segunda-feira, 18 de julho de 2011

Da soberania

Obama declarou, na semana passada, que os EUA não são a Grécia ou Portugal. Obama tem, claro, toda a razão. Os EUA são um país com imensos problemas, mas que dispõe de soberania monetária. Para além da desvalorização cambial, que sempre ajuda na correcção dos défices externos, podem adoptar políticas de estímulo económico interno e recorrer ao financiamento monetário por parte do seu mais pragmático Banco Central, comprando dívida, o que faz todo o sentido quando há desemprego e ampla capacidade produtiva por utilizar, devido à crise, e, logo, não existem riscos inflacionários relevantes.

Portugal e a Grécia, por seu lado, são membros de uma espécie de federação, disfuncional e incompleta, assente numa separação letal entre política orçamental e política monetária, colocados na dependência de instituições centrais que parecem só existir para favorecer a pilhagem financeira e não para realizar, entre outras operações de política económica que deveriam estar institucionalizadas, as transferências orçamentais entre “regiões” que partilham a mesma moeda. Abdicámos dos atributos centrais da soberania democrática sem os recuperar à escala europeia. Este é o nosso problema europeu e a questão é saber se o conseguimos resolver no quadro do euro. Como estamos é que não pode ser.

Entretanto, no campo da dívida pública, a crise nos EUA é resultado de um sistema político disfuncional, também dominado por ideologias aberrantes, ilustrando o perigo de se aceitar uma regra, um tecto, artificial, que as crises agudas se encarregam sempre de furar, para variáveis, como a dívida, que dependem sobretudo do andamento da economia, mas sem esquecer, claro, as consequências fiscais negativas da captura do Estado pelos mais ricos...

7 comentários:

AMCD disse...

Ficar na situação em que estamos, numa Zona Euro cujos Estados não foram, nem são capazes, de manter a sua economia entre as apertadas balizas dos critérios de convergência, não é viável, nem desejável. (Acabaremos tragados pelos tubarões financeiros).

Ou avançamos para um federalismo castrador do projecto nacional e abandonamos, de vez, o domínio sobre a capacidade de alterar o nosso destino enquanto nação, ou recuamos e saímos da Zona Euro, mantendo salvaguardada uma grande parte da nossa soberania, mas com custos económicos e sociais muito elevados.

Ou haverá um outro caminho, ainda não perscrutável, para além destes?

De qualquer forma, aqui é que não podemos ficar!

Epicuro disse...

"ideologias aberrantes" é um pleonasmo, todas as ideologias são aberrantes. A realidade não se submete às fantasias ideológicas.

Quanto à Europa, a Europa é o local onde se inventam formas de vida. A vida moderna foi inventada por aqui (os demais copiam-na), é por isso natural que seja na Europa onde primeiro se abandone os fundamentos da modernidade, como a validade do mercado, a validade do trabalho, a validade da ciência, e a validade da democracia. As validades de uma idade são as invalidades da idade seguinte.
As evoluções assentam em revoluções, o mercado está a dar as suas revoluções finais, para que se evolua dele.

Um investidor é um cidadão como outro qualquer, não deve por isso ter mais poder do que os demais. Se um investidor actua contra o interesse público deve ser enquadrado e confiscado todo o seu arsenal financeiro. Cabe ao estado manter a ausência de poderes entre cidadãos, tanto os bélicos como os financeiros. Um arsenal financeiro é um perigo para a ordem pública maior que um arsenal bélico.

Os arsenais financeiros devem ser controlados e banidos por regras de civismo obrigatórias a todos, e nunca por regras de mercado. O mercado é apenas um jogo (de trocas), e os mercadores (investidores e afins) são apenas pessoas. Não há nada de transcendente nos mercados e nos mercadores. As regras de tolerância à delinquência mudam-se, os mercadores e o mercado desaparecem sempre que isso seja necessário.

O civismo deve ser obrigatório e imposto a todos, e o civismo exige a eliminação das ameaças dos mercados e dos mercadores. Os fundos financeiros são arsenais à deriva, que dão poder efectivo a sonsos e afins delinquentes, devem desaparecer tanto os sonsos delinquentes como os seus arsenais financeiros. O controlo e destruição de arsenais financeiros é essencial à paz mercantil. A paz mercantil é igual à paz bélica, é a ausência de mercado (livre e ou planificado) para que haja paz económica.

Não é a Europa que está mal, é a modernidade que está mal. A Europa está apenas a tomar consciência disso. Não são os Europeus que estão a mais na equação, é o mercado (e respectiva delinquência mercantil) que estão a mais na realidade Europeia.

www.idadehodierna.blogspot.com

Paulo Pereira disse...

Muito bom artigo .

É necessário explicar a inviabilidade deste EURO.

Ao mesmo tempo é preciso encontrar soluções dentro do país que passam pela redução do deficit corrente, sem explodir com o desemprego ou a emigração forçada.

João Carlos Graça disse...

Sem soberania começaria desde logo por não haver "bancos centrais", não é?
A ideia, com estes, é constituir uma zona de segurança "acima" dos bancos "normais", a qual tem a particularidade nada despicienda de estar apoiada no Príncipe, na própria soberania, como garantia em ultima ratio do crédito, fundamento da própria ordem social...
O reverso disso é suposto ser, costuma ser, tem de ser o banco central emprestar dinheiro ao Príncipe sempre que este precisa...
Ora bem, na tal de Europa isso não só não acontece como não pode acontecer por disposição constitucional mesmo, lembram-se?
Que diabos é então esta engrenagem toda? O que é a essência do BCE?
Simples. É uma forma de abdicarmos da soberania, saindo da democracia (claro, o que só por si já dá muito jeito) e mesmo (para gáudio de muitos, sim) da própria modernidade.
É uma forma, em suma, de voltarmos a uma espécie de feudalismo pós-moderno, ou de servidão por dívidas...
É essa a miséria para a qual a adesão ao mumbo-jumbo da ideologia europeísta (porque é uma ideologia, sim, tal como é uma ideologia a própria ideia do fim das ideologias, do procedimento "não-ideológico", etc.) nos atirou.
Voilà! Vejam o Max Keiser e o Michael Hudson aqui, sff:
http://www.youtube.com/watch?v=sU4Nvv5yqVg
Aprende-se muito mais com eles do que a maior parte dos "sábios" económicos da treta...

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo João Rodrigues,

Fiz uma hiperligação deste blogue no meu último “post”, relativo aos meus blogues predilectos e aos recentemente descobertos, intitulado “Selecção 2011 – blogosfera e qualidade”.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt ( Crónicas do Professor Ferrão )

João Carlos Graça disse...

"Obama declarou, na semana passada, que os EUA não são a Grécia ou Portugal".
Noutros termos: "vocês julgam que nós somos o quê, pretos, não?"
Mais palavras para quê?

Anónimo disse...

E não serão as guerras que fazem ainda furar esse tecto??