sábado, 10 de abril de 2010

Reféns do preconceito


Quando o editorial do Diário Económico de 5 de Abril defendeu que o debate sobre o nuclear “não pode ficar refém de um preconceito“, fazendo assim eco do já velho estribilho da “discussão sem tabus” sempre gargarejado pelos adeptos da energia nuclear, não deveremos pensar só em açordas de sável radioactivo servido nas tascas pegachas – do Pego, em Abrantes, uma das localizações prováveis para a construção de uma central nuclear (e onde os 33 que assinam o tal manifesto certamente escolherão construir as suas novas moradias…) – mas, antes, em resíduos. Os resíduos da indústria nuclear de que Mira Amaral não irá falar ao Presidente da República quando, em representação dos interesses do grande capital e desse poderoso alfobre de ciência e de influência que é o Instituto Superior Técnico (onde nasceu o tal manifesto) lhe for apresentar as razões do seu lobby.

O urânio, para servir de combustível a um reactor nuclear tem que ser enriquecido, mas depois de cumprida a sua função produtiva fica pobre e passa a ser conhecido internacionalmente por DU (depleted uranium). Nem assim, contudo, perde a sua utilidade, pois para além da possibilidade de se encerrar este perigosíssimo resíduo em contentores de chumbo e cimento e de o lançar para os abismos oceânicos, restará ainda, talvez, a possibilidade de aliviar a estrutura de custos do empreendimento com uma oportunidade de negócio: vendê-lo para o fabrico de munições, como as que foram utilizadas na ex-Jugoslávia e no Iraque onde, tal como na sequência do desastre de Chernobyl, causaram o aumento exponencial dos casos de cancro e leucemias, para além dos muito reportados fenómenos teratogénicos: o elevado número de nasciturnos gravemente doentes e com malformações. Serão essas crianças, as suas famílias e os médicos que os tratam, reféns de um preconceito?

Mais do que a mera contabilidade das dezenas ou centenas de mexias (unidade equivalente a 3.000.000 €…) que arrecadarão os apóstolos do nuclear (deixando os prejuízos, como já é hábito, para o erário público que subsidiará abundante e prolongadamente os ganhos destes abutres), ou dos mesquinhos problemas políticos e de gestão em torno do preço da energia eléctrica, é para as imagens das crianças de Chernobyl, Vranje ou Fallujah que devemos olhar – e olhar, sim, sem preconceito e sem tabus, como tanto reclamam os que anseiam pelo advento do nuclear. Porque o patamar em que se colocam os problemas deste tipo de fonte de energia não é apenas o dos negócios dos Patricks Monteiros de Barros deste mundo, nem o da (ir)racionalidade de uma política energética destinada a incentivar a competitividade na economia (isto é, o desperdício), como nos querem fazer crer, mas, sobretudo, o da extensão e da irreversibilidade dos danos ambientais e humanos decorrentes do uso desta tecnologia.

16 comentários:

Anónimo disse...

De facto, e na realidade, o Técnico é um poderoso alfobre de ciência (basta olhar para os trabalhos dos centros de investigação e para a qualidade internacionalmente comparada dos estudantes) e até há por lá muita gente contra este tipo de energia.

Ligar os subscritores do manifesto (como o Mira Amaral que também sabe negociar boas reformas, como se viu com a CGD) é apenas uma forma de procurar legitimidade científica - ou então uma boutade do jornalista.

Basta percorrer a lista dos subscritores que o jornal "i" enuncia para perceber que o seu nascimento deve pouco aos investigadores e cientistas do Técnico.

Se Mira Amaral por lá se formou (parece-me que Cardoso e Cunha também), o grosso dos mais visíveis são até economistas. E assim nomes sonantes da investigação feita no Técnico nem encontro nenhum nesta notícia.

Professores de engenharia assim evidentes dou com um (Valente de Oliveira) e é logo da FEUP (outra excelente escola de engenharia, que de certeza também não pode ser culpada deste manifesto e que por lá terá muita gente contra ele)

Estes senhores, parecem-me sim, terem começado a manifestar-se como lobby com algumas declarações do bastonário Santo da Ordem dos Engenheiros, mas o nascimento parece dever mais a moscambilhas de carácter empresário-político do que de carácter investigatório.

Veja-se a origem de Cadilhe, Campos e Cunha, João Salgueiro (economistas) ou de Alexandre Relvas um muito próximo de Cavaco.

Sócrates disse...

Não se poderá construir uma central nuclear que use tório (thorium) em vez de urânio?

http://www.wired.com/magazine/2009/12/ff_new_nukes/

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Quando estive em Serpa a trabalhar, já lá vão mais de 10 anos, havia uma placa que dizia Concelho livre de energia nuclear.

A fotografia que o Francisco nos apresenta é chocante. Se é certo que o nosso país e a Europa em geral necessita de repensar a sua estratégia energética face aos riscos do nuclear é caso para dizer: mais vale estar quieto! Nesta medida, subscrevo inteiramente a sua argumentação quanto à definição clara de que as prioridades humanas e ambientais são as bases de uma vida e de uma Civilização saudável.

É sem dúvida importante denunciar os interesses ocultos que sempre se escondem por detrás destes projectos de inovação tecnológica. Poque como nos diz o Sumo Pontífice muito sapientemente a técnica deve estar ao serviço do Homem e não ao invés.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

José Guinote disse...

Eis aqui um titulo que parece aplicar-se como uma luva ao autor do post. Neste caso um qualquer preconceito fá-lo pretender associar o Instituto Superior Tcnico, enquanto instituição universitária,aos defensores da opção nuclear. Trata-se de um disparate e daí não viria mal ao mundo. Mas insistir numa tentativa de ridicularizar o IST apelidando-o ironicamente de "alfobre de ciência" já releva da pura e dura ignorância que não sendo tão nefasta como a energia nuclear faz - e fica - muito mal. O preconceito e a falta de rigôr não são úteis para nenhuma tipo de debate.

joaozinho disse...

Acho desonesto tomar o exemplo de chernobyl, dado que ocorreu há mais de 20 anos, e desde aí muito se investigou e se aprendeu.
Não sou perito na matéria, acho no entanto que antes de mais devia fazer.se um debate MUITO longo e MUITO aprofundado sobre o assunto. Quem sabe não estará aí a solução para os problemas energéticos do mundo ocidental. Sem preconceitos e sem "chavões".

Francisco Oneto disse...

Caro José Carlos dos Santos
As minhas desculpas, mas não há ironia nenhuma em qualificar o Técnico como alfobre de ciência, pois é pura verdade, ou acha que não? Quanto aos consensos que poderíamos detectar acerca do sentido sociológico do vastíssimo conjunto de práticas que identificamos como "ciência", aí sim, talvez valesse a pena reflectir, começando por interrogar, por exemplo, quem serve quem em que projectos, com que suportes institucionais e financiamentos, etc... Isto não seria preconceito, a não ser que você acredite numa ciência imaculada servindo apenas o ideal do conhecimento pelo conhecimento. Eu não. Eu entendo a ciência como um projecto político e isso torna-se particularmente visível no que concerne às políticas energéticas, particularmente agora com a contenda em torno das energias renováveis (para já não falar do aquecimento global) ou, talvez, de forma mais óbvia, quando o Engº Mira Amaral (a quem, não agindo neste particular «nem por patriotismo nem por convicção, resta o empreendedorismo», como escreveu o Miguel Sousa Tavares no Expresso desta semana) afirma que "este manifesto começou a ser feito há dois ou três meses, por mim e outros professores do Técnico". Não sei se isto é um incómodo para a instituição, mas penso que não, antes pelo contrário. E foi também no Técnico, dizem as jornalistas no link a que você se deve referir, que também lá nasceu a contestação ao aeroporto na Ota. É claro que isso não denota qualquer política oficial da instituição, como você depreende das minhas palavras. E se só por preconceito tomaríamos a nuvem por Juno, convenhamos que só por ingenuidade assobiaremos para o lado quando se tratar de perceber quem está em condições de capitalizar o orgulho e as vantagens negociais associadas ao incontestado prestígio da instituição. Nesta perspectiva, a associação a que você se refere entre o IST e os defensores da opção nuclear faz todo o sentido, para além das próprias palavras do Mira Amaral. Haverá algum outro alfobre de ciência em Portugal com investigação a um nível de excelência internacional capaz de competir com o Técnico? Ou acha que os empresários do nuclear se vão dirigir à Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras para avançar com o projecto?

Francisco Oneto disse...

Joãozinho
Não percebo porque é que parece desonesto o exemplo de Chernobyl? Eu ainda sou do tempo do ZX Spectrum, das impressoras de agulhas e do windows 3.0 e não me parece que o Windows 7 seja definitivo... Acha que as novas gerações de centrais nucleares, supostamente mais "seguras" do que as das gerações anteriores são para ficar? Ou não será expectável que daqui a mais 20 anos estas estarão ultrapassadas por uma nova geração ainda mais "segura"? Talvez entretanto chegue a fusão a frio para nos livrar desta peste...

Anónimo disse...

Mira Amaral é engenheiro mecânico pelo técnico. Mira Amaral (a que departamento pertence ele?) será tanto professor do Técnico como Guterres que andou por lá a dar uns seminários - não pertence claramente à casa.

O jornalista que faz a peça pode dizer o que quiser que isso não constitui uma verdade. Que alguns que por lá andam sejam chamados a dar opiniões e a dêem também não amarra a instituição.

Curioso que prefira passar por alto a minha primeira intervenção (são uns mariquinhas com o anonimato, é?) e passe como cão por vinha vindimada pela referência à Ordem dos Engenheiros - entidade, essa si, que pela voz do bastonário, defendeu a discussão do nuclear.

Ignora também a alargada existência de gente de outras áreas no manifesto onde nem um nome sonante do Técnico se encontre de forma evidenciada.

Que o ex-ministro com reforma da CGD diga o que lhe apetece e que o jornalista vá atrás até percebo.

Que você, Oneto, no meio universitário, engula isco, cana e tudo fazendo tábua rasa de "quem serve quem em que projectos, com que suportes institucionais e financiamentos"...

Para a guerra justa que parece avizinhar-se você, Oneto, começa por atirar à água. E vinca, sem suporte que se veja, tirando o que diz Mira e o que engolem os jornalistas, uma alegada santa aliança entre o técnico e estes senhores.

Tiro que aliás fará com que se arrisque a começar a alienar alianças contra o nuclear que por acaso lá encontre.

Já se perguntou qual serão as posições de António Brotas, Delgado Domingos ou dos seus discípulos?

Quem trabalhar em energia lá na casa? Em Mecânica, que pensam Manuel Heitor, Graça Carvalho, Paulo Ferrão disto tudo?

Anónimo disse...

Anónimo
passei em claro a sua primeira intervenção porque não encontrei nas suas palavras nenhum motivo para lhe responder. Apenas achei que tem razão nas suas chamadas de atenção.
A sua segunda intervenção não leva em linha de conta o facto de que, como julgo ter deixado explícito na resposta a outro comentador, nada me move contra o IST, ainda que assim alguém queira depreender do que escrevi. Infelizmente, o Mira Amaral, que foi o porta-voz dos 33, não se referiu à FEUP, ao ISEG, à Ordem dos Engenheiros ou a qq outra instituição, mas sim ao IST - e pelos vistos você defende anonimamente bem a honra da casa. É claro que deverá haver também por lá muita gente contra o nuclear e contra uma infinidade de outras coisas, como em toda a parte; e cheira-me que santas alianças com o poder político também por lá não devem faltar, mas não creio que isso seja por agora tão importante assim, ainda para mais tratando-se de atirar à agua. Não me parece, também, que a peça de jornalismo onde se cita a referência do Mira Amaral ao IST peque por falta de rigor ou que faça qq extrapolação abusiva. Você cita uma data de nomes de pessoas que, com excepção do Delgado Domingos, não faço ideia quem sejam ou o que pensam. Desculpe, mas ser-me-iam mais familiares os Silvas - o Porfírio ou a Palmira...

Anónimo disse...

Chernobyl - A prova provada de que a ganância, e suas consequências por vezes nefastas, não é algo que se resolva com a estatização da economia.

Anónimo disse...

Oneto, Não defendo honra de casa nenhuma e o anonimato deve-se a não achar minimamente relevante qualquer identificação. sou apenas um antigo aluno que nada tem a ver com os sectores da energia e que partilha todos os seus receios e mais os da lena de água sobre o nuclear.


Parece-me, vinco, pouco inteligente num combate justo estar a seguir o guião do Mira Amaral (fui ver e é catedrático convidado do Departamento de Engenharia e Gestão - uma coisa que não tem grande peso na casa e deve mais à economia do que à engenharia) bem engolido pela jornalista, que podia ter-se agarrado ao facto de António Borges ser catedrático convidado da sua escola mas que não o fez. A maioria das pessoas nem sequer é do Técnico ou sequer de engenharia - fazem gestão e gerem-se por lá. O jornalista faz o que Oneto faz e engole a patranha legitimadora de Mira Amaral. Pior, Oneto ajuda a perpetuá-la tomando a parte pelo todo. Curioso quando vem do que devia ser o céptico meio académico. Formatam uma realidade que Amaral quis formatada. (já agora que Viegas tenha vindo com a Ota vincula Viegas e os seus interesses mas não vincula a escola)

Se não conhece os nomes que cito, isso ultrapassa-me pois convém saber quem é quem num terreno destes. António Brotas é um velho resistente anti-fascista, um dos poucos PS socialistas que ainda subsistem e um importante cientista português da área da Termodinâmica Aplicada.

Manuel Heitor é um termodinâmico que aos 37 anos era catedrático e que esteve com Diamantino Durão no directivo do Técnico. Actualmente é só o secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Estranhas voltas que o mundo dá.

Graça Carvalho, outra cientista das energias, outra engenheira mecânica, foi ministra da Ciência do Durão Barroso. Paulo Ferrão está ligado ao projecto MIT para Portugal.

Parece-me estranho que nunca tenha ouvido falar deles. Seriam cultura geral política, mais do que universitária.

Palmira Ferreira da Silva é uma senhora pessoalmente muito simpática que ganhou boost com os blogues mas não define a enrgia em Portugal (os bloguesa ainda não são a realidade tal como o que Mira Amaral também não é) e podemos continuar saltando para o departamento de Física - o de Mariano Gago - procurando mais quem trabalhe no campo energético.

Era mais produtivo e inteligente ver que esta coisa traz uma marca laranja forte, com peso do sector de Belém, e que vêm de legitimação em legitimação não esquecendo o histórico que envolve um pontapé de saída - nos mesmíssimos termos, na necessidade de discutir o tema - do homem das corporações de engenharias e não necessariamente dos engenheiros.

Anónimo disse...

Anónimo
só lamento esse seu tom obstinado e arrogante tão característico de certos engenheiros, laranjas ou rosas...

maria povo disse...

Pois! são todos "bons rapazes"...

lobby do nuclear/empresarial a funcionar pois já lá está o homem para levar avante este projecto: pedro passos coelho...

depois só uma pergunta: se ainda não conseguimos tratos os residuos tóxicos, como iriamos tratar dos residuos nucleares???

fariamos como os restantes paises europeus que despejam esses residuos no Oceano Indico e que depois de um tsunami na Indonésia deram à costa em África???! (há quem afirme que os "piratas" somalis actuam por reacção às tonaladas de residuos necleares que deram à costa na Somália...!!!)

são uns cinicos....
se calhar o melhor é nem lhes dar importância... mas se insistirem, cá estremos!!!!

Anónimo disse...

Não se poderá fazer uma central nuclear que utilize como combustível, politicos miseráveis e outros quejandos, guardadores de grandes e iniquas reformas e ordenados .!!!??
Poluia-se o ar é verdade. Mas pelo menos não ficavam residuos radioactivos e talvez o mundo ficasse um bocado melhor.

João Aleluia disse...

Outra vez? Já o terceiro ou quarto post deste genero! Você tem mesmo a fobia do nuclear.

E mais, ao contrário do que pensa, opiniões como a que expressa neste post só prejudicam qualquer oposição séria ao nuclear, pois permitem aos defensores do nuclear classificar qualquer opositor como um activista ignorante que teme chernobyl ou as bombas atomicas e que consequentemente não tem qualquer noção da realidade actual desta indústria.

Anónimo disse...

João
só uma coisa permite a classificação a que v. se refere: arrogância