quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Cuidar do espaço público

Num tempo de crise que é ao mesmo tempo económica, social e de confiança na probidade de altos responsáveis do Estado Português, não acredito que os problemas se resolvam com intervenções isoladas. Requerem um projecto político global que responda aos desafios com que estamos confrontados em várias frentes.

Um projecto político de esquerda credível, que confronte a política económica monetarista que a União Europeia institucionalizou, que questione o crescimento consumista ecologicamente insustentável, que mobilize a consciência colectiva para a imperiosa necessidade de respeitar não só a lei mas também normas morais que preservem o espaço público, é um imperativo nacional.

Tendo presente o que actualmente se passa no espaço público em Portugal, deixo alguns tópicos para reflexão retirados de um livro de David Marquand (p. 135) que merecia ser traduzido:

- Acreditar na existência de um interesse público, distinto dos interesses privados, é essencial para que se desenvolva um espaço público.

- O espaço público é, num sentido particular, o domínio da confiança. A confiança pública tem uma relação de simbiose com a contestação, debates e negociações, e os valores da equidade e da cidadania que constituem a sua essência.

- Sendo assim, o espaço público deveria ser protegido da permanente ameaça de intromissão a partir dos mercados e de domínios privados.

- A lei, aplicada por uma magistratura independente, imbuída de autoridade, e uma administração pública profissional, independente dos partidos, têm papéis cruciais a desempenhar na protecção do espaço público contra essas intromissões.

- Os bens públicos não devem ser tratados como mercadorias ou equivalentes. Indicadores de desempenho construídos de forma a imitar os indicadores usados no domínio dos mercados são, por conseguinte, inadequados para o espaço público e prejudicam mais do que ajudam.

Quando o Partido Socialista se propôs “modernizar” Portugal estava a dizer-nos que iria fazer precisamente o contrário do que acima se enuncia, na linha do Novo Trabalhismo de Tony Blair. Para David Marquand, o Novo Trabalhismo foi um desastre político, económico e social para o Reino Unido.

Em Portugal, a herança socialista não será muito melhor. Com a agravante de, tal como lá, nos faltar um projecto político alternativo, de governo, que valorize o espaço público e, assim, nos dê condições para ter esperança numa vida boa para todos.

1 comentário:

Dias disse...

Identifico-me com o espaço público tal como entendido por David Marquand e apresentado neste post.
A realidade (o ser, não o parecer) mostra-nos quão vilipendidado tem sido o espaço público, atingindo o ponto mais baixo numa governação dita socialista. Somente com reforma e transparência se pode inflectir no rumo que as coisas tomaram. Antes que desapareça o espaço público.