quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Colecção "colaboradores"

Este caso é dos mais engraçados e interessantes. 

Fala do caso Telexfree, uma empresa que, segundo o Público, "entre 2012 e até meio de Abril de 2014, começou a apresentar-se como um negócio de venda de pacotes ‘VoIP’, uma tecnologia que utiliza a internet como alternativa à rede fixa de telefone". E que acabou por se manifestar como uma empresa em esquema Ponzi.

Ora, por que razão se havia de escolher a palavra "colaboradores" para definir os responsáveis por esta fraude? 

Repita-se pela enésima vez: nem o Código do  Trabalho, nem a jurisprudência tratam os trabalhadores por colaboradores. Não há contratos de colaboração. Há contratos de trabalho. Colaborador é uma aberração jurídica cujo uso fraudulento tenta camuflar um contrato de trabalho com um contrato de prestação de serviços. A vantagem é óbvia: um contrato de prestação de serviços não tem encargos para a Segurança Social e pode ser rescindido a qualquer momento, sem compensação por despedimento. É a subversão total, mas foi a forma que o patronato arranjou, ao fim de décadas de resistência dos trabalhadores - e do Tribunal Constitucional -, para tornar a empresa mais líquida, reduzir encargos e neoliberalizar os despedimentos. 

A justificação da escolha pelo jornal,  como o Ladrões de Bicicletas apurou, teve que ver com a informalidade do esquema. E portanto, subjacente ao raciocínio, até está uma associação interessante: quem geralmente é tratado por colaborador está envolvido numa penumbra de informalidade que escamoteia a sua realidade efectiva. 

Mas será que este exemplo é diferente dos outros casos? 

Se fosse nos Estados Unidos, não teria sido. Lá, havia uma empresa. Tanto assim que faliu. E nesse caso, os responsáveis da empresa ou eram dirigentes assalariados - e portanto trabalhadores no sentido jurídico do termo - ou eram accionistas ou sócios ou proprietários da empresa. Mas nunca colaboradores, prestadores de serviços. E portanto, muito menos "ex-colaboradores". 

Mas e em Portugal? O artigo menciona "a célula madeirense" para designar quem, ao largo da lei, angariava fundos para esta nova economia colaborativa (conceito geralmente usado para designar empresas como a Uber). O conceito célula levar-nos-ia ainda mais longe, mas deixemos esse carreiro. Centremo-nos na Madeira. Neste caso, não eram "colaboradores", mas qualquer palavra associado ao carácter ilegal da actividade (burlão, contador do vigário, bandido, membro de quadrilha, gangster, etc.).

De qualquer forma, este seu novo uso parece ganhar todo um novo sinal. Mas será que foi perceptível?

Sem comentários: