quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Marcelo queria em 2015 uma coligação de direita alargada

Marcelo Rebelo de Sousa nunca diz o que pensa, mas se recuarmos no tempo, podemos perceber muita coisa. 

MRS foi comentador da TVI de 2010 a 2015. Ou seja, um período dramático da vida dos portugueses, que coincidiu com a intervenção externa da troica em Portugal, recebida de braços abertos pela coligação PSD/CDS que quis ir ainda mais além do memorando de entendimento.As consequências foram desastrosas. 

Ora, o que pensou Marcelo de tudo isto?

Comentando o estado da maioria de direita na TVI a 4/1/2015 (26'), Marcelo Rebelo de Sousa disse que PSD e CDS estavam a perder a iniciativa política para o PS de António Costa e criticou Paulo Portas por dizer no Brasil que o CDS estava disponível para "renovar a maioria":

MRS: E a expressão "renovar a maioria" é curta porquê? Porque não basta o discurso do PSD e do CDS. Que é: "Nós herdamos um país desfeito, à beira do caos, arruinado, e pusemo-lo equilibrado. Só por isso merecemos continuar". Não chega, não chega. Cada eleição pressupõe mais do que isso, uma esperança, um projecto, uma ideia de futuro que vá além de "nós por aquilo que fizemos justificar continuarmos por 4 anos" 

Judite de Sousa (JS): As declarações são sempre muito voltadas para o passado...

MRS: É afirmação do passado quer naquilo em que o PS falhou quer naquilo que a maioria acertou. E portanto é curto. Falta iniciativa política e falta discurso mobilizador.  (...)

JS: Mas quanto mais tempo pode durar este tabu sobre a coligação? 

MRS: (...) Eu já disse que só por si a coligação é curta. Precisa de meter uns PPMs, uns renovadores qualquer coisa que alargue, precisa de alargar. Mas precisa sobretudo dessa ideia de futuro, precisa de tomar a iniciativa. (...) 

Estas declarações são interessantes porque: 

1) para Marcelo, a receita levada a cabo foi a adequada e foi eficaz e, portanto, cola Marcelo a uma agenda e a uma política neoliberal para a economia. Na verdade, a receita apenas deprimiu os rendimentos salariais, acrescentou crise à crise ao cortar abruptamente na despesa pública (salários de serviços públicos e investimento), ao fazer explodir o desemprego (o desemprego em sentido lato atingiu 1,5 milhões de pessoas, cerca de 25% da população activa!), o que - a par de medidas de caducidade das convenções, congelamento da negociação colectiva, corte de compensações por despedimento, corte para metade da duração do subsídio de desemprego e mesmo do seu montante, tudo fragilizou o emprego e o desemprego, o que forçou a uma descida salarial e aumentou a pobreza e a desigualdade social. Tudo isto visando uma maior competitividade externa da economia (via baixa salarial), o que, mesmo assim...  nâo se conseguiu! Na verdade, a terapia, contribuiu para a desarticulação dos serviços públicos (nomeadamente do SNS de que Marcelo não gosta), provocou uma emigração histórica de quadros qualificados (nomeadamente do SNS!), tudo para criar um ambiente de choque que permitisse introduzir as ditas reformas estruturais que nada mudaram, senão o mercado de trabalho (que na sua generalidade se mantêm em vigor). E a prova é que, mal a retoma chegou, os desequilíbrios voltaram. 

2) Para Marcelo, a coligação de direita precisava de ser "alargada". E é isso mesmo que está agora a acontecer com ... a iniciativa política da extrema-direita. E - claro está! - Marcelo tudo faz para valorizar o seu papel, esquivando-se a comentar a sua agenda racista inconstitucional.

Como poderia o Presidente da República acabar politicamente com a extrema-direita se é ela que está a dar ânimo à sua direita?

Se a desigualdade cresce e Marcelo quer mais apoios orçamentais, bem poderia ter pensado nisso quando apoiou todos os cortes praticados.  


8 comentários:

Paulo Marques disse...

O Iluminado queria mais apoios sociais, mais investimento, e menos défice no orçamento; só faltou falar no milagre da multiplicação da eficiência de privatizar serviços públicos para se perceber como é que isso bate certo, mas aí desmascarava-se ao que vai.

Anónimo disse...

MRS gosta do SNS, não do Serviço Nacional de Saúde, mas sim do Sistema Nacional de Saúde.
Repare-se no logro inicial contido na sigla, pois tanto um como o outro se condensam em SNS.
Repare-se agora no embuste do financiamento dos hospitais privados, que nasceram como cogumelos numa manhã de inverno.
Nenhum dessas dezenas de novos hospitais foi construído com dinheiro dos promotores. É tudo dinheiro dos bancos. É assim que funciona. É o próprio hospital que terá de pagar-se a si próprio. O dinheiro do acionista não entra, ponto!
E agora a cereja no topo do bolo: quem são os caloteiros que deixaram o rasto de 25 biliões de € calotes nos bancos privados e público, nos idos da GFC?
Não é preciso fazer um desenho, pois não?
E agora, pensem comigo: não é ilegal o Estado contratar serviços com empresas quem têm dívidas ao Estado? E os 25 biliões de calotes não foram assumidos pelo Estado?

JE disse...

Muito bom

JE disse...

Não é para aparecer. Mas há aí uma palavra que deve ser corrigida: "geberalidade"

Monteiro disse...


Há 30 anos Marcelo concorria para acabar com a carreira política de Cunhal
(Domingos Lopes, in Público, 29/12/2020)

João Ramos de Almeida disse...

Caro JE,
Muito obrigado, vou corrigir

JE disse...

SNS só há um. O resto é paleio de neoliberal a fazer propaganda da realidade alternativa.

Tal como os calotes foram mais do que isso. Bem mais. É perguntar aos bancos alemães e holandeses quem os salvou. Isso sim, a cereja no topo do bolo

Ainda nos lembramos bem da "intervenção que obrigou o povo português - e os mais pobres - pagar um empréstimo ruinoso ao Estado, para salvar bancos alemães e franceses que tinham apostado no saque das finanças públicas portuguesas, obrigadas a elevar as taxas de dívida pública porque um BCE inoperante não estava para regular esse saque... E tudo foi aproveitado para desregular o emprego e o desemprego, a ponto de presentemente se viver uma situação de calamidade no Trabalho, com salários e condições contratuais própria de um cataclismo social. Quais foram as vitórias conseguidas com essa intervenção? Onde estão os ganhos de competitividade prometidos? Onde está o saldo das contas externas equilibradas?

Tudo made in UE.

Podemos agora voltar aos planos da direita e da extrema da dita? Responsáveis pelos anos de chumbo do troikismo e mais além?

Anónimo disse...

O que é GFC?