A grande novidade do novo governo da AD foi a criação de um Ministério
para a Reforma do Estado. Esta notícia, muito celebrada (como se vê pela parangona do Eco), encerra dois
grandes equívocos.
O primeiro é a ideia de que pouco tem sido feito para alterar o funcionamento do Estado português nas últimas décadas. Não é preciso puxar muito pela memória para listar várias das iniciativas que, tanto governos do PS como do PSD/CDS implementaram. As privatizações, as Parcerias Público-Privadas (PPP), a empresarialização da gestão dos serviços públicos e a externalização de funções foram uma constante desde a década de 1990. Já neste século tivemos o SIADAP em 2004; o PRACE e o SIMPLEX em 2006; o PREMAC em 2011; a centralização dos contractos e das compras públicas, e a gestão partilhada de recursos pela ESPAP desde 2012; o SIMPLEX+ em 2016; a descentralização de competência para as autarquias em 2019; a criação do PlanAPP em 2021. Identifiquemo-nos ou não com as orientações seguidas em cada caso, reformar o Estado tem sido uma parte central de todos os governos portugueses das últimas décadas.
O segundo equívoco é de que a Reforma do Estado é um exercício técnico, que só precisa de profissionais competente à frente para melhorar o país. Na verdade chamamos “reformas do Estado” a animais de espécies muito diferentes, incluindo: a melhoria de processos administrativos (simplificação, desburocratização, digitalização); reformas da função pública (carreiras, avaliação de desempenho, recrutamento, promoções); alterações nas estruturas verticais (relações entre Estado central, regiões e autarquias locais) e horizontais (distribuição de responsabilidades entre ministérios e entre agências públicas; ou alterações substantivas das funções do Estado (articulação com privados e sector social no financiamento e provisão de serviços públicos).
Nuns casos, estamos todos muito de acordo: quem não quer processos mais simples e transparentes? Noutros casos, nem por isso: quão longe estamos dispostos a ir na delegação das funções de sociais do Estado em grupos económicos privados? Devemos ou não financiar colégios privados com dinheiros públicos? Deve ser cada município ou antes o Estado central a garantir o acesso universal e de qualidade à saúde e à educação? Estamos dispostos a abdicar de avaliações ambientais para simplificar qualquer tipo de investimento produtivo? Estas e outras são escolhas políticas, que seria bom conhecermos antes de celebrarmos intenções mais ou menos vagas.
Não há dúvida de que existe muita margem para melhorar a eficiência e eficácia da acção do Estado português. Mas é preciso algum grau de ingenuidade para acreditar que a criação de um Ministério dedicado ao tema (o que não é sequer original) só pode trazer coisas boas.
1 comentário:
Pois, quando se perde eleições com o estrondo que foi dá nestas coisas. Porque diabo é que um governo de direita ou centro-direita, como quiserem, deveria seguir modos de organização ao gosto da esquerda? Que esta goste de um serviço nacional de saúde assente apenas em unidades estatais é compreensível. Que a esquerda goste de escola estatal e só estatal e quem não gosta que pague, é compreensível. Mas que a direita seja obrigada a seguir as preferências da esquerda é que seria de espantar. Já sei, a constituição, mas depois vem o espantalho da revisão constitucional.
E sempre lhe digo,
até pelo que tem feito o actual PR, constitucionalista de profissão, que a constituição é como um clube de sexo. Cabe lá tudo ou quase tudo. Sobretudo com os juízes certos no tribunal constitucional. Esses, bem escolhidos, até diziam que a restauração da monarquia cabe bem no preâmbulo.
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