terça-feira, 28 de janeiro de 2025

A agenda da direita não mudou: tentar de novo «ir ao pote» das pensões

1. O declínio demográfico e o envelhecimento da população são recorrentemente invocados pela direita para colocar em cima da mesa a tese da insustentabilidade do sistema de pensões, permitindo de seguida advogar a necessidade da sua privatização (através da individualização das contribuições), entregando os respetivos descontos a seguradoras e fundos privados de pensões, de modo a desmantelar o sistema público solidário intergeracional, como se os mercados financeiros resolvessem alguma coisa nesta área.

2. Para ilustrar o desequilíbrio demográfico, nomeadamente a cada vez maior dependência da população idosa relativamente à população em idade ativa, a direita tinha o hábito de recorrer a projeções demográficas, procurando assim sinalizar o momento em que, no futuro, o sistema público deixaria de conseguir assegurar o pagamento das reformas. Uma vez assim criado o pânico de fundo, a direita esperava conseguir convencer as pessoas de que a privatização era mesmo inevitável.

3. Sucede, porém, que o recurso ao argumento demográfico, para o efeito pretendido, tem problemas. Uma projeção é a previsão possível com os dados do momento, não captando mudanças futuras nas dinâmicas demográficas. Um saldo migratório positivo imprevisto, por exemplo, traduz-se não só no aumento da população total, mas também - e sobretudo - no aumento da população em idade ativa, tornando obsoletos os cenários previamente traçados.

4. Acresce, por outro lado, que a sustentabilidade do sistema público de pensões depende muito mais do volume de emprego do que a direita tenta fazer crer. Isso mesmo ficou demonstrado no período entre 2015 e 2019, quando a solução governativa à esquerda - rompendo com o desemprego induzido pelo PSD e CDS-PP ao abrigo da troika (2011-2015) - permitiu melhorar significativamente os saldos do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.


5. Sem tapete para continuar a insistir na degradação dos saldos da Segurança Social, e querendo retomar a agenda da sua privatização, o atual governo da AD socorreu-se de um relatório do Tribunal de Contas (TdC), onde se mistura - de forma disparatada - o Sistema Previdencial da Segurança Social (financiado por contribuições) com os saldos da CGA, à qual o Estado tem uma dívida decorrente de descontos e contribuições de que se apropriou indevidamente no passado. Tudo para que se pudesse agitar de novo a bandeira da insustentabilidade do sistema público de pensões.

6. Aproveitando a boleia, mesmo que balofa, do TdC, a ministra do Trabalho apressou-se a nomear um grupo de trabalho para estudar a reforma da Segurança Social, anunciando que está a preparar limitações no acesso à reforma antecipada e acrescentando não estarem previstos, «para já», cortes nessas reformas. Cereja em cima do bolo: Jorge Bravo (adepto da privatização, com ligações a seguradoras e que colaborou no relatório do TdC) e Carla Castro (ex-IL) integram o grupo de trabalho nomeado pela ministra Palma Ramalho. Diz-me quem nomeias e dir-te-ei o que queres.

Adenda: Até o insuspeito José Gomes Ferreira já percebeu a nova manobra da AD para tentar, de novo, «ir ao pote» das pensões: «Querem dar ideia de que há problemas com a Segurança Social para pôr os privados a gerir o dinheiro que é nosso». Ora nem mais.

5 comentários:

Vitor Pereira disse...

Precisamente, dar o pote das Pensões aos amigos à espera de paga pelo serviço. Ainda me lembro, como bancário antes das reprivatizações da lenga lenga deles com o aplauso do PS de Soares em que com a banca privada é que era bom, havia concorrência entre eles e que isso iria beneficiar os clientes. Claro que, eu nunca acreditei nisso e pensava ainda jovem para com os meus botões, então, a banca privada qcuja principal intenção é o lucro, vai preocupar-se mais com o cliente que a banca nacionalizada cuja intenção não é lucro? Essa só contaram p'ra você!!!!! Nem foi preciso passarem muitos anos para ser um chorrilho de bancos falidos, em que alguns faliram em prol dos bolsos desses arautos. Só p'rá família PSD com o EFISA, BANIF e principalmente o BPN, acho que só foram mais de 10.000M de euros. Agora querem privatizar também os descontos dos trabalhadores e querem que se acredite que quem vai mamar novamente não são as seguradoras a quem irão entregar a manjedoura e seus lacaios políticos que o legislaram?

Anónimo disse...

Confesso o meu espanto com a tal comissão de estudo.

Em primeiro lugar isto é como as comissões de ética. Se eu meter numa comissão de ética duas ninfomaníacas afamadas já sei que vão gostar dos clubes de swingers. Dirão que a psiquiatria recomenda. Se eu meter o Cardeal Marto e o Geral dos Jesuítas vamos ter missas de desagravo.

Quando a ministra nomeia Bravo, nome afamado nas seguradoras, e Carla Castro, casada com um das seguradoras e ela própria do meio, podemos antecipar o que aí vem. É procurar na net e é ler Carla Castro a dizer por outras palavras que os novos já não aguentam o fardo dos velhos. Seria engraçado averiguar qual a proximidade entre a IL e as seguradoras. Do que leio é quase simbiótica.

Estranho mesmo é o Tribunal de Contas. Fez um relatório a pedido de quem? É que a cronologia das notícias é curiosa: primeiro, a ministra a queixar-se que o OGE pôs nas pensões X milhões e que assim não pode ser, depois sai o relatório do TC e poucos dias depois temos uma comissão presidida por duas afamadas figuras do triple X, ou melhor, da sustentabilidade das pensões.

Cheira-me a grande esturro. Como não acredito que a senhora ministra tenha feito isto de motu proprio é fácil deduzir quem está por trás.

Não se esqueçam: precisamos de mais feminismo, sobretudo na menopausa. A da saúde e a do trabalho são a melhor ilustração desta necessidade. As mulheres fazem a diferença.

Anónimo disse...

Essa carla castro trabalha ou trabalhou na Mapfre Seguros. Tem participação directa ou indireta por via do cônjuge numa empresa de mediação de seguros.

sff disse...

Muito bem! Como se a privatização do sistema fosse resolver a questão da sustentabilidade. A maior parte dos portugueses não entende isto.

Paulo Cunha disse...

O gráfico quer dizer por exemplo que o fundo da segurança social tem dinheiro para aguentar até 2049 mesmo sem novos descontos?

E a CGA não era para meter na SS