terça-feira, 8 de abril de 2008

A corrosão moral de um modelo em crise II

Enfim, por todo o lado multiplicam-se os sinais de que duas décadas de engenharia social de mercado, ou seja, de esforços para alterar as "regras do jogo" a favor dos interesses dos indivíduos, grupos e organizações à partida com mais recursos e poder, nos colocaram definitivamente numa das zonas de perigo a que aludia Hirschman: sociedades com desigualdades em crescimento e onde os valores que mantêm o laço social são permanentemente acossados pela insolência que o dinheiro adquire quando está concentrado.

Ao mesmo tempo, a crise que vem dos EUA, ao revelar a fragilidade das ideologias que suportaram estes processos, contribui para que se generalize a percepção, até há pouco circunscrita a uma minoria, de que o capitalismo financeirizado não tem como sair espontaneamente da crise sem causar devastação económica e sofrimento social assimetricamente distribuídos. É agora evidente que a liberdade excessiva da finança impõe fardos e obrigações indesejáveis ao conjunto da comunidade. Torna-se então imperioso aumentar as obrigações da finança para que a nossa liberdade possa de novo aumentar. A crise abre a possibilidade de reintroduzir, através da acção colectiva orientada por valores e por propostas robustas, um maior controlo e escrutínio desta fulcral esfera da economia.

É preciso mudar de modelo económico e repensar as linhas que separam aquilo que deve ser provisionado pela comunidade política e assegurado a cada membro e o que pode ser deixado às forças do mercado moldadas por novas regras que reforcem os contrapoderes no espaço da produção ou que desincentivem a especulação e o rentismo e promovam o investimento e o trabalho produtivos. Afinal de contas, os activos intangíveis de que qualquer sistema socioeconómico funcional necessita - confiança, cooperação, orgulho no trabalho bem feito e valorização do mérito - só podem hoje florescer se tivermos uma estratégia igualitária com fôlego que supere o neoliberalismo e a corrosão moral que este engendra.

Estas duas postas foram publicadas como artigo no Público de ontem.

15 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

Quando os bancos centrais e a intervenção estatal causam efeitos devastadores na economia, os abominadores-do-mercado pretendem chamar a si ainda maiores poderes para poder reparar a asneira que se fez. Passo a passo até que o indivíduo fique despojado de qualquer liberdade de escolha. Em nome de uma tal justiça social que justifica o saque a quem produz, sem prejudicar ninguém.

Anónimo disse...

parábens ! o seu blogue foi nomeado como o blogue mais chato de sempre!!

L. Rodrigues disse...

Exactamente, o que é que os especuladores financeiros produzem?

Filipe Melo Sousa disse...

Antecipam preços futuros, tornando o mercado racional. Souberam assinalar adequadamente os preços do petróleo e dar início à produção de energias alternativas, sem obviamente qualquer necessidade de intervenção estatal.

L. Rodrigues disse...

Você é um cómico ou um romântico, ainda não percebi.

L. Rodrigues disse...

Do www.Eurotrib.com de hoje:

"Reform" has been promoted endlessly as a way for companies to more more competitive, generate more profits (which would provide the investment of tomorrow and the jobs to follow), and the main arbiter of whether any entreprise was successful was the valuation of these profits, and expectations of the same into the future, through stock prices.

Banks, hedge funds and investors are thus the sole arbiters of "worth" under that system - and they have now proven beyond any doubt that they are profoundly unable to manage, let alone understand, such worth, given that they have lost huge chunks of it."

Está a perceber?

Filipe Melo Sousa disse...

Eu como investidor não me queixo das minhas escolhas. Só me queixo das intervenções dos bancos centrais, que não me deixaram comprar acções ainda mais barato há uns meses atrás. Gostam de proteger os maus investidores dos bons investidores.

L. Rodrigues disse...

Ok... eu copio para aqui mais um bocado do texto:

"Looting the workers does not create prosperity, it only helps transfer it from one sector of the economy (which creates it) to another (which wastes a good chunk of it, but given how few people share the spoils, it's still worth it for them, obviously)."

Numa palavra: ineficiência.
Em 3 palavras: Paga por todos.

Filipe Melo Sousa disse...

Se quer acabar com a exploração dos trabalhadores, deixe de lhes retirar o dinheiro que ganham. São:

23,75% + 11% + 10% (media IRS), e ainda 20% de IVA sobre o que compram com o que resta.

L. Rodrigues disse...

Não desvie o assunto, por uma vez que seja.

Filipe Melo Sousa disse...

É a única exploração que existe sobre os trabalhadores: expropriação coerciva da remuneração que negociaram livremente.

L. Rodrigues disse...

OK... e a terra é plana, tem 6000 anos, e o fim do mundo está próximo.
Arrependamo-nos.

Anónimo disse...

"deixe de lhes retirar o dinheiro que ganham: 23,75% + 11% + 10% (media IRS), e ainda 20% de IVA"

A parcela de rendimento levada em imposto é essencialmente a que permite ter os bens e serviços públicos de que particularmente os trabalhadores beneficiam. Proponha acabar com os impostos e com os benefícios e conte quantos dos seus compatriotas trabalhadores o apoiam. Isto só para apontar o óbvio. Mas, claro, o senhor merece direito de veto ao sistema porque... sim.

Se quiser verdadeiramente singrar onde não lhe tolham o "empreendedorismo" com impostos, veja aqui:
http://www.freestateproject.org/
(Mas parece que está a ser difícil arranjar companhia, mesmo para um destino já tão preparado por muitos impostos passados.)

Filipe Melo Sousa disse...

é essencial a quem não quer trabalhar para viver

Anónimo disse...

Sousa: troll.