sábado, 5 de abril de 2008
Fundamentalismo de mercado II
Como bem argumenta o jornalista norte-americano Andrew Leonard, o fundamentalismo de mercado tem mesmo a receita para o regresso de uma Grande Depressão: (1) aumentar as desigualdades de rendimento e criar as condições para a manutenção da estagnação salarial dos trabalhadores mais pobres e para o seu endividamento excessivo; (2) desmantelar o frágil estado social norte-americano que em épocas de crise económica sempre amortece as quebras de procura e ajuda a debelar os seus ciclos viciosos; (3) diminuir o controlo sobre Wall-Street (uma constante desde os anos setenta e que, ao contrário das aparências, ainda não dá sinais de abrandar); (4) fazer da liberalização financeira de outros países (que até agora evitaram a crise por não terem seguido esse caminho) uma constante da política externa norte-americana dos últimos anos. Neste contexto, ainda vai valendo a Reserva Federal (com um estudioso da Grande Depressão ao leme) e a sua política discricionária à altura da crise que impediu até agora o colapso (os neoliberais da blogoesfera podem assim continuar com as suas fantasias, ainda que ligeiramente revistas, que a mão visível, que nunca hesitam em morder, lá vai gerindo os danos sistémicos do capitalismo financeirizado). O que resta das estruturas criadas pela resposta política à Grande Depressão dos anos trinta (o New Deal celebra setenta e cinco anos este ano) também vai dando uma ajuda.
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31 comentários:
Joao, o que me preocupa ee imaginar se tal estivesse a ocorrer na Europa, com o Trichet ao leme...
Joao Pedro
Tambeem me parece que o pecado original que leva as estes dogmatismos e a estas fantasias reside no ensino da economia. Aprende-se as mais recentes abstraccoes (e.g. teoria neoclaassica do crescimento), mas nao se tem que ler Smith ou Ricardo. Deles, aprende-se as caricaturas "marginalistas". A experiencia libertadora que ee ler Smith ee fascinante. De repente, percebe-se como a referencia aa "mao invisiivel" (uma, uma referencia no tratado inteiro) ee uma patetice em 99% dos casos usados na blogosfera. Nao quero idolatrar os claassicos, mas acho que a profissao, coincidentemente, beneficia desta graca enorme de ter tido pais tao "spot-on", e ao mesmo tempo, nunca eles foram tao ignorados pelos profissionias que saiem todos os anos da escola.
O tratamento das economias de escala de Smith deita ao chao por completo as teorias neoclaassicas do comeercio internacional e, anticipa, por exemplo, a New Trade Theory. Ricardo escreve sobre o mesmo. Mas a profissao, durante mais de um seeuclo, decidiu ignorar aquilo que nao conseguia modelizar...
Queres fazer um post alargado sobre esta coisa da "mao invisiivel"?
Joao Pedro
Ausência de coacção = fundamentalismo.
Tem razão João Pedro sobre o Trichet. Concordo com a importância de ler os clássicos. São muitas as surpresas.
Por definição (de Filipe Melo Sousa) o mercado equivale a ausência de coacção. Problema resolvido a priori. Nem é preciso investigar ou argumentar. Os anarco-capitalistas elevam este procedimento à categoria de método. Esta é uma estratégia que corre na blogoesfera. Felizmente é relativamente inócua.
o mercado equivale a ausência de coacção. Problema resolvido a priori. Nem é preciso investigar ou argumentar.
a liberdade é surpreendentemente simples
"Ninguém" me coage a comer todos os dias, a viver debaixo de um tecto, ou a abrigar-me do frio ou do calor.
No entanto sou obrigado a isso por questões de sobrevivência, quanto mais não seja, e no contexto que se me apresenta.
A única liberdade simples é a de morrer. E mesmo essa...
Existe aqui uma confusão de liberdades. A liberdade de não-coacção está acima da "liberdade" de ter os seus direitozinhos de luxo.
à minha custa
"direitozinhos de luxo"?
O FMS, quando lhe convém,
parece fazer-se de obtuso.
As necessidades básicas de sobrevivência não são direitozinhos de luxo. São apenas isso: necessidades. Que tentamos satisfazer da melhor maneira possivel.
Alguns não precisam de fazer seja o que for, porque nasceram com essa sorte, outros têm que negociar com os que nasceram com essa sorte para terem acesso a uma parte do bolo.
Achar que o sistema "default" é desprovido de coacções e assimetrias de poder, é a característica da SUA utopia.
"nascer com essa sorte"
Não me parece que o esforço e trabalho de quem produziu e transferiu-me livremente esse bem que tanto inveja, e que não lhe pertence por direito, possa ser chamado de sorte.
Está a distorcer o que eu disse.
A SUA sorte, não a de quem o precedeu. Ou acha que nasceu por mérito seu?
De qualquer modo, existe uma coisa chamada História, cheia de coacções, como guerras, conquistas, despotismos.
Achar que cada individuo nasce numa espécie de Éden onde todos podem exercer o mesmo grau de liberdade, é a sua Utopia.
Tive sorte em nascer, tal como tantos outros. O que recebi livremente em vida, sem coagir ninguém, é assunto meu. Recomendo-lhe que faça o mesmo: em vez de usar a força e a inveja, conquiste afectos dos outros. Poderá trazer-lhe proveito.
Lições de vida a esta hora?
Eu não invejo nem coajo. Não tive heranças, tudo o que tenho é fruto do meu trabalho. Também terei tido sorte aqui e ali.
Mas isso não me cega para a realidade de quem está ao meu lado.
Eu bem sei que na falta de argumentos, o interlocutor falacioso invoca o "horário discussão". Peço que me comunique o seu horário.
Se não pretende coagir, obrigado, está finalmente a contribuir para um mundo livre.
Não me parece que me faltem argumentos.
Uma questão diferente é a sua impermeabilidade a eles, e a rapidez com que dá lições de moral.
Aparentemente, em nome de um idealismo que já faliu uma vez e agora está a falir de novo um pouco por todo o lado (remetendo para o tema do post).
Eu não sou de todo impermeável aos seus "argumentos". Até hoje têm funcionado muito bem, e surtido o efeito desejado.
Esses argumentos têm sido utilizados com grande sucesso para coagir as pessoas a aceitar o liberalismo económico. Desde a guerra do ópio, ao iraque de hoje em dia, passando pelo Chile de Pinochet, de mansinho.
Não é por aí...
Para coagir o indivíduo a ser livre, de acordo com as suas palavras.
Ou seja, para proteger a sua vida.
Não se consegue ter uma conversa séria consigo pois não? Se a sua única intenção é ter a última palavra, à revelia de qualquer tentativa de honestidade intelectual, faça favor:
Maior desonestidade do que a sua, que defende o uso da força para despojar cidadãos desarmados? Quem usa armas afinal?
A (des)honestidade não é apenas intelectual. Eu durmo de consciência descansada.
O Filipe Melo e Sousa não equaciona sequer a possibilidade de que muito do que as pessoas herdam ter sido obtido à custa do uso da força, leia-se pistolas, justamente aquilo que o Filipe tanto critica!
I. Rodrigues tem razão: assim é dificil debater.
Se quiser pagar dívidas de e a pessoas que já morreram, é uma tarefa que lhe cabe a si. Muito má desculpa para cobiçar o que é dos outros. A inveja é muito feia.
Qual inveja qual carapuça. De resto, é justamente na inveja, no egoísmo e na ganância que se funda o teu querido ideal Neoliberal. Mais, diria mesmo que a inveja é o impulso que gera o neoliberalismo. Afinal de contas não é a inveja que garante o sucesso reprodutor? Pois é!
O que está em causa tem um nome: JUSTIÇA. A verdade é que, por aquilo que nos é dado ver, as sociedades não se estratificam em função do desempenho individual- o esforço dos indivíduos não é premiado. E então quando muita da riqueza é herdada, não resultando, portanto, do talento e do esforço dos indivíduos, falar em mérito é pura ficção . Se ainda por cima essa riqueza herdada foi obtida à lei da bala, nem vale a pena falar. Nunca é tarde para se fazer justiça.
Todo o gatuno tenta justificar moralmente o seu saque. Acontece que o meu egoísmo não lesa ninguém. A sua justiça apenas funciona através da expropriação coerciva.
Ironia nenhuma. O dinheiro é produzido antes de ser roubado. É fácil definir quem é o gatuno.
"Todo o gatuno tenta justificar moralmente o seu saque"
Exactamente. Vejo que a ironia lhe escapa.
Ena, mais rápido que a própria sombra....
Se o dinheiro é produzido com o trabalho,
e um patrão usa a sua posição de poder para FORÇAR salários menores aos seus trabalhadores, aumentando os seus lucros,
(como qualquer gráfico de evolução da produtividade vs poder de compra do trabalhador médio vs acumulação de riqueza dos mais ricos, dos últimos 30 anos lhe pode mostrar)
quem é que rouba quem?
Não força nada. Cada um é livre de ir trabalhar apenas se quiser. Mais uma vez, confusão sua. Coloca os seus direitozinhos de luxo acima da liberdade, e acha-se no direito de coagir os outros a aceitar um contrato que não quer.
Força sim!
E agora?
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