segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Depois da subida dos preços, vamos ter… inflação a menos?


Este é o último de uma série de cinco textos sobre o que aprendemos acerca da inflação nos últimos três anos e o que podemos esperar para os próximos tempos. Os anteriores podem ser lidos aqui, aqui, aqui e aqui.

Nos últimos três anos, habituámo-nos a ver subir os preços de quase todos os produtos a um ritmo que já não se registava há muito. A inflação passou a ocupar uma parte importante dos telejornais e tornou-se incontornável na experiência do dia-a-dia, desde a conta da luz às faturas do supermercado. E o combate à inflação passou a ser uma prioridade das autoridades: enquanto os governos aprovaram medidas como a redução de impostos indiretos (como o IVA) ou o reforço de apoios públicos para mitigar o aumento do custo de vida, os bancos centrais anunciaram que não poupariam esforços para devolver a taxa de inflação ao alvo dos 2%, aumentando de forma significativa as taxas de juro.

Neste contexto, poderia parecer estranho que alguém expressasse preocupação com a possibilidade de termos inflação a menos. No entanto, foi isso que aconteceu na reunião do Banco Central Europeu (BCE) no passado mês de outubro. De acordo com o Financial Times, a discussão no banco central centrou-se no risco de que a inflação se torne demasiado baixa, o que daria mais força à redução das taxas de juro nos próximos meses.

Como foi discutido num texto anterior, a meta do BCE para a taxa de inflação é de 2%. Embora, desde 2022, nos tenhamos habituado a ouvir repetidamente preocupações com os níveis “demasiado altos” de inflação, o inverso também não é desejado. A verdade é que esta não é uma preocupação inédita – e não é preciso recuar assim tanto para o constatar: entre 2009 e 2020, a taxa de inflação situou-se abaixo da meta dos 2% em 112 dos 132 meses (ou seja, 84% dos meses). Inflação a menos, e não a mais, era o principal problema do BCE na década anterior à pandemia.


Este fenómeno é ainda mais relevante quando se tem em conta que, desde 2014, o BCE adotou programas de compra de ativos que levaram a uma injeção de liquidez sem precedentes nos mercados, sem qualquer efeito visível sobre a taxa de inflação, que se manteve quase sempre abaixo do alvo dos 2%.

O que explica esta tendência? Há pelo menos dois fatores: o fraco crescimento económico e a estagnação dos salários. Na década que se seguiu à crise financeira, a Zona Euro passou por um período em que as taxas de crescimento abrandaram, não apenas entre os países mais afetados pela crise (como a Grécia ou Portugal, que passaram por recessões profundas), mas também nas economias mais fortes, como a Alemanha, o que suscitou discussões sobre se a economia europeia estaria a enfrentar um fenómeno de estagnação secular.

A política económica teve um papel nesta tendência. Por um lado, as regras orçamentais impuseram restrições significativas ao investimento público e empurraram os países mais endividados para programas de austeridade que não só agravaram a recessão, como deixaram cicatrizes a longo prazo. Por outro lado, as reformas laborais incluídas nos programas de austeridade enfraqueceram a capacidade dos trabalhadores para negociar aumentos. Mario Draghi, que liderava o BCE na altura, chegou a notar que “as reformas estruturais que reforçaram a negociação salarial ao nível das empresas podem ter tornado os salários mais flexíveis para baixo, mas não necessariamente para cima”. O problema não era tanto a estagnação secular, mas as políticas de estagnação.

Estes fatores não se alteraram substancialmente após a pandemia. Embora a União Europeia tenha criado o Fundo de Recuperação e Resiliência, destinado a promover o investimento em resposta à crise, as regras orçamentais já voltaram a entrar em vigor e voltam a colocar limites consideráveis à despesa e ao investimento público, restringindo a capacidade dos países que tiveram de se endividar para responder à pandemia. Além disso, não há sinais de que o poder negocial dos trabalhadores se tenha alterado de forma significativa. Neste contexto, existe o risco de um regresso à tendência de fraco investimento e crescimento na Zona Euro (o que tem motivado iniciativas como o relatório Draghi, que pretendem responder ao problema através de incentivos públicos ao capital privado).

Por outro lado, como tem sido discutido nos últimos posts, a inflação também está sujeita a outro tipo de riscos que atuam em sentido contrário. As alterações climáticas e o avolumar de tensões geopolíticas indicam que os constrangimentos da oferta de produtos como o petróleo, o gás, os bens alimentares ou algumas matérias-primas críticas se podem tornar mais frequentes. Isso deixa os países vulneráveis a subidas de preços, amplificados pelo poder das grandes empresas, que se podem repercutir no resto das atividades económicas.

Tudo isto obriga a repensar o combate à inflação – e, de uma forma mais geral, a política económica. Há lições a retirar sobre a política macroeconómica da Zona Euro, responsável pela estagnação pré-pandémica, e sobre a resposta a choques inflacionistas como o dos últimos anos. Como argumenta o economista James Meadway, a crise do custo de vida que atravessámos nos últimos três anos faz parte de um desafio maior – uma “crise do custo de adaptação” a um mundo sob “stress ecológico severo”, que requer novas formas de organizar a produção e distribuição dos recursos. A presença e a participação do Estado nos setores estratégicos da economia são indispensáveis.

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