quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A face da besta

Vale a pena conhecer um pouco melhor as "novas ferramentas da gestão" usadas pelos apóstolos da competitvidade para mudar radicalmente o mundo do trabalho. A entrevista do Psiquiatra francês Christophe Dejours, que se tem dedicado a estudar as patologias do trabalho, revelam o que muitos de nós já sabíamos e muito, muito mais, acerca da verdadeira face da besta - o seu radicalismo imundo, cruel, desumano e absolutamente imoral.

10 comentários:

O Puma disse...

Faces ocultas

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Quando li esta entrevista, há vários dias, o episódio que mais me ficou na cabeça foi o dos quinze gatinhos.

Imaginei-me a falar disto com um neoliberal e a ouvir o argumento dos costume: que se trata de comportamentos isolados, de pessoas mal formadas, que não se pode tomar a parte pelo todo, etc.

Mesmo que se tratasse dum comportamento isolado - mesmo que se tratasse de um comportamento único - haveria sempre lugar a uma inferência inescapável: se isto é permitido a uma empresa, é permitido a todas.

Mas não se trata de casos isolados. Pelo contrário, são casos inseridos em contextos que envolvem a colaboração de muitas equipas especializadas. Se estes comportamentos se devessem exclusivamente à desumanidade idiossincrática de uns poucos gestores ou patrões, estes não beneficiaria de estruturas montadas nem de técnicas elaboradas para tornar a desumanidade mais eficaz.

O horror destas situações está precisamente no seu carácter sistemático, estudado, organizado, racional. E isto desperta alguns fantasmas que desejaríamos ver adormecidos, se não para sempre, pelo menos por mais umas décadas.

No mesmo dia em que li a notícia, comentei-a com um jovem de trinta anos, altamente qualificado, que se move nos mesmos meios académicos e empresariais em que se move a generalidade dos seus amigos e conhecidos, quase todos do mesmo grupo etário. Também ele tinha lido a entrevista, mas surpreendeu-se com a minha surpresa. E começou a desfiar-me um rosário de horrores, todos eles passados no seu círculo de relações.

Como é que isto se pode passar à nossa volta sem nós notarmos? O que vamos dizer aos nossos netos quando eles nos pedirem contas do mundo que lhes deixámos? Que não vimos nada? Que não reparámos? Que desviámos os olhos? Que acreditámos em quem nos dizia que o preço da prosperidade é o horror?

Anónimo disse...

Claro que essa história dos 15 gatinhos é inventada, mas fica bem no filme.

nina disse...

no país mais Empresa de todos , há quem nem espere para entrar nela.

"No ano de 2008 o suicído entre jovens bateu novo recorde no Japão, tendo alcançado 4.850 mortes , 1,7% a mais que no ano anterior, informou a polícia japonesa."

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Ai foi inventada, caro Anónimo? Conte lá, conte lá... Como é que soube? A gente gosta de saber estas coisas.

Ou então fico num dilema: se hei-de acreditar na palavra dum anónimo que comenta num blogue, ou na dum especialista devidamente credenciado e identificado. Escolhas, escolhas...

Anónimo disse...

Não sei porque raio chamam a Peter Drucker o pai da Gestão se ninguém faz caso do que o homem ensinou. Ele sempre referiu isto que aqui se fala...
E não deixa de ser curioso que a pessoa que faz este alerta é um profissional da área mais mal tratada pelas empresas: a psicologia. Ninguém quer saber do que estes, os psicólogos, fazem nas empresas, pois estão confinados ao departamento de recursos humanos, a fazer entrevistas a candidatos e emitir recibos de vencimento.

Francisco Oneto disse...

Caro José Luiz Sarmento
Agradeço o seu comentário, pois há muito que registo as suas palavras sempre lúcidas e inspiradoras, seja nos comentários no Ladrões de Biciletas ou no As minhas Leituras.
Os gatinhos, claro! Testemunho da indústria da crueldade tornada exemplo pedagógico para essa perigosa religião de normopatas adoradores do mercado, sob o signo de Tanatos - ou não fosse o armamento um grande negócio... Aqui, aliás, também é de armamento que se trata, insidioso e letal. Chamam-lhe eles "formação"... E depois o caso das jovens japonesas entre os 18 e os 21 anos - idade a partir da qual deixam de aguentar as cadências do trabalho. Dormindo em gavetões...
... e quando se interroga acerca do legado que deixaremos para as futuras gerações...
... talvez valha a pensarmos que, a par com tudo isto, há as patentes de sequências de genes... entre seitas de milionários lunáticos Raelitas e mega-corporações no sector de ponta das biotecnologias, químico-farmacêuticas, agro-indústria, nano-tecnologias...
Mas enquanto vivermos, cabe-nos o dever de nos munirmos de um kit kantiano, como propõe Dany-Robert Dufour, e denunciar a violência, a crueldade, o desrespeito pelos Direitos Humanos, o ataque sistemático aos mais fracos e desprotegidos, o constante abuso do capital sobre o trabalho, sob a batuta do mercado, do "crescimento", da competitividade... dessa ideologia pôdre da elite global - a horda de vampiros tão bem posta a nu por Jean Ziegler...

Um abraço

Francisco Oneto

Anónimo disse...

É totalmente inventada. Se fosse verdade, então o contador da história ou alguém que identifique a empresa e em que local se passou. A única coisa que encontra são referências ao entrevistado.

Uma história tão cruel deverá estar bem referenciada, não acha?

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Caro anónimo:

Para o contador da história identificar a empresa teria que identificar a sua paciente, o que, como médico, lhe é proibido.

Não sei o que entende por uma história bem referenciada. Se se refere ao facto de esta história não abrir os telejornais, tem razão: de facto, não os abre.

E não abre porque é uma história banal: não pertence à categoria do homem que mordeu o cão, mas sim à do cão que mordeu o homem.

Não vou contar aqui outras histórias igualmente horríveis, porque se começasse nunca mais pararia; e também porque não é necessário: qualquer pessoa quer não desvie o olhar poderá testemunhá-las ao virar de cada esquina. pela minha parte, não precisaria de ir mais longe, para encontrar os primeiros exemplos, que o que se está a passar com a minha própria profissão (perante a indiferença, ou mesmo o aplauso, duma opinião pública viciada em "pogroms").

Há já sessenta e quatro anos que sabemos que o maior horror é a banalização do mal: e sabemos que para que o horror aconteça não basta que que haja monstros que o cometam: é preciso também que haja pessoas normais que lhe façam vista grossa.

E isto, caro anónimo, é consigo.

Ana disse...

Matar os gatos não me admira nada, porque já presenciei cenas que em nada ficam atrás dessa. Esperem pelos próximos cursos de aperfeiçoamento onde, depois de matarem os gatos, os formandos vão ter de os comer!