O economista Albert Hirschman escreveu um dia: "A generosidade, a benevolência e a virtude cívica não são recursos escassos de oferta limitada, mas também não são competências que possam ser melhoradas e expandidas de forma ilimitada com a prática. Em vez disso, tendem a exibir um comportamento complexo e compósito, atrofiando quando não são praticadas e invocadas pelo regime socioeconómico prevalecente e tornando-se de novo escassas quando são defendidas e estimuladas em excesso. Para tornar as coisas ainda mais complicadas, estas duas zonas de perigo (. . .) não são conhecidas e muito menos são estáveis" (Rival Views of Market Society, Harvard University Press, 1992, p. 157).
Albert Hirschman também defendeu que a expansão excessiva, e sempre politicamente suportada, das forças de mercado pode tender a sabotar as fundações morais sem as quais nenhum sistema socioeconómico realmente existente consegue sobreviver. Um dos problemas do desenvolvimento do capitalismo, na sua configuração neoliberal, é o de ter reforçado a hegemonia, nada inócua, de ideologias que reduzem as motivações humanas ao egoísmo racional. Criaram-se, ao mesmo tempo, estruturas e incentivos que promovem não o prosseguimento do interesse próprio - noção vazia porque o que interessa a cada indivíduo varia e depende, em parte, da natureza das instituições em que está imerso -, mas sim a cupidez mais desbragada, traduzida na busca incessante de riqueza material. Busca aliás bem nutrida pela abertura de áreas que até há pouco tempo estavam subtraídas a estes novos processos de mercado.
Agora peço ao leitor que olhe com atenção à sua volta. No capitalismo português verá a indecorosa e continuada "captura" de pessoal político por um sector privado rentista que se expande à medida que a provisão pública atrofia, as obscenas e crescentes desigualdades salariais, a subestimação no discurso político dominante da ética do serviço público e da dignidade das profissões que o suportam. Por fim, o caso BCP parece encerrar em si todos os efeitos da corrosão moral. No capitalismo global, sobretudo na sua variante anglo-saxónica, que para muitos é o último estádio do desenvolvimento económico, o leitor verá a captura sistemática dos ganhos de produtividade pelo capital, o alongamento da jornada de trabalho, o endividamento excessivo e a especulação mais desenfreada, geradora de permanente instabilidade financeira, de que a actual crise é apenas o último episódio.
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