sábado, 18 de janeiro de 2025

Ao cuidado do Dr. Marques Mendes

Na prédica de domingo passado na SIC, como sempre sem contraditório, o ainda comentador Luís Marques Mendes, embalado por uma notícia do JN, subscreveu a ideia de que as «escolas privadas já são a maioria no Porto e em Lisboa», dando a entender - tal como o JN - que o privado está em franca expansão e a escola pública em declínio.

Para ilustrar esta narrativa recorrente, apresentou dois gráficos com o número de estabelecimentos de educação pré-escolar existentes nas duas cidades. E concluiu, sem pestanejar, que a oferta pública de educação pré-escolar é de apenas 16% em Lisboa e nula no Porto, onde 60 equipamentos do setor privado asseguram, supostamente, 100% da oferta existente (ver nos gráficos seguintes).

Sucede, porém, que comparar a oferta pública com a oferta privada apenas através do número de estabelecimentos é não só manifestamente pobre e redutor como errado, tornando-se imprescindível - e bem mais substantiva - a comparação entre o número de crianças e alunos que frequentam cada uma destas duas ofertas de educação e ensino.


É que o comentador da SIC parece esquecer-se, desde logo, que uma parte significativa da oferta privada de educação pré-escolar (e não só) é assegurada através de financiamento público (em resultado de opções políticas nesse sentido), não podendo por isso deduzir-se, de forma simplista e enviesada, que essa oferta constitui provisão privada (mesmo que seja essa a natureza jurídica das entidades).

Por outro lado, as análises centradas na simples contabilização dos estabelecimentos incorrem no erro de ignorar que, por exemplo, há escolas públicas do 1º ciclo do ensino básico com salas de pré-escolar, existindo, portanto, oferta pública a este nível (mesmo que a escola seja contabilizada no ensino básico). É justamente isso que acontece no Porto e que impede tirar a conclusão de que a educação pré-escolar é assegurada a 100% por privados, nesta cidade.


Como se pode constatar através dos gráficos, quando se engloba a oferta pública e a oferta privada financiada pelo Estado (privado dependente), aferida pelo número de crianças, deixa de se poder sugerir - como faz o JN em parangona e Marques Mendes - que o ensino privado é maioritário em Lisboa e no Porto. Em termos de mecanismos de provisão, a oferta pública representa 56% do total nas duas cidades, e não os 16% indicados para Lisboa e os 0% para o Porto. Além de que estamos a falar, sublinhe-se, de um nível de educação (pré-escolar) onde há muito o Estado tem optado por assegurar a provisão financiando entidades do terceiro setor e privados independentes.

Não é a primeira nem a segunda vez que o Dr. Marques Mendes partilha, em horário nobre, dados enviesados ou mesmo errados. Foi assim com a inflação do número de alunos sem aulas no início do ano letivo de 2022/23; e foi assim, também, com a redução mirabolante (em 90%) dos alunos sem aulas no final do 1º período, ansiosamente divulgada em novembro pelo ministério da Educação. Assumindo que o comentador da SIC não é movido por má fé, sugere-se que olhe com maior sentido crítico, e isenção política, os números que lhe chegam às mãos.

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