto ultrapassa os limites da decência numa sociedade democrática (vide as cinco razões apontadas atrás) mas também porque isto evidencia uma lamentável subjugação do poder político democrático ao poder económico. Porquê? Primeiro, porque o governo parece que queria opor-se a isto através dos representantes do Estado nas Assembleias de Accionistas supra-citadas, mas não conseguiu!?!? Não se percebe é porque é que não usou a sua golden share nessas empresas… Se não o podia fazer, e devia poder, na minha perspectiva, então porque é que não legisla para taxar esses bónus astronómicos em cerca de 70% ou 80%? E porque não faz algo semelhante para os salários da super-elite económica portuguesa (não é a classe média, de todo!) que, num dos mais pobres e desiguais países da Europa, ganha mais do que grande parte da elite correspondente na Europa e no EUA? Segundo, porque nestas condições, muitos (no jornalismo, na política, etc.) acham isto aceitável em nome da sacrossanta liberdade económica...

Da esquerda à direita, dos empresários aos jornalistas, passando pela Igreja, todos se escandalizam muito quando há notícias sobre o nível desigualdades em Portugal (somos um dos países mais pobres da UE 27 e estamos entre o top 3 das desigualdades sociais), mas quanto se trata de aprovar medidas para corrigir esse problema, aí vem logo a sacrossanta separação da esfera económica face à esfera política… Na verdade, o que tudo isto representa é uma clara subordinação do poder político democrático ao poder económico (não eleito, não representativo) que está corroer a nossa democracia, bem como as democracias do Ocidente.

Precisam-se medidas para restaurar a decência e o predominio da democracia sobre a economia!

18 comentários:

croky disse...

Convém estudar Maslow também. Concordo que grande parte da nossa realidade se resume a necessidades .

De qualquer forma, as necessidades descritas no texto são intrinsecamente materiais. O que Maslow nos pode ensinar nesta óptica é que quem quer tirar vantagem do capitalismo se move por padrões inferiores. No entanto, esses padrões inferiores ditam a nossa realidade económico-social.

O que assistimos hoje em dia é à instauração do capital como forma de vida. Embora não seja Humanamente necessário, ele parece ultrapassar as necessidades básicas dentro do tolerável. O que importa saber é qual o grau do tolerável/intolerável.

A mudança exige sempre saber o grau de intolerância de uma sociedade.

Anónimo disse...

Caro Croky: gostaria de saber como é que o famoso Maslow explica o comportamento de um sacerdote ou asceta religioso sem se enredar em contradições profundas. Ou uma simples greve de fome. Será que ainda há paciência para "autores" como Maslow?

maria povo disse...

... só AGORA é que reparaste que o poder económico se sobrepôs ao poder politico?!?!?!? estamos reféns dos bilderberg...

REVOLUÇÃO, JÁ!!!!

Anónimo disse...

Já ouvi dizer que o exercício do poder político, neste momento, é economia. Perante isto, está tudo dito.

commonsense disse...

Nem todos os ladrões andam de bicicletas ou se limitam a roubar bicicletas.
A minha solução é mudar os contratos da EDP para a ENDESA e da PT para a concorrência:
http://02commonsense.blogspot.com/2010/04/rapina.html

A.Küttner disse...

Sendo que hoje é politicamete correcto estar contra estes bonús, convenhamos que na sua atribuição algo vai mal- comparativamente com o que qualquer um de nós aufere!!!para além da propria recepção, por parte de quem os recebe!!! sentir-se-á confortavel?? mesmo que ache que o merece???? sentirá que se alguem trabalhando sempre, sempre, só tem dinheiro até ao dia 20, e ele tem dinheiro até se vivesse mais 100 anos sem nada fazer???Talvez até assumir-se a vergonha ou a humildade.....não sei???!!!

Augusto Küttner de Magalhães

A.Küttner disse...

Sendo que hoje é politicamete correcto estar contra estes bonús, convenhamos que na sua atribuição algo vai mal- comparativamente com o que qualquer um de nós aufere!!!para além da propria recepção, por parte de quem os recebe!!! sentir-se-á confortavel?? mesmo que ache que o merece???? sentirá que se alguem trabalhando sempre, sempre, só tem dinheiro até ao dia 20, e ele tem dinheiro até se vivesse mais 100 anos sem nada fazer???Talvez até assumir-se a vergonha ou a humildade.....não sei???!!!

Augusto Küttner de Magalhães

José M. Sousa disse...

Parece que os "Tea Parties" chamaram marxista a Obama, por causa dos impostos, numa manifestação recente.
O que seriam então os presidentes dos EUA entre, pelo menos, 1940 e 1979?
Ver, a propósito deste escândalo dos salários dos administradores, as taxas marginais de imposto que eram aplicadas nos EUA aqui. Nem por isso, os EUA deixaram de ter milionários durante este período e a economia americana deixou de prosperar, muito pelo contrário. Talvez devêssemos lançar uma campanha para ter uma taxa marginal de imposto para o escalão mais alto (um novo escalão, digamos para os que ganham mais de 250.000/ano) aí de uns 80%!!!

A.Küttner disse...

Temos que mudar a atitudes.

Temos que actuar de forma diferente, sem violência, mas com prudência e bom senso.
E falar menos, falar muito menos e fazer muito mais.


Para quando um não definitivo a estes bonús? seria a unica proxima vez que nos mesmos deveriamos ouvir falar: já não existem, é passado.

Alguém numa empresa ganhar 80 vezes mais que um seu subordinado, NÃO ISSO. JÁ ACONTECEU....Mas não, nunca mais.

Entretanto!!????? falamos, falamos, falamos

A.Küttner

João Aleluia disse...

1. Não há nada de escandaloso em 1 uma pessoa ganhar 100 ou 1000 vezes mais do que outra desde que essa pessoa seja 100 ou 1000 vezes mais produtiva.

2. O verdeiro crime é desigualdade de oportunidades, uma vez que a maior parte das pessoas que efectivemente e significativamente mais produtivas, só são mais produtivos que os outros porque a esmagadora maioria das pessoas não tem acesso a sistema de educação com qualidade que lhes permita adquirir qualificações com valor no mercado. É a desigualdade de oportunidades que gera a desigualdade rendimentos e consequentemente as desigualdades sociais.

3. Há de facto pessoas (e muitas neste país) que, sem serem mais produtivas nem terem nenhumas competencias especiais, recebem salarios astronomicos. Isto deve-se ao factor C, que infelizmente prevalece tanto no sector publico como no privado. E ainda que se possa criticar a pouca moralidade de quem aufere altos rendimentos desta forma, a verdadeira culpa é de quem possibilita estas situações. No caso da EDP, a culpa é dos governantes que celebram estes contratos, pois da forma vergonhosa como esta empresa é gerida, nenhum dos seus responsaveis deveria receber bónus nenhum. E neste caso a responsabilidade dos governantes vai mais longe ao permitir que a EDP persiga objectivos diversos daqueles que deveria ter e escolha por exemplo investir nos EUA quando temos um serviço em Portugal caro e manifestamente deficiente.

4.Taxar, taxar, taxar! A solução do autor do post, bem como a de muitos outros comentadores é taxar. Ora, nem o autor do post nem nenhum dos outros proponentes desta solução percebe rigorosamente nada de fiscalidade, e provavelmente nem de fiscalidade nem de economia, porque o problema do "enforceability" coloca-se com todas as leis. E é mesmo essa a questão aqui, a menos que passemos a viver numa economia completamente fechada (à la coreia do norte), é completamente impossivel taxar salarios de milhoes a taxas de 70%, nem sequer de 40% ou 30%. Isto acontece porque os titulares destes rendimentos podem pagar uns milhares para recaracterizarem ou omitirem o rendimento de forma perfeitamente legal.

José M. Sousa disse...

«o problema do "enforceability" coloca-se com todas as leis»

A sério?Parece que o João não olhou bem para o quadro do "link" sobre a fiscalidade nos EUA ao longo do Séc XX. Escuso-me a fazer mais comentários sobre a história económica dos EUA e outros considerandos...

João Aleluia disse...

Enforceability significa a capacidade de fazer cumprir a lei e não a possibilidade de a lei existir per si.

Como é óbvio os governos podem criar as taxas e as leis que bem entenderem, já fazê-las cumprir é uma questão bem diferente.

Já que gosta da historia dos EUA, sugiro-lhe que veja este artigo "http://www.irs.gov/pub/irs-soi/03inrate.pdf" e compare na ultima coluna da Figura A a receita fiscal total em 1986 (taxa maxima de 50%) e em 2003(taxa maxima de 35%).

Para mais, existem duas diferenças fundamentais entre a situação Americana nos anos 50 e a situação Portuguesa actual.

Em primeiro, lugar nos anos 50 não existia toda uma industria de consultoria fiscal internacional que na realidade conduz arbitragem fiscal entre todas as economias abertas do mundo. Mesmo nos EUA hoje em dia seria impossivel taxar a 90% seja quem for. Aliás se olhar para as taxas efectivas em vez de para as nominais reparará que a tendência nos EUA (e em todos os países desenvolvidos) é para que estas diminuam. E já agora repare que quando falo de consultoria fiscal internacional, não estou a falar de por o graveto nas cayman e afins (isso é para os nabos), estou a falar de recaracterizar os rendimentos de forma a parecerem actividades economicas legitimas. Isto, quando bem feito, torna completamente impossivel distinguir entre o que é um "esquema" e o que é uma actividade economica legitima.

Em segundo lugar, ter a possibilidade de pagar taxa efectiva zero, como o pessoal que ganha milhões efectivamente tem, não significa que seja boa politica fazer isso. Tanto as grandes empresas como as grandes fortunas particulares sabem que "fica bem" pagar alguns impostos, e na realidade pagam-nos. A questão é que ainda que paguem uns milhões isso nunca será 50% dos rendimentos, nem 40%, nem sequer 30%. O que determina o pagar mais ou menos é por um lado a consciencia civica (que nasce da qualidade da instituiçao à qual se paga os impostos) e por outro lado o medo de atrair o escrutinio social ou até legal fruto da disparidade entre os rendimentos perceptiveis e o imposto pago. Ora, devido a estas duas razões é possivel nos EUA cobrar uma taxa efectiva superior a Portugal e por sua vez é possivel em Portugal cobrar uma taxa efectiva superior a paises como por exemplo o Mexico.
Por um lado, existem muitas vantagens para um cidadão ou empresa americana em operar e pagar impostos nos EUA, por outro lado a melhor fiscalização neste país torna mais cara a elisão fiscal e torna mais arriscado a ostentação de sinais de riqueza inconsistentes com os rendimentos. Mas não se iluda, mesmo nos EUA a maior parte das pessoas que pagam 35%, estão a pagar 35% sobre uma fracção dos rendimentos que auferem. E mesmo nos idos anos 50, duvido que alguem pagasse os 90% sobre a totalidade do rendimento.

José M. Sousa disse...

Caro João

Quanto à diferença de receita entre 1986 e 2003, se a receita crescesse menos de 1%/ano em média (a economia cresceu!), ultrapassava o valor de 2003. A economia cresceu bem acima de 1%!

O crime fiscal existe nos EUA de há muito e isto faz (ou pode fazer) muito diferença.
Os paraísos fiscais estão e foram criados em territórios de países ocidentais; existem porque os EUA, nomeadamente, os toleram.
Se há formas de fugir, é porque os legisladores assim o permitem; se o sistema fôr claro, transparente, conjugando com o resto...
Insisto, desde 1940 até 1979, as taxas marginais do escalão andaram entre 70 e 94%. Parece que os EUA não se deram mal com isso, bem pelo contrário; e os défices gigantescos vieram bem depois.

Miguel Rocha disse...

Sim, a globalização financeira está a dar cabo de nós, literalmente.

Pior que ser uma globalização financeira é ser uma globalização desregulada.

E sim, a esfera económica é quem nos governa e não os "ditos" governos. São as multinacionais que nos governam. Nós somos propriedade das multinacionais quer queiramos quer não.

A única solução seria uma concertação, a nível global, entre governos para tentarem regular a globalização. De outra forma, o poder não voltará ao povo.

Esta recessão global, provocada pela desregulação dos mercados, foi bem aproveitada pelo adeptos do Neoliberalismo seguidores de Milton Friedman, amigo íntimo de Pinochet, para pressionarem os governos a desregularem, a privatizarem e a cortarem nos gastos sociais.

Aproveitaram a confusão e o caos para direccionarem as atenções para o Estado. E para fazer esquecer as pessoas onde a crise começou...Brilhante!

Veremos no que vai dar...

"Fear is the mindkiller."

João Aleluia disse...

Tem razão, admito o erro, a tabela não prova o meu argumento. Estava à procura da receita por escalões de imposto, e como não encontrei, incluí aquela tabela, mas agora que fiz as contas reparo que de facto não permite a comparação que pretendia fazer.

No entanto, e ainda que não tenha dados estatisticos à mão, considero que taxas de tributação efectivas de 40, 50, 60%, etc... são impossiveis de atingir hoje em dia numa economia aberta, pela simples razão de que o contribuinte que ganha milhões só paga essas taxas se quiser.

Lord Nox disse...

O País que perdeu os tomates..

Era uma vez um pequeno país à beira-mar plantado, que quando atravessava graves crises financeiras os gestores recebiam milhões enquanto o povão conta os tostões.
Pois é se o governo tivesse os tomates no sitio, OBRIGAVA em vez de SUGERIR que não fossem pagos prémios aos gestores de empresas com capitais públicos. Afinal as "golden shares" oferecem algum tipo leverage não??!!
A esta hora D. Afonso Henriques está às voltas na campa, a pensar: "Bati eu na minha querida Mãe; pra isto?"

Anónimo disse...

Obrigado por todos os vossos comentários, concordantes ou não comigo!
André Freire

Anónimo disse...

Diminuir a diferença, nao é cortando nos de cima, mas sim aumentando os de baixo.