Os dados publicados hoje pelo Eurostat confirmam que Portugal está entre os países da União Europeia onde o salário mediano é mais baixo. Na verdade, os números do Eurostat mostram que, quando considerada o poder de compra dos diferentes países, só a Bulgária possui um nível de rendimento mediano inferior ao português. A publicação destes dados foi prontamente aproveitada por alguns políticos à direita para criticar a estagnação económica que o país atravessou nas últimas duas décadas. João Almeida, do CDS, diz que este é o resultado de uma "governação socialista" que nos deixa "cada vez mais longe da prosperidade". Miguel Morgado, do PSD, adota o mesmo tom e sublinha que se não queremos "condenar o país à pobreza perpétua", as políticas socialistas têm de mudar. É um diagnóstico tão convicto quanto errado, por quatro motivos essenciais.
Por um lado, o facto de o país ter tido governos do PS está bastante longe de significar que as políticas adotadas possam ser caracterizadas como socialistas: na verdade, a desregulação das leis do trabalho, a privatização de quase todos os setores da economia (banca, indústria, energia ou transportes) e a proliferação de PPPs são alguns exemplos de como a orientação da política adotada em Portugal foi, se alguma coisa, a da liberalização.
Por outro lado, os que, à direita, criticam a estagnação económica do país nos últimos 20 anos fazem-no sem nunca referir ou considerar o principal fator de estagnação: a adesão ao euro, que, deixando o país sem controlo da política monetária e cambial, enfraqueceu as exportações, favoreceu as importações e promoveu o endividamento externo, sobretudo bancário, canalizado para setores de baixo valor acrescentado e para atividades especulativas (como o imobiliário).
Além disso, estes críticos são os mesmos que passaram os últimos anos a defender um modelo de globalização marcado pela liberalização dos movimentos de capitais, abertura ao comércio internacional, desregulação financeira e laboral e redução do papel do Estado na economia, tudo aspetos que explicam a tendência de estagnação salarial, como conclui o estudo "Determinants of the Wage Share: A Panel Analysis of Advanced and Developing Economies", publicado por Engelbert Stockhammer em 2015 (fonte do gráfico ao lado).Por último, os que, à direita, criticam a prevalência de baixos salários no país são os mesmos que diziam que andávamos a viver acima das possibilidades antes da última crise. Foi por isso, aliás, que aplicaram um agressivo programa de desvalorização interna (i.e. corte dos rendimentos reais) quando estiveram no governo. Foi também por isso que se opuseram à política de reforço dos rendimentos prosseguida pela maioria de esquerda na última legislatura. E é por isso que costumam queixar-se dos elevados "custos do trabalho" quando se debate, entre outras coisas, o aumento do salário mínimo.
Percebe-se, por isso, que o diagnóstico apresentado pela direita não podia estar mais longe da realidade. É certo que Portugal tem um problema de estagnação nas últimas décadas, pelos motivos discutidos, e que isso tem efeitos negativos na evolução dos rendimentos. Mas reconhecê-lo não implica cair na armadilha de quem, tendo feito parte do problema, propõe agora as mesmas soluções que o criaram.
8 comentários:
Um excelente texto
Se fora mais socialista traria melhor ou pior resultado?
Aí é que eu gostaria de ver as projecções por cada medida: mais salários, mais rigidez de emprego, mais...e...mais...
O problema de Portugal é que não se faz planeamento.
Se perguntarem ao governo as prioridades eles não sabem?
E há casos de investimentos que até podiam vir para Portugal mas as empresas não estão interessadas devido à burocracia e não por causa dos salários.
No caso dos liberais, eles não percebem que sem uma administração pública moderna e capaz de dar resposta às necessidades do país é impossível criar riqueza.
O que interessa é manter um défice baixo nem que isso seja feito à custa de não se fazerem os investimentos estratégicos na mobilidade e nos clusters tecnológicos.
Os salários não se aumentam por decreto! De facto os salários correlacionam quase diretamente com o PIB per capita.
Jose não gosta de factos
Prefere inventar uma estória alternativa. Aí é que, segundo as suas próprias palavras", gostaria de estar.
Há algo de decrépito nisto. Mas também,confessemos, de manifesta impotência
O resto, com o devido respeito pelo autor do post são as pequenas armadilhas de joão pimentel ferreira, travestido de dama suspeita, para atrair incautos ao seu blog. Ganha com as visitas, mas quem lá vai deve saber que pode sofrer consequências por entrar em sítios mal frequentados
A raiva que os neoliberais têm por salários dignos e decentes
Este mesmo tipo agora disfarçado de cluster tecnológico e hodierno funcionário de uma multinacional em tons de ana maria era o mesmo que defendia as políticas sociais de hitler. Confere. Nos métodos e nos processos
Jose,
pergunte à China ou ao Vietname, ou, alargando ainda mais a sua deturpação de socialismo, como correu o proteccionismo Japonês ou Coreano.
Mas percebe-se, empregados sem tecto é um KPI a aumentar.
Ana Maria,
Tem a correlação ao contrário, porque, enfim, continuo continuo à espera que expliquem como vai subir o PIB vendendo tralha barata e facilmente substituível para... ninguém em 2020 e 2021, para ficar por aí.
Os neoliberais e o ódio ao salário mínimo
Friedman tem tb uns papéis assim Pinochet cumpriu â risca. O holandês travestido quer o mesmo fado.
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