sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

A verdade, como o azeite, veio ao de cima


Oportunamente aprovadas na quadra natalícia, as alterações ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) foram apresentadas pelo governo como visando não só aumentar a oferta de habitação (na crença simplista e ilusória de que basta construir mais para superar a crise), mas também fixar um teto máximo do valor a que as casas, resultantes da reconversão de solos rústicos em urbanos, podem ser transacionadas.

O diploma estabelece, nestes termos, que o preço de venda por m2, em cada município, fica limitado ao valor da mediana nacional, sendo que nos casos em que esse patamar é ultrapassado, o teto passa a ser o da mediana do concelho com uma majoração de 25%, até ao limite de 225% da mediana nacional. Ou seja, um aumento de 25% face à mediana do concelho, mas sem ultrapassar os 225% da mediana nacional.

O Público fez as contas e o resultado é claro. O dito «valor moderado», introduzido pelo governo no diploma (que deixou cair a referência a «preços acessíveis» na versão que chegou a Belém), «permitirá praticar preços de venda de habitação acima dos de mercado em 295 dos 308 municípios portugueses». Note-se, aliás, que o DN refere que é o próprio governo a restringir às «áreas metropolitanas e capitais de distrito» o efeito de redução, em 20%, do preço das casas (contrariando assim o sentido amplo que é dado no título da notícia).

Face às críticas de ineficácia, riscos e impactos negativos da medida - desde logo pelo incentivo à especulação - o executivo começa a admitir fragilidades e a revelar, ao arrepio da retórica inicial, as suas verdadeiras intenções. Montenegro assume que o governo está «arriscar» nas soluções para a habitação. Castro Almeida defende que os preços têm que ser «suficientemente atrativos» para os construtores e já só quer «pôr as casas tão baratas quanto possível». Pinto Luz esclarece que a lei dos solos não é a «bala de prata» que resolve a crise. Mas tudo avança, claro.

Não se percebe bem se a medida, que constitui uma resposta errada a um falso problema, decorre apenas da incapacidade do governo para compreender a natureza da atual crise (espoletada pelo surgimento de novas procuras, com elevada capacidade aquisitiva, que encaram a habitação como um investimento), ou apenas está a atender às expetativas dos interesses do setor. Uma coisa parece certa: descer os preços da habitação, por forma a torná-los mais acessíveis para as famílias (devia ser este o significado de «habitação acessível»), não faz parte dos seus objetivos.

Adenda: Ironia das ironias, até a insuspeitíssima Maria Luís Albuquerque já percebeu a relevância que o investimento especulativo no setor imobiliário teve e tem na génese e persistência da atual crise de habitação, considerando que medidas que promovam um maior «investimento nas empresas, em vez de em ativos imobiliários, permitirá baixar os preços das casas».

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